Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:03133/18.3T8BRG-B.G1.S1
Data do Acordão:07/05/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Sumário:Cabe aos tribunais judiciais julgar uma acção, proposta contra uma pessoa colectiva de direito público, na qual o autor pede que lhe seja reconhecido o direito de requerer a expropriação de bens próprios, nos termos do art. 96.º do Código das Expropriações, por referência ao art. 42.º, n.º 2, al. c) do mesmo diploma.
Nº Convencional:JSTA000P31237
Nº do Documento:SAC2023070503133
Recorrente:BRAGA – MUNICÍPIO
Recorrido 1:VILAMINHO – INOVAÇÃO IMOBILIÁRIA, SA
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1.Em 9 de Junho de 2018, Vilaminho – Inovação Imobiliária, SA, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ao abrigo do disposto nos artigos 96.º e 42.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, ambos do Código de Expropriações, procedimento contra o Município de Braga, pedindo o reconhecimento do direito da requerente à expropriação de todas ou qualquer uma das parcelas identificadas nos artigos 16.º e 17.º e a que fosse determinada “a constituição da arbitragem e demais tramitação legal nos termos previstos nos artigos 42.º, n.º 1”. Baseou o direito que invoca na “aplicação analógica das normas previstas no art. 106.º da Lei 2110, de 19 de Agosto de 1961 (e que mesmo veio a ser confirmada pela nova lei de Bases do Solo, Lei n.º 31/2014 de 13 de Maio, no art.º 18.º)”.
Em síntese, alegou que, em 14 de Maio de 1996, adquiriu duas parcelas de terreno, praticamente contíguas e localizadas no sítio de ..., em Braga, denominadas “Campo ...” e “De ...”, id. nos artigos 16.º e 17.º da petição inicial; que, no momento da aquisição, tais parcelas de terreno estavam classificadas como solo urbano e urbanizável, com aptidão construtiva de alta/média densidade, e integravam a área de expansão urbana da cidade de Braga, definida no Plano Diretor Municipal; que, todavia, apesar de ter tentado, durante 11 anos, aproveitar a edificabilidade que lhe era concedida pelos instrumentos de gestão territorial vigentes, nunca foi dado início, nem ao procedimento expropriativo das parcelas, nem à tentativa de aquisição das mesmas pela via do direito privado.
Mais alegou que viu serem-lhe sucessivamente indeferidos os pedidos de licenciamento que apresentou e as suas parcelas de terreno oneradas com verdadeiros vínculos de inedificabilidade e reservadas para posterior aquisição municipal.
Citado, o réu contestou, concluindo pela improcedência da ação. Por entre o mais, sustentou a inaplicabilidade do artigo 106.º da Lei n.º 2110, por inexistência de lacuna.
Em 31 de Janeiro de 2022, o Município de Braga veio requerer que “seja declarado o erro na forma do processo com consequente incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, ou, se assim não se entender, seja declarada a impossibilidade superveniente da lide”.
Sustenta, em suma, que a factualidade invocada pela requerente constitui causa de pedir de uma ação de indemnização e não de uma expropriação a pedido. Concordantemente, afirma, a competência para apreciar tal ação cabe aos tribunais administrativos.
Por despacho de 10 de Maio de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga – Juiz ..., pronunciou-se no sentido da inexistência de erro na forma do processo e pela não verificação da invocada incompetência absoluta do Tribunal para conhecer do pedido formulado.
Ali se sustentou, em suma, que a pretensão da requerente “tem apoio no entendimento de que o a solução preconizada no artigo 106° da Lei 2110, de 19 de Agosto de 1962 se aplica às situações de expropriação de caráter substancial, entendimento plausível, tanto assim que assim se decidiu no Acórdão do TRP de 06/11/2007, processo 0625139, relatado por Marques de Castilho, e no Acórdão do TRG de 25/05/2016, processo 6244/15.3T8VNF.G1, ademais se dirá que, independentemente do mérito, a verdade é que só através do incidente de que lançou mão pode a requerente obter a tutela pretendida pois que na ação indemnizatória a que alude o artigo 171° do RJIGT não pode obter, certamente, o reconhecimento do direito que se arroga a ser expropriada, havendo até, isso sim, incompetência absoluta da jurisdição administrativa para conhecer de tal pedido.
Como tal, inexiste erro na forma de processo e, consequentemente, inexiste incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido formulado.
