Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:041/14
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS. FORNECIMENTO DE ÁGUA. COBRANÇA COERCIVA.
Sumário:Compete aos tribunais tributários apreciar os litígios relativos a contratos celebrados entre uma empresa concessionária do serviço público de fornecimento de água ao domicílio e os respectivos utilizadores finais.
Nº Convencional:JSTA000P18218
Nº do Documento:SAC20141113041
Data de Entrada:07/17/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL E O TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES (1º JUÍZO CÍVEL) - AUTOR : Z........ - RÉU: X........
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
1. Relatório

1. 1. O Balcão Nacional de Injunções remeteu para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel um requerimento de injunção em que era requerente Z…..........…. SA e requerido X......………., alegando ter prestado serviços de fornecimento de água ao requerido e que este não pagou, remontando os mesmos à quantia total de 85,90 euros, a que acrescem juros de mora à taxa legal e encargos extra - judiciais.

1.2. No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi proferida decisão, em 6 de Junho de 2013, considerando o Tribunal materialmente incompetente para conhecer a presente acção.

1.3. A Z……....… S.A. na sequência do aludido despacho veio requerer, nos termos do art. 14º, 2 do CPTA, a remessa do processo para o tribunal territorialmente competente.

1.4. O processo foi remetido para o Tribunal Judicial de Paredes que, por despacho de 17-10-2013 também se declarou incompetente em razão da matéria.

1.5. Por despacho de 3-7-2014 foi proferido despacho nos seguintes termos:

“Nos termos do previsto no art. 111º do Código de Processo Civil, quando o Tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir. O processo de resolução de conflitos tem carácter urgente, correndo nos próprios autos quando seja negativo. Certifique a secção de processos nos autos a data do trânsito em julgado da decisão proferida nos autos. E após remeta os autos ao Tribunal da Relação do Porto, em ordem à resolução do conflito”

1.6. O processo foi remetido à Relação do Porto, tendo posteriormente sido remetido a este Tribunal de Conflitos, por ser o competente para resolver o conflito.

1.7. Neste Tribunal o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser atribuída a competência aos tribunais tributários de acordo com a jurisprudência consolidada do Tribunal de Conflitos.

1.8. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais relevantes são os seguintes:

a) A Autora pede a condenação do Réu ao pagamento da quantia de € 85,90 acrescida dos respectivos juros e encargos extra judiciais, decorrente da falta de pagamento dos sérvios de fornecimento de água e/ou drenagem de águas residuais, documentados nas facturas de 1-10-2012, 2-11-2012 e 3-12-2012.

b) A autora requereu esse pagamento junto do Balcão Nacional das Injunções e após oposição do requerido remeteu o requerimento para o TAF de Penafiel.

c) O juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel declarou a incompetência material daquele tribunal, tendo a decisão transitado em julgado.

d) O Juiz do Tribunal Judicial de Paredes também se declarou incompetente em razão da matéria, tendo a respectiva decisão transitado em julgado.

2.2. Matéria de direito

2.2.1. Havendo duas decisões transitadas em julgado declinando a sua competência surge um conflito negativo de competência. No presente caso estamos perante um conflito de jurisdição uma vez que os tribunais em conflito negativo pertencem a ordens jurisdicionais distintas (cfr. art. 109º, 1 do CPC). Nestes casos é este Tribunal de Conflitos o competente para resolver o conflito (art. 110º, 1 do CPC).

2.2.2. A questão que originou o presente conflito não é nova. Este Tribunal de Conflitos tem vindo a decidir diversos casos de contornos essencialmente iguais aos do presente – cfr. acórdãos de 25/06/2013, Processo n.º 033/13; 26.9.2013, Processo n.º 030/13; 05/11/2013, Processo n.º 039/13; 18/12/2013, processos n.º 038/13 e n.º 053/13.

Trata-se de casos que são iniciados através do Balcão Nacional de Injunções, sendo, depois, distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias. As incidências específicas de cada um, como, por exemplo, o teor das contestações deduzidas pelos aí requeridos, não são decisivas para a determinação da competência. Com efeito, devendo a competência ser apreciada em função da causa de pedir e pedido, tem-se observado fundamental identidade, pois os processos têm respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água.

Em todos aqueles casos foram julgados competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes os tribunais tributários.

Não se vislumbra razão para alterar aquele posicionamento.

E também se afigura suficiente a fundamentação que tem sido avançada para esse entendimento, totalmente transponível para o presente caso.

Nesta circunstância, transcreve-se parcialmente a fundamentação apresentada no supra referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere:

“(…)

Resulta do artigo 211.º, n.º1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.º do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212.º, nº 3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei n.º 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.), embora em termos meramente exemplificativos.

Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.

Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.

Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.

Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida entre 2006 e 2008, consoante contrato de fornecimento assinado pelo legal representante da 1º R, em Agosto/2006, água que consumiram, pois tiveram-na no prédio e puderam usá-la na limpeza das partes comuns ou noutro tipo de utilização que lhe quiseram dar. E sustenta-se em facturas que lhes foram enviadas para o local solicitado pelos requeridos, onde se menciona os montantes respeitantes ao consumo de água, a que acresce um valor respeitante a “preço fixo”.

A esta posição da requerente A........ contrapôs a requerida B………., para além da prescrição de parte da dívida, que efectivamente procedeu à construção de 4 pavilhões na Zona ………….., em regime de propriedade horizontal, tendo sido, por imposição da A, colocado um contador totalizador com o fim último de controlar as percas de água depois de apurada a soma dos contadores instalados em cada pavilhão. No entanto, não existindo qualquer ponto de água para as partes comuns, tal contador totalizador não pode representar quaisquer consumos de que tenha beneficiado.

Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador totalizador e das normas que o regem.

Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.

Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:

a) Sistemas municipais de abastecimento de água;

b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;

c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.

No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8º).

E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.

Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”.

Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o artº 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.

Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.

Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.

Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.

Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que:

“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº2/ 2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.

Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF.

(…)”

Deste modo e de acordo com o referido entendimento, totalmente transponível para o presente caso, deve resolver-se o presente conflito atribuindo a competência aos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários.

3. Decisão

Face ao exposto resolve-se o presente conflito negativo de competência declarando-se competentes os tribunais tributários para conhecer da presente acção.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014. – António Bento São Pedro (relator) – Orlando Viegas Martins Afonso – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Manuel Joaquim Braz.