Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:024/15
Data do Acordão:11/12/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONCESSIONÁRIO
Sumário:Uma acção onde se pede a condenação da concessionária de uma auto-estrada no pagamento de uma determinada quantia a título indemnizatório e, segundo o Autor, provocado pela Ré, concessionária, por esta não ter tomado as providências necessárias ao nível da segurança rodoviária, enquadra-se no âmbito de aplicação da previsão do art. 1º nº5 da Lei nº 67/2007, de 31/12, o que determina a competência dos tribunais administrativos em razão da matéria para julgar o litígio nos termos do art. 4º al. i) do ETAF.
Nº Convencional:JSTA000P19703
Nº do Documento:SAC20151112024
Data de Entrada:05/22/2015
Recorrente:A....., S.A., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE SINTRA, INST LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 E O TAF DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito 24/15.
Acordam no Tribunal de Conflitos

1. Relatório

A………. SEGUROS, SA veio suscitar a resolução do CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, uma vez que na acção por si intentada contra B…………., SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 15.680,79 euros a título de responsabilidade civil extracontratual (acidente ocorrido numa auto-estrada de que a ré era concessionária), uma vez que tanto o Tribunal Judicial como o Tribunal Administrativo se declararam incompetentes em razão da matéria.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da competência ser atribuída à jurisdição administrativa.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento da questão da competência material.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos relevantes para o julgamento da questão da competência são os seguintes:

a) A autora intentou a presente acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo a mesma, após distribuição, ficado com o número 499/12.2BESNT.

b) No seguimento de contestação da aqui ré aquele Tribunal decidiu julgar-se materialmente incompetente para dirimir o litígio existente, considerando materialmente competentes os Tribunais Judiciais.

c) Tal decisão transitou em julgado.

d) Na sequência de tal decisão a autora, A……….. Seguros, SA intentou uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B………… SA, na Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Sintra – Juízo de Média Instância Cível – 2ª Secção.

e) A ré contestou a acção deduzindo, além do mais, a excepção da incompetência material dos tribunais judiciais, por entender serem competentes os tribunais administrativos, pedindo ainda a intervenção principal passiva da C…………..Sucursal em Portugal.

f) Por decisão de 26 de Janeiro de 2015 o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Sintra-Instância Local – Secção Cível – Juiz 1) declarou-se incompetente em razão da matéria.

g) A referida decisão deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. A A……… Seguros S.A. intentou, em 20-6-2014, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra B…………, SA pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de € 15.680,79 (quinze mil seiscentos e oitenta euros e setenta e nove cêntimos) acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento por a ré, enquanto concessionária da A 16, não ter cumprido o seu dever de vigilância e segurança e, como tal, ter ocorrido um acidente, em 15-7-2011, em virtude de existência de resíduos de gasóleo na via”.

h) A referida decisão transitou em julgado.

2. Matéria de Direito

A questão a decidir é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a pretensão da autora que tem por objecto a responsabilidade civil de um sujeito privado (B…………. SA), por factos que a autora integra como traduzindo a violação do dever de vigilância no âmbito de uma concessão de serviço público.

Dado que tanto a autora, como a ré são pessoas colectivas de direito privado e a autora fundamenta a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual importa saber se é, ou não, aplicável ao presente caso o disposto no art. 4º, n.º 1, al. i) do ETAF, segundo o qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham, nomeadamente, como objecto a responsabilidade civil extracontratual “dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.

O referido artigo 4º, n.º 1, al. i) do ETAF remete, como se vê, a questão da competência para o regime da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, mais concretamente para o artigo que estende esse regime aos sujeitos privados. Esse artigo, mais precisamente, o art. 1º, nº 5 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, manda aplicar as suas disposições às acções de “(…) responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (…) por acções ou omissões que adoptam no exercício de prerrogativas de poder público, ou sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Portanto, a questão a decidir, neste conflito, é a de saber se a omissão imputada à ré (omissão do dever de vigiar uma auto-estrada de que era concessionária) ocorreu no exercício de prerrogativas de poder público ou estava regulada por disposições ou princípios de direito administrativo, pois na afirmativa a competência para o julgamento deste processo é dos Tribunais Administrativos.

Trata-se, todavia, de questão que tem vindo várias vezes a este Tribunal de Conflitos.

