Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:07/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÕES
ILÍCITOS EM MATÉRIA DE URBANISMO
RECURSO DE ACTO SANCIONATÓRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - A partir de 01/09/2016, e «ex vi» dos arts. 04.º, n.º 1, al. l), do ETAF, e 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de atos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo.
II - O elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência «ratione materiae» consiste na data da apresentação em juízo, pelo MºPº, dos autos de contraordenação e do respetivo recurso.
Nº Convencional:JSTA000P23148
Nº do Documento:SAC2018041207
Data de Entrada:01/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA, JUÍZO LOCAL, SECÇÃO CRIMINAL - JUIZ 2 E O TAF DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3
RECORRENTE: A......
RECORRIDA: CM DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 7/18

Acordam no Tribunal de Conflitos:
RELATÓRIO
1. «A…….», devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente - nos termos do art. 59.º do Regime Geral das Contraordenações [aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27.10] na sua redação atual - a decisão do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA [«PCMS»], datada de 08.02.2016, proferida no processo de contraordenação n.º 1-372-2015, que a condenou na coima no montante de 5.000,00 € pela infração consubstanciada na violação do art. 04.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 555/99, de 16.12 [doravante «RJUE» - na redação dada pelo DL n.º 26/2010, de 30.03] [execução de obras de ampliação «sem possuir a necessária licença municipal para o efeito»], a qual integra o ilícito previsto e punido pelo art. 98.º, n.ºs 1, al. a) e 2, deste mesmo diploma legal.

2. Tal impugnação foi interposta no tribunal judicial, concretamente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra [abreviada e doravante «TJ»] [em 01.04.2016], tendo este Tribunal, por decisão de 19.09.2017, e fazendo apelo ao disposto no art. 04.º, n.º 1, al. l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF] [na redação resultante do DL n.º 214-G/2015 - tal como todas as referências ulteriores ao referido «ETAF» sem expressa indicação em contrário], declarado carecer de «competência material» para resolver o litígio por esta pertencer aos tribunais da jurisdição administrativa, no caso, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [abreviada e doravante «TAF/S»] [cfr. fls. 170/170 v.], para onde foi enviado o processo após trânsito em julgado desta decisão.

3. O «TAF/S», uma vez aí chegados os autos, por decisão de 04.12.2017, julgou-se, também, como «materialmente incompetente» dado a competência caber ao «TJ» [cfr. fls. 173/174 v.].

4. Despoletado o conflito de jurisdição nos termos do despacho daquele «TAF», datado de 22.01.2018 [cfr. fls. 181], importa, com prévio envio do projeto aos Juízes Conselheiros nele intervenientes e dispensados os vistos legais, apreciar do mesmo, sendo que o Ministério Público deu o seu parecer no sentido da atribuição de competência ao «TJ» [cfr. fls. 190 e segs. dos autos].


ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO

5. Importa dirimir um conflito negativo de jurisdição resultante da prolação de duas decisões de sentido inverso emitidas, respetivamente, por um Tribunal Administrativa e Fiscal e por um Tribunal Judicial, no quadro de impugnação judicial de decisão do «PCMS» que aplicou uma coima no montante de 5.000,00 € pela infração ao art. 04.º, n.º 2, al. c), do «RJUE» [execução de obras de ampliação «sem possuir a necessária licença municipal para o efeito»], infração essa prevista e punida pelo art. 98.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do mesmo regime jurídico.

6. Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26.08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário («LOSJ») - e 05.º, n.º 1, do «ETAF»], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.

7. A lei jusfundamental consagrou a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si [cfr. arts. 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, 64.º do CPC/2013, 29.º e 40.º, n.º 1, da «LOSJ», 01.º e 04.º do «ETAF»/2004 ou do atual «ETAF»], presente que se os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional [cfr. arts. 64.º do CPC/2013, 40.º, n.º 1, da «LOSJ»] e que, nos termos do n.º 2 do art. 130.º da «LOSJ», «[o]s juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para: (…) d) Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada», resulta, por sua vez, que os tribunais administrativos/fiscais são os «tribunais comuns» em matéria administrativa/fiscal, derivando da al. l), do n.º 1 do art. 04.º do «ETAF» [vigente a partir de 01.09.2016 - cfr. art. 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015 - «[a] alteração efetuada pelo presente decreto-lei à alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, em matéria de ilícitos de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, entra em vigor no dia 1 de setembro de 2016»] no que aqui releva que «[c]ompete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas: … l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo».