Inconformado, o Município de Braga interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Por Acórdão de 29 de Setembro de 2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação procedente, revogando a decisão recorrida, e declarou o Tribunal Comum materialmente incompetente para o conhecimento da presente ação, absolvendo o réu da instância.
Afirmou que o pedido formulado nos autos é o reconhecimento do direito à expropriação de todas ou qualquer uma das parcelas identificadas nos art. 16° e 17° da p.i., e que a causa de pedir é constituída pelos sucessivos indeferimentos de pedidos de licenciamento em face de "reserva para posterior aquisição municipal" e consequente "vinculo de inedificabilidade".
Assim, “em face deste pedido (coadjuvado com a causa de pedir), está em causa uma relação jurídica administrativa nos termos da qual um dos sujeitos é uma entidade pública – Município de Braga – que actua com vista à realização de um interesse público legalmente definido – construção de estradas, equipamentos públicos, espaços verdes, etc – regida pelo direito administrativo (PDMs, Planos Territoriais, etc).
Com efeito, o reconhecimento por um tribunal de que o proprietário tem direito a ser expropriado equivale a uma declaração por utilidade pública. Assim, se esta é da competência da administração latu sensu também aquele reconhecimento deve ser da competência do Tribunal Administrativo sendo este o tribunal especializado para, em face da legislação administrativa, designadamente de ordenamento do território, apurar se se mostram reunidos os requisitos do reconhecimento do direito à expropriação (quer este resulte expressamente de disposição legal, quer seja de ponderar a eventual aplicação analógica de determinada disposição).
No caso de ser reconhecido o direito do particular a ser (total ou parcialmente) expropriado, então competirá ao tribunal comum, nos termos do art. 42.°, n.° 2 c) e n.° 3, 43.° do CE., promover a arbitragem, i.e., a fixação da indemnização devida, a pedido daquele. No caso de não aceitação do valor arbitrado na decisão arbitral tem o expropriado a faculdade de interpor recurso também para o tribunal comum.
Como vimos supra, situação distinta é o direito que o proprietário pode ter a ser indemnizado no caso de, não havendo D.U.P. e não sendo reconhecido o direito a ser expropriado, a sua propriedade sofrer restrições decorrentes designadamente de planos territoriais (art. 171.° do RJUGT) – a denominada "expropriação do plano", "de sacrifício", "de acto individual, sendo que para este pedido é competente o tribunal administrativo.
Concluímos no sentido de não serem os tribunais comuns os competentes para o pedido apresentado pela autora nesta acção, sendo antes competentes os tribunais administrativos (art. 4.º, n° 1 a) do E.T.A.F.).”.”.

2. Inconformada, a requerente interpôs recurso de revista para o STJ, pugnando pela competência material do Tribunal Comum para a apreciação da causa.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:
« I. Por Acórdão datado de 29 de Setembro de 2022, decidiu o Tribunal a quo julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, declarando os tribunais "comuns" materialmente incompetentes para o conhecimento da presente acção, absolvendo o aqui Recorrido da instância, não se conformando a aqui Recorrente com tal decisão; Daí o presente recurso!
II. No caso dos autos não há, nunca houve, declaração de utilidade pública, invocando a Recorrente o seu direito a ser expropriada à luz do disposto nos arts. 42°/2 alínea c) e n.°3 e 96° do Código de Expropriações (CE) que, na sua letra, dispõe "caber ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão em qualquer dos seguintes casos: (...) c) Se a lei conferir ao interessado o direito de requerer a expropriação de bens próprios" e que "o disposto nas alíneas b), c), d) e e) do número anterior depende de requerimento do interessado, decidindo o juiz depois de notificada a parte contrária para se pronunciar no prazo de 10 dias", (sublinhados nossos)
III. O pedido e causa de pedir da Recorrente assentam, ainda, no disposto no art. 96° do CE que, como se sabe, remete para aquele art. 42°/3 do mesmo código, dispondo o mesmo o seguinte: "Nos casos em que, em consequência de disposição especial, o proprietário tem o direito de requerer a expropriação de bens próprios, não há lugar a declaração de utilidade pública, valendo como tal, para efeitos de contagem de prazos, o requerimento a que se refere o n° 3 do artigo 42°."