Apesar do acórdão deste Tribunal de Conflitos de 18-12-2013, proferido no processo 28/13, em sentido diverso, este Tribunal tem vindo ultimamente a entender que a competência para dirimir os litígios resultantes de acidentes de viação ocorridos em vias concessionadas, por violação dos deveres decorrentes do contrato de concessão, é dos Tribunais Administrativos por força do artigo 4º, 1, i) do ETAF – cfr. acórdãos de 9-7-2015, proferido no processo 021/15; de 7-5-2015, proferido no processo 010/15; de 27-3-2014, proferido no processo 046/13 e de 27-2-2013, proferido no processo 048/13.

A nosso ver deve seguir-se a jurisprudência maioritária deste Tribunal de Conflitos, uma vez que – como se refere em tais acórdãos - a omissão dos deveres de vigilância da auto-estrada, objecto da concessão, tem natureza pública. No acórdão deste Tribunal de Conflitos de 12-3-2015, proferido no processo 049/14 (onde o relator deste processo interveio como adjunto) justificou-se exaustivamente a atribuição da competência à jurisdição administrativa com a seguinte argumentação:

“(…)

O art. 4.º do ETAF define o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos (e fiscais), adoptando – nas palavras de Jónatas Machado – “um critério misto para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, mediante o recurso a uma cláusula geral e a uma enumeração especificada, positiva e negativa, o que é, em si mesmo, uma rotura com o sistema adoptado até então, em que uma cláusula geral era acompanhada de um enumeração puramente negativa”. Destarte, “devem ser consideradas relações jurídico-administrativas as relações interpessoais e interadministrativas em que de um dos lados da relação se encontre uma entidade pública, ou uma entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo como objecto a prossecução do interesse público, de acordo com as normas de direito administrativo. Assim entendida, a relação jurídica administrativa pode desdobrar-se num complexo acervo de posições jurídicas substantivas e procedimentais, favoráveis e desfavoráveis, activas e passivas”. - Breves Considerações em torno do âmbito da Justiça Administrativa, in “A Reforma da Justiça Administrativa”, 2005, págs. 80 e 93.

O art. 4.º do ETAF discrimina, nas diversas alíneas, qual o objecto dos litígios que compete apreciar pela jurisdição administrativa (e fiscal), clarificando na alínea i) que são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.

Tem de se apurar, consequentemente, em que circunstâncias um sujeito de direito privado assume a responsabilidade civil extracontratual própria do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.

Ponderando, em concreto, a data dos factos, importa chamar à colação a disciplina vertida no art. 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31-12 - que aprovou o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas: “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”. (Sobre esta matéria, cf. Vieira de Andrade, A Responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 137, n.º 3951, 2008, págs. 360-371.)

“Tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública – adverte Carlos Alberto Cadilha –, o regime da responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas privadas” – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2011, pág. 49.

Por isso, à luz deste segmento normativo, constituem factores determinativos do conceito de actividade administrativa, em primeiro lugar, o exercício de prerrogativas de poder público, o que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade, ou, em segundo lugar, respeitar a actividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo – neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal dos Conflitos n.º 017/13, de 30-05-2013.

Miguel Assis Raimundo opina no sentido de “o critério da gestão pública ou privada parece manter-se, no essencial, pelo menos para efeitos de determinação do regime jurídico (e, limitadamente, da jurisdição competente) da responsabilidade civil dos sujeitos privados que exercem funções administrativas” - A Efectivação da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Públicas, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Paulo de Pitta e Cunha”, Vol. III, 2010, pág. 592.

“Deve entender-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado”, esclarecendo ainda Marcelo Caetano que “pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito” – Manual de Direito Administrativo, II, 10.ª edição, 1994, pág. 1222.

