Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:032/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DA GRAÇA TRIGO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22628
Nº do Documento:SAC20171130032
Data de Entrada:05/30/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CRIMINAL - J1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Administração do Condomínio do Edifício sito na Rua …………, Pêro Pinheiro, instaurou, em 28 de Abril de 2016, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Sintra, contra Município de Sintra, acção administrativa comum de impugnação do acto administrativo constante da decisão do presidente da Câmara de 28 de Março de 2016, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n° 1-2520-2012, que lhe aplicou uma coima de € 1500,00 pela "não conclusão das obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à conclusão ou à melhoria do arranjo estético, determinadas pelo Município ao abrigo do artigo 89°, n° 2, do Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 26/2010, de 30 de Março, nos prazos fixados para o efeito", acrescida de € 120,00 a título de custas processuais.
Pede a Autora que "a Câmara Municipal de Sintra seja notificada para vir juntar aos autos cópia do procedimento administrativo respeitante ao controle prévio à construção do edifício dos autos" e que a decisão do presidente da Câmara de 28 de Março de 2016 seja revogada por violação do disposto no art. 50° e na alínea c) do n° 1 do art. 58° do Dec.-Lei n° 433/82, bem como no n° 2 do art. 89° e nas alíneas b), c) e s) do n° 1 do art. 89° do Dec.-Lei nº 555/99, na sua redacção actual".

2. Por despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Sintra foi declarada a incompetência material do tribunal, considerando que:
“Nos termos do disposto no artigo 4° nº 1 alínea l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de Outubro, compete aos Tribunais de Jurisdição Administrativa e Fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da administração pública, que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.”
3. Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi por este proferido, em 27 de Fevereiro de 2017, sentença que concluiu da seguinte forma:
“Aderindo, por com ela se concordar, à doutrina enunciada acima, conclui-se que este Tribunal Administrativo e Fiscal é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial da decisão que, no âmbito do processo de contra-ordenação nº 1-2520-2012, aplicou à arguida uma coima no montante de € 1500,00 pela prática da contra-ordenação p.p. no art. 98°/1/s e nº 4 do DL nº 555/99 de 16/12 na redacção dada pelo DL nº 26/2010 de 30.03, uma vez que a impugnação judicial dessa decisão foi apresentada, como visto acima, a 28.04.2016, antes do início da vigência da norma do art. 4°/1/l) do ETAF, na redacção dada pelo DL n° 215-G/2014 de 2/10.
Termos em que se julga este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do presente recurso de impugnação judicial.”

4. Por despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 6 de Abril de 2017, foi oficiosamente suscitada junto deste Tribunal a resolução do conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste-Sintra e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, já que, por decisões transitadas em julgado, ambos declinaram a competência própria para conhecer dos presentes autos.

5. O Exmo. Representante do Ministério Público neste Tribunal dos Conflitos emitiu parecer, concluindo:
“Como assim e concordando com a fundamentação expendida pelo Sr. Juiz do TAF de Sintra (fls. 198 e segs.), somos de parecer que o presente conflito de jurisdição deve ser resolvido com a atribuição de competência aos tribunais comuns. Neste caso, ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste-Sintra”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

6. Uma vez que dois tribunais integrados em diferentes ordens jurisdicionais decidiram, por decisões transitadas em julgado, pela incompetência material para conhecer da questão dos autos, verifica-se um conflito negativo de jurisdição que cabe a este Tribunal resolver, nos termos previstos nos arts. 109°, n° 1 e 2, e 110° do Código de Processo Civil.
Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, a competência afere-se em função dos termos da acção, ou configuração da relação material controvertida, tal como definidos pelo autor (cfr., entre muitos outros, o acórdão de 21/04/2016, proc. n° 042/15, e mais jurisprudência aí indicada).
Proclama o art. 202°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, cabendo aos tribunais judiciais a competência para julgar as acções que não sejam da competência de outra ordem jurisdicional (art. 211°, nº 1, da CRP e art. 40°, n° 1, da Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário)).
Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das acções que tenham por objecto a resolução de litígios emergentes de relações administrativas e fiscais (art. 212°, nºs 1 e 3 da CRP).
No caso dos autos, a Autora pretende impugnar judicialmente a decisão proferida pela autoridade administrativa competente que lhe aplicou uma coima no termo de um processo de contra-ordenação instaurado pela "não conclusão das obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à conclusão ou à melhoria do arranjo estético". Trata-se do recurso de impugnação previsto nos arts. 54° e segs. do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro. A competência para conhecer do recurso pertence ao tribunal em cuja área territorial se consumou a infracção (art. 61°, n° 1, do mesmo decreto-lei).