IV. O elemento literal presente no disposto nos art.s 42°/2 e 3 e 96° do CE que, não tendo sido derrogados, importa a atribuição expressa de competência aos Tribunais Judiciais para decidir (logo, emitir uma apreciação de mérito) sobre "se a lei confere, ou não, ao interessado "o direito de requerer a expropriação de bens próprios"
V. O art. 42°/2 do CE quando refere, expressamente, a competência do "juiz de direito da comarca do local da situação dos bens" (sublinhado nosso), importa a acepção normativa do termo "Comarca" previsto na Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ; lei 62/2013) que, conforme dispõe o seu art.º 1°, "estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário".
VI. Tanto na LOSJ, como no CE, teremos de partir da premissa de que o legislador pretendeu expressar-se com a clareza que consta do elemento literal ali aposto, tendo sido essa a sua intenção normativa e não qualquer outra que não consta da lei, tendo reproduzido com clareza a sua intenção normativa.
VII. Aliás, e porque vem a propósito, importa desde já registar que nestes autos que correm termos sob o n.° 2460/20.4T8BRG-A.G1, 1a Secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães e está datado de 13/07/2022, foi prolatada decisão que está em total oposição com a dos autos. Atentemos ao seu sumário: "É da competência dos tribunais comuns o acionamento do disposto no art. 96.° do CE quando o proprietário pretende exercer o direito à expropriação de bens próprios segundo relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial."
VIII. Os art.°s 29°/1 e no n.°2 da LOSJ referem expressamente que "os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca", o mesmo sucedendo no art. 33° da LOSJ que identifica, sem qualquer dúvida, os tribunais judiciais com os tribunais de "comarca", chegando mesmo a referir que há 23 "Comarcas" (vide n.°2), tal qual sucede, também, no art. 79° que consagra que "os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca", (os sublinhados são nossos)
IX. Em momento algum surge a referência ao termo "Comarca" a propósito dos Tribunais administrativos, nem no disposto no art. 145° do diploma citado, nem no Título VI que versa sobre os "Tribunais Administrativos e Fiscais".
X. É a própria letra da lei aposta no art. 42°/2 e 3 do CE que atribui competência ao "juiz da comarca do local da situação dos bens" para a apreciação sobre a questão (de facto e de direito) de saber se a lei confere ou não ao interessado o direito a ser expropriado, cabendo tal competência ao Tribunal Judicial!
XI. O Tribunal assumirá, no caso dos autos, as funções de entidade expropriante, ou seja, a função de determinar a constituição de arbitragem se e na medida em que concluir que existe o direito a que a mesma seja constituída!!
XII. Já passaram pelos Tribunais Judiciais vários pedidos de expropriação suscitado em termos idênticos ao dos autos e em nenhum deles se verificou incompetência absoluta o que, sem dúvida, se há-de dever a clareza da lei (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 06/11/2007, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 03/05/2011; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 25/05/2016; vide igualmente e a propósito de questão expropriativa o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 302/08, de 29/05/2008).
XIII. Acresce que, e conforme Vieira de Andrade em Direito Administrativo e Fiscal, 1995, p.11, o disposto no art. 214/3 do Constituição da República Portuguesa não estabeleceu uma reserva material absoluta dos tribunais administrativos pelo que "não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas, sendo certo que essas 'remissões' orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo por isso, incluir-se na margem de escolha politica e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo."
XIV. Por outro lado, e conforme considerou já o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 302/08 de 29/05/2008, mesmo que se considere que "o artigo 214°, n° 3 da Constituição atribui aos tribunais administrativos uma reserva material absoluta de jurisdição (que não sucede), ainda se terá de admitir que, em casos excepcionais, ditados por razões constitucionalmente relevantes, é possível atribuir a tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões de direito administrativo (cf., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n°s 607/95, D.R., II Série, de 15 de Março de 1996, e 746/96, citado). Assim, da alegada natureza administrativa do presente litígio, não resultaria, necessariamente, a inconstitucionalidade das normas em crise" sendo no caso evidente que a questão dos presentes autos (tal como no caso submetido a juízo constitucional) não pode ser vista de forma isolada e, por isso, meramente destacável da jurisdição comum, conquanto a norma prevista nos arts. 42° e 96° do CE refere-se ao mesmo Juiz que terá competência para o acto formal de transferência da propriedade e quantum indemnizatório, verificando se estão ou não reunidas as condições para ser constituída a arbitragem, sendo que, para além do mais, configuraria uma intolerável violação do disposto no art.3°, 13° e 20° da CRP bem sabendo a ordem jurídica que se exige nestes autos o que nunca se exigiu a mais nenhum interveniente judiciário ao longo dos últimos 15 anos em iguais circunstâncias (se nos reportarmos à decisão mais antiga aqui referida e que é o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 06/11/2007), numa acção (esta) apresentada em Junho de 2018, ou seja, há mais de 4 anos, o que belisca de modo manifestamente pernicioso, se mais não for, o princípio da tutela jurisdicional efectiva tal qual está explícita na CRP e fere de inconstitucionalidade a interpretação do Tribunal a quo do disposto nos arts. 42° e 96° do CE, tanto mais que em causa estará, no limite, uma questão de iuris constituendo e não de iuris constituto.