In casu, recorda-se que o sinistro rodoviário, que constitui a causa de pedir – pretensamente verificado no Itinerário Principal 7 (IP 7), ao Km 10,700 (Lisboa) –, ocorreu num local que foi objecto de um contrato de concessão de obra pública e que, na óptica da autora, foi provocado por ter havido omissão dos deveres de segurança que incumbiam à concessionária, decorrentes do respectivo contrato de concessão. (Conforme explica João Caupers, a concessão de obra pública é uma espécie do género contrato de concessão, a que pertencem outras espécies de concessões, nomeadamente, as concessões de serviços públicos, as concessões de uso privativo ou de exploração do domínio público e as concessões de jogos de fortuna e azar - cf. Empreitadas e concessões de obras públicas: fuga para o direito comunitário, “Direito e Justiça”, número especial, 2005, pág. 91)

Especificamente, o DL n.º 242/2006, de 28-12, veio proceder à aprovação das bases de concessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa (art. 1.º), abrangendo no seu objecto o lanço designado “IP 7 – eixo rodoviário norte-sul” – Base II, n.º 1, alínea f) –, tendo sido subsequentemente alterado pelo DL n.º 44-F/2010, de 05.05. (Por sua vez, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 39-F/2010 (publicada no Diário da República, 1.ª Série, de 04-06-2010), veio, nos termos do art. 4.º do DL n.º 44-F/2010, aprovar a minuta do contrato de alteração ao contrato de concessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa.)

Nos termos desses diplomas, importa frisar, além do mais:

(i) “A Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento (...)” - n.º 1 da Base III;

(ii) “A Concessionária garante ao Concedente a qualidade da concepção, do projecto e da execução das obras de construção e conservação dos Lanços, responsabilizando-se pela sua durabilidade, em permanentes e plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da concessão” e “(...) responderá, perante a Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei (...)” – n.ºs 1 e 2, da Base XXXVIII;

(iii) “A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do Contrato de Concessão, e a expensas suas, a Auto-Estrada e os demais bens que constituem o objecto da Concessão em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e segurança (...)” – n.º 1 da Base XLIV;

(iv) “A Concessionária obriga-se a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade para os utentes, a circulação ininterrupta na Auto-Estrada, salvo a ocorrência de caso de força maior, devidamente comprovado, que a impeça de cumprir tal obrigação, e sem prejuízo do disposto na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, e respectiva regulamentação.” – n.º 2, da Base LII;

(v) “A concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, por culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito” – Base LXXIII.

Evidentemente, que sendo a ré (1ª/2ª ré?) concessionária do IP 7, ela está vinculada a certos deveres, decorrentes do contrato de concessão outorgado com o Estado, designadamente os acima discriminados, de que aproveitam todos os utentes.

“O contrato de concessão de obras públicas - de acordo com Armando Triunfante – é normalmente definido como um contrato administrativo, pelo qual alguém se encarrega de executar e explorar uma obra pública, cobrando aos utentes as taxas que forem devidas [excepção feita, v.g., às concessões sobre lanços de auto-estradas, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores]. Este contrato apresenta então três fases distintas: o concessionário executa a respectiva obra; coordena a sua gestão durante o prazo convencionado; findo o qual deve devolver à Administração a obra bem como todos os bens que permitam a sua exploração”.

Por isso, aduz: “[O]s concessionários de obras públicas são, de facto, entidades privadas, e que mantêm a seu cargo a prossecução de interesses públicos, transferidos pela Administração Pública, com a qual têm o dever de cooperar, ficando sujeitos, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo. Serão então sociedades de interesse colectivo, e que se inserem na categoria mais ampla das instituições particulares de interesse público” – Responsabilidade Civil das concessionárias das auto-estradas, “Direito e Justiça”, Vol. XV, Tomo I, 2001, págs. 48/49.

Nas palavras de Carneiro da Frada, “o Estado considerou suficiente, para acautelar os interesses dos utentes, a vinculação da concessionária, perante ele mesmo, a certo número de deveres”, acrescentando que, “estando os deveres das concessionárias (ordinariamente) especificados por lei, não é difícil descortinar nessa consagração legal a presença de disposições de protecção, elaboradas, entre outros motivos, por razões que são do interesse dos utentes. O facto de existir um contrato de concessão que incorpora esses deveres não afasta a sua natureza (também) legal, porque proveniente de um acto normativo de natureza legislativa e por força dele (sempre) aplicável”.

Por fim, como clarifica esse mesmo autor, “tais deveres (de fonte legal) são direito especial relativamente aos preceitos do direito comum” – Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas, “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 65, Vol. II, 2005.

Aquelas normas, reguladoras da concessão e indicadoras dos correspectivos deveres, atestam, sem margem para dúvidas, a natureza pública das actividades desenvolvidas pela concessionária.

