Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:017/22
Data do Acordão:11/08/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30168
Nº do Documento:SAC20221108017
Data de Entrada:05/09/2022
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA — JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA — JUIZ 6 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
REQUERENTE: A………… E OUTRA
REQUERIDO: B…………, SGPS, S.A, FUNDO DE RESOLUÇÃO E C…………, S.A.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n°: 17/22

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A………… e D…………, identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), acção administrativa contra o C…………, SA, o E…………, SA, e o Fundo de Resolução pedindo a condenação solidária dos Réus numa indemnização de €100.000,00, acrescida de juros remuneratórios até 21.10.2019, à taxa contratual fixada, de 6,875%, até efectivo e integral pagamento, calculados sobre a quantia de €100.000,00., a liquidar em execução de sentença e dos respectivos juros moratórios à taxa de 4%, a partir da citação até efectivo pagamento.
Os RR. contestaram. Os 1º e 2º RR. e a interveniente principal B…………, SGPS, SA – 4ª Ré - apresentaram contestação deduzindo, nomeadamente, a excepção da incompetência absoluta do tribunal administrativo, por os contratos de aquisição de instrumento financeiro relativo a obrigações da F………… Finantial Group, SA, que estão em causa na presente acção, não serem contratos administrativos, nem terem sido celebrados ao abrigo de procedimentos de formação de contratos públicos, nem serem (em si) contratos públicos, pelo que, pelo menos a 4ª Ré deverá ser absolvida da instância (cfr. arts. 37°, nº 1, 576°, nº 2 e 577°, nº 1, aI. a), todos do CPC.
Por decisão de 14.02.2022 o TAC de Lisboa declarou-se materialmente incompetente para conhecer do objecto da acção, absolvendo os RR. da instância.
Para tanto, fundou-se na abundante e coincidente jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos acerca desta matéria, que cita.
Em acção anteriormente intentada pelos AA. contra os três primeiros RR., o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 6 [Proc. n.º 19679/16.5T8LSB], por decisão de 02.11.2017, julgou-se incompetente em razão da matéria, por considerar que "O Fundo de Resolução, como já se disse, é uma ''pessoa colectiva de direito público" - cf arts. 153.º-B, n.º 1, do RGICSF, e 1.º do respectivo Regulamento, aprovado pela Portaria n. 420/2012, de 2-12.
Logo, nos termos da alínea f) do art. 4.º, n.º 1, do ETAF - na redacção em vigor à data da propositura da presente acção, a do DL n.º 214-G/2015, de 02-10, é da competência exclusiva dos tribunais administrativos "a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas [à] responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público".
Mesmo que se tratasse de responsabilidade contratual esta seria sempre uma responsabilidade fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, e não radica na eventual actividade ou qualidade do sujeito de direito privado, de direito comercial." [cfr. doc. nº 26, junto com a p.i.].
Os AA. pediram A Resolução do Conflito Negativo de Jurisdição no TAC de Lisboa, sendo o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.
Já neste Tribunal dos Conflitos e em resposta a notificação nos termos do disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, a 4ª Ré pronunciou-se pela competência dos Tribunais Judiciais.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer do pedido deduzido pelos AA. contra todos os RR. deverá ser atribuída aos tribunais judiciais, conforme a jurisprudência uniforme deste Tribunal.

2. Os Factos
Os factos provados com interesse para a decisão do presente conflito de jurisdição são os constantes do Relatório.

3. O Direito
A questão que cumpre apreciar e decidir é apenas a de definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito nº 039/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 031/18 e 046/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito nº 060/19 e de 08.07.2021, Conflito nº 057/19 e de 25.06.2020, Conflito nº 059/19], sendo a única diferença a de que nesses Conflitos era demandado o F………… e nestes autos o C………… [pertencendo ao mesmo grupo financeiro e empresarial]. Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remeteremos para o que se escreveu no Conflito nº 046/18, que assumimos como nosso:
«(...)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (E………… SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (F………… SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1º da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1º dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153°-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
(...)
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «E…………» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao BES no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do E………… - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4º do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513º do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais judiciais - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 6 - para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o C…………, SA, o E…………, SA, o Fundo de Resolução e B…………, SGPS, SA.
Sem custas.

Lisboa, 8 de Novembro de 2022. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.