XV. De tudo quanto se expôs decorre que a competência para dirimir o litígio tal qual foi apresentado pela Recorrente no requerimento inicial foi expressamente excepcionado pelo Código de Expropriações da regra de que os litígios com entidades públicas caem no âmbito da jurisdição administrativa.
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com o seu entendimento a sentença recorrida viola, entre outras disposições, o disposto nos artigos 42°/2 e 96° do Código de Expropriações, nos artigos 1°, 29°/1 e 2, 33°, 79° e 145° da LOSJ e arts. 3°, 13 e 20° da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE
Deve o presente Recurso de revista ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogado o Acórdão Recorrido considerando-se o Tribunal Judicial da Comarca de Braga competente para julgar os presentes autos, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA!»

O requerido contra-alegou, pronunciando-se pela manutenção do decidido no acórdão em crise. Apresentou as conclusões seguintes:
«1.ª O processo expropriativo por utilidade pública configura uma relação jurídico-administrativa (e não jurídico-civilística), por se tratar de um verdadeiro procedimento administrativo, motivo pelo qual a definição e verificação da legalidade do acto ablativo da expropriação cabe em exclusivo aos Tribunais Administrativos, tudo isto em cumprimento último do disposto no artigo 212°/n° 3 da CRP, que estabelece uma reserva material da jurisdição dos Tribunais Administrativos.
2a A reserva material da jurisdição dos Tribunais Administrativos não é absoluta e é por isso que, por opção legislativa, a fase de arbitramento da indemnização por expropriação cabe aos Tribunais Judiciais; no entanto, só foi atribuída competência aos Tribunais Judiciais para determinar o montante da indemnização por expropriação.
3a As situações a enquadrar no artigo 42°/n° 3 do Código das Expropriações estão expressamente previstas na lei, conforme decorrer do n° 2 b) do mesmo normativo, e trata-se de situações raras que constituem uma excepção ao quadro normativo das expropriações, pois não existe declaração de utilidade pública.
4.ª Nas situações previstas para o artigo 42.º/n.º 3 do Código das Expropriações o que se exige ao Tribunal Comum é a validação ou não de uma dada situação que não obriga à aplicação de normas de direito administrativo.
5ª No caso do artigo 106° da Lei de 1961 (cuja aplicação analógica a Recorrente reclama) o Tribunal Comum efectua um juízo estritamente vinculado, de verificação de uma dada realidade, quase automático, pois o que se pede é para confirmar se a câmara municipal aprovou um projecto ou anteprojecto de uma via municipal que vai passar num terreno particular e em caso afirmativo avança a expropriação para a fixação da indemnização, ou seja, o Tribunal Comum não aplica normas de direita administrativo.
6a Em matéria de direito administrativo da expropriação o legislador só atribuiu ao Tribunal Comum competência para atribuir uma indemnização e nada mais, mas nos presentes autos o que está em causa é uma suposta má vontade do Município que indeferiu projectos, há um plano de pormenor nunca aprovado (logo, não é um plano) e há um novo RPDM, que define um uso e classificação que a Recorrente alega inviabilizar o seu direito à edificação e que o Município afirma não se verificar e agora surge um Plano de Urbanização que define um complexo sistema jurídico-legal de perequação, com aumento da capacidade construtiva, pagamento de compensações e construção de infra-estruturas pelo Município.