7. Tendo presente os dados constantes do relatório do presente acórdão, cumpre apreciar se a competência para o conhecimento da acção proposta pertence à jurisdição administrativa.
Estabelece o art. 4°, n° 1, alínea l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro) que "Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo".
Assim, presentemente, os tribunais administrativos são competentes para conhecer de recursos de impugnação das decisões administrativas que apliquem coimas por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. Porém, esta nova redacção do ETAF apenas entrou em vigor a 1 de Setembro de 2016, de acordo com o disposto no art. 15°, nº 5, do referido Decreto-Lei nº 214-G/2015. Ora, no caso dos autos, a decisão da autoridade administrativa data de 28 de Março de 2016 e a impugnação da mesma data de 28 de Abril de 2016. Coloca-se, pois, a questão de saber se a nova redacção do ETAF se aplica tanto a decisões das autoridades administrativas anteriores a 1 de Setembro de 2016 como a impugnações anteriores à mesma data.
Este Tribunal tem vindo a pronunciar-se sobre questão idêntica (ver acórdãos de 30 de Março de 2017 (proc. n° 31/16) e de 1 de Junho de 2017 (proc. n° 5/17), consultáveis em www.dgsi.pt. Aqui se transcreve o acórdão de 30 de Março de 2017, cujo teor se acompanha:

“O artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) estabelece no n.º 1, alínea l), a competência dos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo».
Esta disposição que foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, teve por objectivo, como se assinala no respectivo preâmbulo, «fazer corresponder o âmbito da jurisdição administrativa aos litígios de natureza administrativa». Neste sentido, ainda segundo o mesmo preâmbulo, «estende-se o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às acções (...) de impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo».
Decorre do exposto que, actualmente, após as alterações introduzidas ao ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, a jurisdição administrativa é a competente para conhecer da impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Ou seja, a competência dos tribunais administrativos e fiscais no âmbito que se vem de referir restringe-se, limita-se, aos ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Relativamente à impugnação de decisões das autoridades administrativas que apliquem coimas por contra-ordenações decorrentes da violação de ilícitos que se prendem com outras matérias, que não o urbanismo, a competência material para o seu conhecimento não pertence à jurisdição administrativa mas, nos termos do regime geral, à jurisdição comum.
7. No caso concreto, pode concluir-se, sem grande dificuldade, que a infracção que determinou a decisão de aplicação da coima cuja impugnação se insere no amplo âmbito do direito do urbanismo.
Nesta perspectiva, por força do citado artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do ETAF, na sua redacção actual, a competência material para conhecer da dita impugnação pertenceria à jurisdição administrativa.
No entanto, há que considerar que a alteração introduzida à alínea I) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF pelo citado Decreto-Lei n.º 214-G/2015, somente entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2016, conforme se estabelece no artigo 15.º, n.º 5, do mesmo diploma.
Ora a impugnação judicial foi apresentada em 3 de Fevereiro de 2016.
Nesse momento, os tribunais administrativos e fiscais não detinham competência material para o conhecimento das impugnações de decisões proferidas pela Administração de aplicação de coimas por ilícitos de mera ordenação social, fosse em matéria de urbanismo ou de qualquer outra matéria.
Tal competência pertencia, como já se disse, à jurisdição comum.
Como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA - RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Anotados, Almedina pp. 69-70), «a competência (ou incompetência) dos tribunais administrativos para conhecer determinado litígio fixa-se no momento da propositura da respectiva acção, no momento da instauração do processo, em função dos dados de facto e de direito existentes a essa data, sendo irrelevante para o efeito que eles se alterem depois disso (princípio da perpetuatio jurisdictionis)».
Segundo os mesmos autores, «ao contrário do que sucede no âmbito dos tribunais judiciais (art. 22.º da Lei n.º 3/99 - LOFTJ [artigo 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário]) e do que sucedia antes, nos termos do art. 8.º do ETAF de 1984 - no direito processual administrativo actual as modificações de direito que ocorrerem posteriormente à propositura da acção são sempre irrelevantes para atribuição ou privação de competência. Salvo naturalmente no caso de supressão imediata do tribunal competente, ou seja, no caso de nem como “tribunal liquidatário” ele continuar a funcionar, porque então os processos que aí pendiam passam ao tribunal que o substitua» (ibidem, no mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, Almedina, pp. 125-126).
8. Em suma, inserindo-se ou não o ilícito de mera ordenação social que determinou a aplicação da coima ao impugnante pela autoridade administrativa no âmbito do urbanismo, certo é que na data em que a impugnação foi deduzida a competência para dela conhecer pertencia à jurisdição comum, devendo aí ser decidida.”

Aplicando esta orientação ao caso dos autos, conclui-se que, tendo a impugnação sido deduzida em 28 de Abril de 2016 a competência para dela conhecer pertencia então aos tribunais da jurisdição comum.

8. Pelo exposto, resolvendo o presente conflito de jurisdição, decide-se declarar competentes em razão da matéria, para conhecer e decidir da presente impugnação, os tribunais da jurisdição comum.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão (relatora) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – António Pires Henriques da Graça – José Augusto de Araújo Veloso – Manuel Tomé Soares Gomes – José Francisco Fonseca da Paz.