“Compete, pois, à concessionária – como refere Rui Ataíde – comprovar que cumpriu os deveres no tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspecções periódicas da rede de vedação, seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de qualquer obstáculo à circulação, controlo de nós de acesso e entrada na auto-estrada, etc.” – Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade dos Concessionários, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Carlos Ferreira de Almeida”, Volume II, 2011, pág. 177 (No entender deste autor: “A concessão institui uma relação contratual duradoura de cumprimento devidamente escalonado no tempo, permitindo à concessionária definir antecipadamente o modo de execução dos encargos que assumiu” - op. cit., pág. 182).

Acresce que a Lei n.º 24/07, de 18-07 – após longa discussão jurisprudencial e doutrinal sobre a matéria –, veio definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, fazendo recair sobre o concessionário, em caso de acidente rodoviário, de que resultem danos, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança quando os sinistros sejam causalmente imputados: a objectos arremessados para a via ou existentes na faixa de rodagem (alínea a)), atravessamento de animais (alínea b)) e líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais (alínea c)) – cf. art. 12.º, n.º 1 –, instituindo um regime especial, que altera o regime geral do ónus da prova que vem estabelecido no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, o que parece atestar, outrossim por esta via, a natureza pública que o legislador pretendeu estabelecer para as actividades executadas pelas concessionárias das auto-estradas e itinerários principais.

De todo o exposto alcança-se, com evidência e clareza, que as entidades privadas concessionárias, que são chamadas a colaborar com a Administração Pública/Estado na concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, fazem-no na execução de tarefas administrativas, mediante a prévia celebração de um contrato administrativo e têm a sua actividade regulada e submetida a disposições e princípios de direito administrativo.

Assim se compreenderá, aliás, que o aludido art. 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007, tenha investido as concessionárias no ónus de provar o cumprimento das suas obrigações de segurança, sempre que os acidentes digam respeito a alguma das situações ali contempladas.

E não se diga, em sentido contrário, que a referência que é feita na Base LXXIII do contrato de concessão à “lei geral” afasta a possibilidade de qualificação da actividade da concessionária como estando “regulada por disposições ou princípios de direito administrativo” (cf. art. 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007), significando apenas que a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de responsabilidade civil extracontratual não está regulada por normas inscritas no contrato de concessão, mas pelas normas gerais que regulam tal matéria, sem contudo se tomar posição sobre a sua natureza, administrativa ou comum.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal dos Conflitos n.º 048/13, de 27-02-2014, “estamos perante serviços de vigilância e de segurança rodoviária (...) de natureza essencialmente pública e que à partida são próprios e se enquadram nas funções do Estado e são no seu interesse”.

Assim, a outorga desses serviços públicos, a uma entidade privada, através do contrato de concessão, não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza público-administrativa e que, por essa circunstância, se transmutem em meros actos privados, submetidos e regulados pelo direito privado, apenas exprimindo que o Estado, através do aludido contrato de concessão, endossou para a concessionária tarefas que, em princípio, deviam estar a seu cargo.

Afastamo-nos, portanto, da jurisprudência expressa no Acórdão n.º 028/13, de 18-12-2013, e acolhemos, sem reservas, a jurisprudência constante dos Acórdãos do Tribunal de Conflitos com os n.ºs 025/09, de 20-01-2010, 046/13, de 27-03-2014, 017/13, de 30-05-2013, e 048/13, de 27-02-2014.

Em síntese, a eventual responsabilização da(s) ré(s), como concessionária do IP onde ocorreu o acidente, insere-se no âmbito de aplicação do art. 1.º n.º 5, da Lei 67/2007, de 31-12, razão pela qual os tribunais administrativos são os competentes para conhecer da causa, conforme preceitua o art. 4.º n.º 1, al i), do ETAF.

(…)”

A questão deste conflito é a mesma e, portanto, pelos fundamentos e conclusões do acórdão transcrito, com os quais se concorda inteiramente e que são totalmente transponíveis para o presente caso, deve atribuir-se a competência para julgar a causa ao Tribunal Administrativo e Fiscal.

3. Decisão

Face ao exposto os juízes do Tribunal de Conflitos resolvem o presente conflito negativo de jurisdição considerando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Novembro de 2015. – António Bento São Pedro (relator) – Nuno de Melo Gomes da Silva – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – João Manuel da Silva Miguel – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Manuel Tomé Soares Gomes.