7a Nos presentes autos está em discussão uma questão de direito administrativo, totalmente regulada por leis de direito administrativo, e, por isso, constitucionalmente atribuída à jurisdição administrativa, tendo primeiro o Tribunal de apreciar se a Recorrente tem ou não direito a ser expropriada e cabe aos Tribunais Administrativos apreciar se este direito existe ou não, tal como bem decidiu o acórdão recorrido.
8a Na oposição defendeu-se que a aplicação analógica da lei de 1961 é um absurdo jurídico, uma vez que o quadro legal era totalmente diferente do de hoje, em que o legislador fixou um mecanismo processual específico para a tutela dos afectados por expropriações por plano, motivo pelo qual ainda que fosse de aceitar como válida a sua aplicação analógica só um Tribunal Administrativo pode apreciar tal questão.
9.ª Para a eventualidade de não se manter o acórdão recorrido, entende o Recorrido que se verifica um outro argumento que conduz à incompetência da jurisdição comum, a saber: a factualidade que suporta a pretensão da Recorrente configura o que se designa por "expropriações de carácter substancial" ou expropriação de sacrifício ou expropriação do plano e o legislador criou um regime excepcional para as expropriações do plano decorrentes de medidas preventivas, PDM (que é um regulamento administrativo) ou outros planos de ordenamento do território.
10ª Nas expropriações do plano o legislador fixou um regime próprio de arbitramento de indemnizações, o qual não confere aos proprietários o direito a requererem a expropriação do seu prédio (como pretende a Recorrente) e por este motivo entende o Recorrido que a factualidade invocada constitui causa de pedir de uma acção de indemnização.
11ª O argumento de que a Recorrente lançou mão do pedido de expropriação a coberto do artigo 42°/n° 3 do Código das Expropriações não é válido porque a Recorrente tem de sujeitar ao que dispõe a lei e tendo a lei criado um mecanismo especial para discutir os direitos de quem alega ser objecto de uma expropriação do plano é esse mecanismo que tem de ser aplicado.
12ª A Recorrente instaurou uma acção administrativa no TAF de Braga contra o Recorrido (proc. n° 2220/18....) na qual reclama uma indemnização ao abrigo do artigo 171° do RJ6IT por expropriação do plano e nestes autos reclama indemnização por expropriação do plano, ou seja, a Recorrente quer ser indemnizada pelo mesmo facto duas vezes.
13a Como a factualidade invocada pela Recorrente enquadra-se numa acção administrativa a intentar nos Tribunais Administrativos, ao abrigo do artigo 171° do RJIGT, não tendo direito a requerer a expropriação do seu prédio, o Tribunal Comum sempre seria incompetente em face do disposto nos artigos 171° do RJIGT, 193° do CPC e 42°/n° 3 do Código das Expropriações.
14° O entendimento de que o Tribunal Comum seria o competente com fundamento no artigo 42°/n°s. 2 b) e 3 e no artigo 96° do Código das Expropriações suporta-se numa interpretação das referidas normas que padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 212°/n° 3 da CRP na medida em que se está a subtrair aos Tribunais Administrativos uma causa que a CRP e o legislador lhe entregaram.
TERMOS EM QUE deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.»

Por despacho da Relatora no Supremo Tribunal de Justiça, foi convolado o recurso de revista em recurso para o Tribunal dos Conflitos e determinada a remessa dos autos para o Tribunal dos Conflitos.
Os autos foram remetidos ao Tribunal dos Conflitos.

3. Após vicissitudes que agora não relevam, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que se seguissem os termos previstos na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro. Note-se que, não obstante tratar-se de uma lei que entrou em vigor depois de proposta a acção, é aplicável ao presente recurso (cfr. respectivos artigos 23.º, n.º 2, e 24.º), uma vez que o acórdão recorrido foi proferido em 29 de Setembro de 2022 .
O Ministério Público proferiu parecer no sentido de ser atribuída competência à jurisdição administrativa, aderindo à fundamentação apresentada pelo acórdão recorrido.

4. Os factos relevantes constam do relatório.
Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar a acção, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Esta forma de delimitação recíproca obrigará a verificar se a presente acção está abrangida pela competência da jurisdição administrativa e fiscal. Naturalmente que prevalecerá uma lei especial que seja aplicável. Com se escreveu no acórdão do Tribunal de Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 020/18, os tribunais administrativos, “ não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]
Em qualquer caso, a competência afere-se pela lei vigente à data da propositura da acção – artigos 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário – e 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; tendo a presente acção sido instaurada em 9 de Julho de 2018, serão as versões dos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais vigentes à data que deverão ser tidas em conta, não podendo ser consideradas as que resultaram de alterações introduzidas pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro. Recorda-se que a Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, que alterou os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entrou em vigor em 11 de Novembro de 2019 e não regula a sua própria aplicação no tempo.