8. E, prevenindo a existência de conflitos de competência entre tribunais de cada uma das jurisdições, determinou-se que «[a] lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos» [cfr. art. 209.º, n.º 3, da CRP].

9. Subjaz ao presente processo uma questão de conflito negativo de competência, vale dizer, um conflito de jurisdição em que dois tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes - o «TAF/S» e o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo Local Criminal de Sintra) - declinaram o poder de conhecer da mesma questão [considerando o regime legal que veio a ser estabelecido no art. 04.º, n.º 1, al. l), do «ETAF» com a revisão operada pelo DL n.º 214-G/2015 e, bem assim, o regime de «vacatio legis» definido no art. 15.º, n.º 5, do mesmo diploma], sendo certo que sobre uma e outra decisões, adrede proferidas, ocorreu o trânsito em julgado.

10. O dissídio prende-se quanto «à data relevante para fixar a competência material» respetiva em decorrência da alteração produzida pelo diploma em referência, sendo que na solução do mesmo dissídio vêm sendo eleitos vários elementos de conexão: - data da infração; - data do ato sancionatório; - data do recurso de impugnação; - data da entrada do recurso nos serviços do Ministério Público; - data da apresentação, pelo Ministério Público, do recurso no tribunal que o julgará.

11. A resposta à questão objeto do dissídio e presente conflito afigura-se-nos inequívoca, desembocando a mesma na atribuição da competência no caso ao «TJ», considerando o entendimento decisório firmado sobre a mesma por este Tribunal de Conflitos [cfr., entre outros, os Acs. deste mesmo Tribunal de 30.03.2017 - Proc. n.º 031/16, de 28.09.2017 - Proc. n.º 024/17, de 28.09.2017 - Proc. n.º 026/17, de 09.11.2017 - Proc. n.º 012/17, de 09.11.2017 - Proc. n.º 022/17, de 09.11.2017 - Proc. n.º 035/17, de 09.11.2017 - Proc. n.º 039/17, de 09.11.2017 - Proc. n.º 042/17, de 23.11.2017 - Proc. n.º 037/17, de 30.11.2017 - Proc. n.º 032/17, de 07.12.2017 - Proc. n.º 021/17, de 20.12.2017 - Proc. n.º 028/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 030/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 045/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 027/17, de 08.02.2018 - Proc. n.º 066/17, todos in: «www.dgsi.pt/jcon»].

12. Assim, decorre do entendimento ali afirmado o de que apenas a partir de 01.09.2016 compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de atos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo [cfr. arts. 04.º, n.º 1, al. l), do «ETAF», e 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015], sendo que o elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência «ratione materiae» consiste na data da apresentação em juízo, pelo MºPº, dos autos de contraordenação e do respetivo recurso.

13. Acolhendo-se e reiterando-se tal entendimento e aqui reproduzida sua linha fundamentadora, fundamentação e entendimento esses claramente transponíveis e aplicáveis ao presente conflito, resulta «in casu» a atribuição da competência para o julgamento da impugnação judicial da decisão punitiva proferida no processo de contraordenação em referência ao «TJ» já que a mesma havia dado entrada naquele mesmo Tribunal a 01.04.2016, e, como tal, em data em que a competência para dela conhecer pertencia ainda aos tribunais da jurisdição comum.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa acordam em resolver o conflito, considerando competente, em razão da matéria, a jurisdição comum, em concreto o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste [Juízo Local Criminal de Sintra].
Sem custas [cfr. art. 96.º do Decreto n.º 19243, de 16.01.1931]. D.N..
Lisboa, 12 de abril de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Carlos Manuel Rodrigues Almeida – António Bento São Pedro – José António de Sousa Lameira – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Luís Lopes da Mota.