Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:013/06
Data do Acordão:06/20/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:VASCONCELOS CAMEIRA
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO.
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
Sumário:Competente para conhecer de impugnação de um despacho do director do Instituto de Segurança Social, que indeferiu pedido de apoio judiciário feito para intentar acção administrativa, é o tribunal administrativo e não o tribunal judicial, nos termos do artº 28º da Lei nº34/2004, de 29 de Julho, interpretado extensivamente.
Nº Convencional:JSTA00063284
Nº do Documento:SAC20060620013
Data de Entrada:05/04/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 7 JUÍZO CÍVEL DA COMARCA DE LISBOA (3ª SECÇÃO) E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TAF LISBOA - TJ LISBOA.
Decisão:DECL COMPETENTE TAF LISBOA.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:L 34/2004 DE 2004/07/29 ART28.
CCIV66 ART9.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC05B1248 DE 2005/09/22.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:

1. A… impugnou judicialmente a decisão do Instituto de Segurança Social que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário ali formulado para intentar acção administrativa.
Distribuído o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, foi aí proferida em 17.10.05 decisão a declarar o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação e a ordenar o envio dos autos para os Juízos Cíveis da mesma comarca, nos termos do art.° 28°, n°s 1 a 3, da Lei 34/04, de 29/7 (Lei do Apoio Judiciário — LAJ).
Distribuído o processo ao 7º Juízo cível, também este Tribunal se declarou por decisão de 28.10.05 incompetente em razão da matéria para apreciar a impugnação, considerando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal.
Tendo ambas as decisões transitado em julgado, gerou-se assim um conflito negativo de jurisdição cuja resolução nos é pedida pela Exa. magistrada do MP junto do Supremo Tribunal Administrativo.
2. O art.° 28° da Lei do Apoio Judiciário dispõe que:
“1. É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2. Nas comarcas onde existam tribunais judiciais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
3. Se o tribunal se considerar incompetente, remete para aquele que deva conhecer da impugnação e notifica o interessado.
4. Recebida a impugnação, esta é distribuída, quando for caso disso, e imediatamente conclusa ao juiz que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade”.
No entendimento do TAF 2, muito embora o pedido de apoio judiciário se destinasse, no caso em apreço, a intentar uma acção administrativa, a aplicação analógica do preceito transcrito, por forma a inscrever na jurisdição administrativa e fiscal a competência para decidir a impugnação, não é viável porque está em causa uma situação de competência jurisdicional, na qual a lei teve em vista, apenas, o tribunal judicial de 1ª instância (art.° 62°, n° 1, da Lei 3/99, de 13/1 — LOTJ).
O magistrado do 7° juízo cível, diversamente, sustenta que o n° 2 do citado art.° 28° da LAJ impõe a apreciação da impugnação pelo tribunal materialmente competente para a decisão da causa em relação à qual foi peticionado o apoio judiciário, conclusão esta que ainda mais evidente se torna quando, como aqui sucede, aquela causa já se encontra pendente.
Interpretada à letra, a norma em apreço aponta no sentido que foi acolhido na decisão do TAF 2: porque a lei não distingue, com efeito, os casos em que a decisão impugnada respeita a pedidos de apoio judiciário que visam procedimentos da competência de órgãos jurisdicionais integrados em ordens diferentes da ordem judicial, é lícito entender-se que também o intérprete não deverá distinguir, por estar clara e inequivocamente expresso o pensamento legislativo; e assim, falando a lei somente em tribunais judiciais, a estes estaria cometida a competência material para apreciar todas as impugnações de decisões administrativas relativas à concessão de protecção jurídica, independentemente do facto de esta ser solicitada para causas da competência de tribunais integrados noutras ordens (nomeadamente a ordem administrativa e fiscal, a ordem constitucional e a ordem de fiscalização das contas públicas).
Só que a interpretação não deve nunca cingir-se à letra da lei; há que tomar em conta, no seu conjunto, os restantes elementos a que alude o art.° 9º, n° 1, do Código Civil, sem perder de vista, por um lado, que não pode ser considerado um pensamento legislativo sem um mínimo de correspondência verbal no texto da lei, mesmo que imperfeitamente expresso, e, por outro lado, que na fixação do sentido e alcance desta deverá o intérprete presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada, exprimindo adequadamente o seu pensamento.
Ora, a ponderação destes cânones interpretativos leva-nos à conclusão de que está perfeitamente correcto o entendimento expresso pelo magistrado do 7° juízo cível de Lisboa.
Na verdade, como se observou num acórdão do STJ de 22.9.05 (P° 05B 1248), importa não esquecer que a circunstância de o apoio judiciário ter deixado de ser um incidente do processo não fez desaparecer as várias razões de peso que aconselham o tratamento conjunto dessa questão com a questão principal (o litígio propriamente dito) debatida no processo. Avulta entre elas a apertada conexão que inegavelmente existe entre a acção pendente ou a intentar e o incidente administrativo respeitante à concessão de protecção jurídica. Por isso faz todo o sentido pensar-se que, havendo nova jurisdicionalização da questão do apoio judiciário por força do recurso interposto, o legislador não deixou de querer, como dantes já queria, o tratamento de tudo — questão “incidental” e questão “principal” — pelo mesmo julgador. E é isto mesmo o que está consagrado no n° 2 do art.° 28° da LAJ, embora, literalmente, só para aqueles casos em que o apoio judiciário requerido se destina a acção da competência de tribunais inseridos na ordem judicial, na jurisdição comum. Como resulta do exposto, contudo, a ratio legis do preceito vale com a mesma força persuasiva para as outras situações a que nos referimos, ou seja, para os casos em que a acção é da competência duma ordem diferente da ordem judicial. Em boa verdade, tudo leva a crer que o legislador pretendeu estabelecer regimes idênticos, e não opostos, para a jurisdição comum e para as outras ordens jurisdicionais. Seria aliás contraditório, como se pondera no aresto do STJ já citado, “invocar a separação das jurisdições para consagrar uma solução em que uma delas fica a decidir o que, em termos substanciais, é um incidente de uma outra”. Tem plena justificação, assim, interpretando-se extensivamente a norma jurídica em questão, dizer que as regras de competência ali fixadas se reportam não só à jurisdição comum, mas também à jurisdição administrativa e fiscal; é um entendimento que, não sendo repelido pela letra do preceito, está nitidamente enquadrado no seu espírito, tornando desnecessário o recurso à analogia.
3. Nestes termos, acorda-se em declarar competente para conhecer o recurso de apoio judiciário a que os autos se referem a jurisdição administrativa e fiscal.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Junho de 2006. Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira (relator) – Fernando Manuel Azevedo Moreira – Rosendo Dias José – António Bento São Pedro – António A. Moreira Alves Velho – Camilo Moreira Camilo.