Resultando a competência de uma lei que especificamente contemple a matéria que estiver em causa, é igualmente a lei vigente à data da propositura da ação que releva.

5. Como uniformemente se tem observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção).
Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se observou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.
A mesma orientação se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, ww.dgsi.pt, processo n.º 1998/12.1TBMGR.C1.S1: “Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes, quer do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes”.
No caso dos autos, a autora alega que lhe assiste o direito de requerer a sua expropriação no que respeita a todas ou qualquer uma das parcelas identificadas nos artigos 16.º e 17.º da petição inicial, por aplicação analógica do disposto no artigo 106.º da Lei 2110, de 19 de agosto de 1961 (Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais), nos termos do artigo 96.º, ex vi art. 42.º, n.º 2, al. c), do Código de Expropriações, passando as funções da entidade expropriante a caber ao Juiz de Direito da Comarca da localização dos prédios.
Ora, para o efeito de determinar a competência do tribunal, em razão da matéria, releva, como se disse, o modo como a autora estruturou a causa, o conjunto pedido /causa de pedir que definiu; saber se tem ou não o direito à expropriação das parcelas de terreno que identifica e se o direito que invoca resulta (como alega) ou não da aplicação analógica do disposto no artigo 106.º da Lei 2110, segundo o qual “As câmaras municipais podem impedir a execução de quaisquer obras na faixa de terreno que, segundo o projecto ou anteprojecto aprovado, deva vir a ser ocupada por um troço novo de via municipal ou uma variante a algum troço de via existente. § 1.º No caso de o impedimento referido neste artigo durar mais de três anos, o proprietário da faixa interdita pode exigir indemnização pelos prejuízos directa e necessariamente resultantes de ela ter sido e continuar reservada para expropriações.§ 2.º Se o impedimento se prolongar por mais de cinco anos, o proprietário pode exigir que a expropriação se realize desde logo.”, respeita ao mérito da causa e não à determinação do tribunal competente.

6. Conforme dispõe o artigo 96.º do Código das Expropriações, “Nos casos em que, em consequência de disposição especial, o proprietário tem o direito de requerer a expropriação de bens próprios, não há lugar a declaração de utilidade pública, valendo como tal, para efeitos de contagem de prazos, o requerimento a que se refere o n.º 3 do artigo 42.º”. Refere-se a lei ao “requerimento do interessado”, pois depende de tal requerimento a aplicação dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo 42.º, segundo os quais “Compete à entidade expropriante, ainda que seja de direito privado, promover, perante si, a constituição e o funcionamento da arbitragem.” (n.º 1), resultando da al. c) do n.º 2 que “As funções da entidade expropriante referidas no número anterior passam a caber ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão em qualquer dos seguintes casos: (…) Se a lei conferir ao interessado o direito de requerer a expropriação de bens próprios”.
Ora a autora pede, como se viu já, que o tribunal reconheça que tem direito à expropriação de todas ou de parte das parcelas de terreno que identifica e “a constituição da arbitragem e demais tramitação legal nos termos previstos nos artigos 42.º, n.º 1”. Como causa de pedir, sustenta que tentou, durante 11 anos, beneficiar da edificabilidade que os instrumentos de gestão territorial vigentes lhe conferiam, mas que todos os pedidos de licenciamento que apresentou foram indeferidos, sendo as parcelas de que é proprietária oneradas com verdadeiros vínculos de inedificabilidade e reservadas para posterior aquisição municipal
Como se acabou de recordar, segundo o art. 96.º do Código das Expropriações, nos casos em que, em consequência de disposição especial, o proprietário tem o direito de requerer a expropriação de bens próprios, não há lugar a declaração de utilidade pública, valendo como tal o requerimento a que se refere o art. 42.º, n.º 3, para efeitos de contagem de prazos. Não se pode dizer que o reconhecimento por um tribunal de que o proprietário tem direito a ser expropriado equivalha verdadeiramente a uma declaração por utilidade pública, para daí concluir que compete aos tribunais administrativos conhecer da acção destinada a obter aquele reconhecimento. Esse reconhecimento – que se destina a proteger o interesse do proprietário, enquanto a declaração de utilidade pública tem por finalidade, aliás espelhada na sua designação, o interesse público – é um pressuposto do pedido de constituição e funcionamento da arbitragem, que é na realidade o principal efeito prático-jurídico a que a presente acção tende. Não há paralelismo entre a intervenção de um tribunal administrativo para conhecer de uma eventual impugnação de uma declaração de utilidade pública e o reconhecimento judicial do direito a requerer a expropriação, para o efeito de saber qual seria o tribunal competente.
Não havendo lugar a declaração de utilidade pública, a coberto da excecionalidade contida na al. c) do n.º 2 do mencionado art. 42.º do Código das Expropriações, são expressamente atribuídas ao juiz de direito da comarca do local da situação do bem ou da sua maior extensão, as funções da entidade expropriante, a quem compete, enquanto tal, promover, perante si, a constituição e o funcionamento da arbitragem.
Cabendo ao tribunal de comarca promover a constituição e funcionamento da arbitragem quando a lei conferir ao interessado o direito de requerer a expropriação de bens próprios, não pode deixar de lhe competir o conhecimento desse direito, nos termos do art. 96.º do Código das Expropriações, por referência ao art. 42.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma.
Escreveu-se no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2023, proc. n.º 2460/20.4TBRG-A.G1.S1, cujo sumário se encontra em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos (“O procedimento expropriativo a que alude o art. 96.º do CExp, sob a epígrafe – “expropriação requerida pelo proprietário” – deve ser requerido perante o juiz de direito do local da situação dos bens, não sendo matéria da competência dos tribunais administrativos.”) e que se encontra junto aos autos: “Não havendo no procedimento previsto no art. 96.º do CE uma fase administrativa, não intervindo o órgão da Administração investido de autoridade de ´jus imperium´, nem na prossecução de um interesse público, não há motivo para deferir a competência ao foro administrativo, devendo o requerimento ser apresentado no tribunal comum, como decidiram as instâncias”.

7. O Município de Braga sustenta, nas suas alegações, que “o entendimento de que o Tribunal Comum seria o competente sempre seria suportado em interpretação do artigo 42.º/n.ºs 2b) e 3 do artigo 96.º do Código das Expropriações que padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 212.º/n.º 3 da CRP. (…) A violação do artigo 212.º/n.º 3 da CRP ocorre na medida em que, a propósito da sobredita interpretação dos artigos 42.º/n.º. 2b) e 3 e 69.º do Código das Expropriações, subtraiu-se aos Tribunais Administrativos uma causa que a CRP e o legislador lhe entregaram”.
Esta alegação de inconstitucionalidade vem ligada à afirmação de que ”a factualidade invocada pela Recorrente constitui causa de pedir de uma acção de indemnização, e não de uma expropriação a pedido (…) A factualidade invocada pela Recorrente enquadra-se numa acção administrativa a intentar nos tribunais Administrativos, ao abrigo do artigo 171.º do RJIGT, não tendo esta direito a requerer a indemnização [expropriação] do seu prédio, porquanto o legislador fixou outro meio processual de tutela dos seus interesses”.
Não foi esse, todavia, o pedido formulado pela autora, e é à luz do pedido apresentado que se determina a competência do tribunal. Para além disso, mesmo concedendo que estivesse em causa nesta acção uma “relação jurídica administrativa” (cfr. n.º 3 do artigo 212.º da Constituição) – o que apenas se concede para efeitos de raciocínio, por não estar em causa a prossecução do interesse público, como se explicita no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2023 –, ainda assim deveria recorda-se que, como escreve Vieira de Andrade em A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 100, a propósito do «alcance da reserva constitucional da justiça administrativa” (loc. cit., pág. 97), ou seja, da interpretação do n.º 3 do artigo 212.º da Constituição, “onde se diz que ‘compete aos tribunais administrativos [e fiscais] o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergente das relações administrativas [e fiscais]’» e, especificamente, da questão de “saber se aí se consagra uma reserva material absoluta de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos», na perspectiva de determinar se os tribunais administrativos “poderão julgar tais questões”, “A posição mais razoável, entretanto sufragada pelo STA, pelo Tribunal dos Conflitos e pelo Tribunal Constitucional parece ser (…) a que não lê o referido preceito constitucional como um imperativo estrito, mas (…) como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do modelo”.
A atribuição aos tribunais judiciais de competências muito significativas em matéria de expropriações por utilidade pública é, aliás, um exemplo desses desvios. Recorda-se, apenas a título de exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 302/2008, de 29 de Maio de 2008, que se escolhe porque apreciou a apreciação da conformidade constitucional “da norma do artigo 13.º, n.º 4, do Código das Expropriações, interpretado no sentido de atribuir competência aos tribunais comuns para declararem a caducidade da declaração de utilidade pública”:
“No caso sub judicio, está em causa a competência dos tribunais para declararem a caducidade de uma “declaração de utilidade pública”. Esta declaração constitui, como se sabe, o “acto constitutivo da expropriação” (Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, p. 114), corporizando-se, qua tale, como uma manifestação de autoridade dos poderes públicos regida pelo direito administrativo, o que assume um significado particular no que concerne à coloração jurídica do instituto da “caducidade” (…). Contudo, não pode olvidar-se que a verificação da caducidade da declaração de utilidade pública também acaba por assumir relevo no que concerne à possibilidade da intervenção judicial dos tribunais comuns no âmbito do controlo que estes exercem sobre o processo expropriativo, designadamente quanto aos prazos a que aquele se encontra sujeito.
(…) Como se disse na decisão recorrida, “o pronunciamento dos Tribunais comuns à luz da previsão do nº 4 do artigo 13º do Código das Expropriações é o de apenas verificar se a entidade expropriante promoveu, ou não, a constituição de arbitragem no prazo de 1 ano ou, não tendo o processo sido remetido ao Tribunal competente se a promoveu no prazo de 18 meses – nº 3 do artigo 13º do Código das Expropriações”.
Não sendo questionável a intervenção dos tribunais comuns no desenrolar do processo expropriativo e a sua competência para outorgar o acto formal de transferência da propriedade dos bens expropriados, bem como para determinar o quantum da justa indemnização, construída normativamente essencialmente com referência a critérios de direito privado e de economia de mercado (cf. art.ºs 23.º e segs. do Código das Expropriações - Lei n.º 168/99, de 18-09), compreender-se-á que a sua intervenção possa demandar uma actividade direccionada a sindicar a regularidade formal dos actos do procedimento expropriativo (Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, pp. 114-5), principaliter quanto àqueles que são pressupostos inarredáveis da decisão judicial.
Ora, é nesta dimensão que se aceita que os tribunais comuns possam, sem preterição dos princípios constitucionais, declarar a caducidade da declaração de utilidade pública, apurando se a constituição da arbitragem ou a remessa do processo ao tribunal ocorreram nos prazos legalmente estabelecidos, dado que, nesse caso, acaba por estar em causa a mera verificação de um requisito formal que se tem por necessário para o prosseguimento dos autos nos tribunais comuns e para a decisão que deles é esperada: a adjudicação ao expropriante do direito expropriado e a atribuição da justa indemnização.
Ou seja, se esta intervenção dos tribunais comuns no âmbito de um processo de expropriação surge como materialmente justificada, igual juízo poderá fazer-se quando estão em causa questões, como a presente, que se assumem como pressupostos dessa mesma intervenção, e isto porque a referida declaração de caducidade acaba por consubstanciar ou traduzir-se na extinção do direito de acção a exercer junto desses tribunais.
Por esse motivo, pode concluir-se que os referidos parâmetros constitucionais não impedem que o legislador ordinário opte pela intervenção dos tribunais comuns quanto à declaração de caducidade da declaração de utilidade pública.”
Improcede a inconstitucionalidade suscitada.

8. Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e decide-se que a apreciação da acção presente cabe aos tribunais Judiciais, nos termos do disposto no artigo 96.º do Código das Expropriações, por referência ao artigo 42.º, n.º 2, al. c), do mesmo diploma.


Concretamente, e de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 14.º da Lei n.º 91/2019, ao Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (artigos 80.º, n.º 1, 81.º, n.ºs 1 e 3, b), 130.º, n.º 1 e 117.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 e Agosto e 42.º, n.º 2 do Código das Expropriações).


Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).

Lisboa, 5 de Julho de 2023. - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (Relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.