Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:064/19
Data do Acordão:11/03/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26672
Nº do Documento:SAC20201103064
Data de Entrada:12/19/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO SEIXAL - JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA – U.O. 1
RECORRENTE: A............, LDA.
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 64/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos
1. Relatório
A…………, Lda., com sede na Rua ………, N.º ……, 2840-…… Torre da Marinha, é arguida em processo de contra-ordenação, por manter na fachada do estabelecimento um alpendre com, aproximadamente, 15m de comprimento x 0,70 de altura x 1,20m de profundidade, a ocupar o espaço público, sem a respectiva licença municipal para o ano de 2015.
Por Decisão do Presidente da Câmara Municipal do Seixal, de 11.02.2019, foi a arguida condenada pela prática de contra-ordenação por infracção ao disposto no artigo 3°, n.º 1 e artigo 10° do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (Aviso nº 2411-B/2005, publicado no Diário da República n.º 72, II Série, de 13 de Abril de 2005) no pagamento de uma coima no montante de 505,00€ - cfr. fls. 42 a 46 dos autos.
A arguida interpôs, em 09.04.2019, impugnação judicial dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nos termos do artigo 59° do DL n° 433/82, de 27/10 - cfr. fls. 65 a 86 dos autos.
Remetidos os autos ao Ministério Público do Tribunal da Comarca de Lisboa - Instância Local Criminal do Seixal foi, por despacho de 14.05.2019 do Magistrado do MP, determinada a sua remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada por o Tribunal do Seixal ser materialmente incompetente.
Em 22.05.2019 a Procuradora da República do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada ordenou a devolução dos autos à Procuradoria do Juízo Local Criminal do Seixal por a apreciação da impugnação daquela decisão da Câmara Municipal do Seixal não estar atribuída aos Tribunais da Jurisdição Administrativa mas aos Tribunais da Jurisdição Comum.
Em 07.06.2019, o Ministério Público deu entrada em juízo, na Instância Local Criminal do Seixal, do processo contra-ordenacional, instruído com a referida impugnação judicial de contra-ordenação, nos termos constantes de fls. 125 dos autos, aqui dados por integralmente reproduzidos.
Em 11.06.2019, o Juízo Local Criminal do Seixal declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciação do recurso de contra­ordenação, face ao disposto no art. 4°, nº 1, al. l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), considerando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - cfr. fls. 128 a 132.
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Almada - cfr. fls. 137.
Por despacho de 19.09.2019, a fls. 138 a 141, o TAF de Almada julgou-se incompetente para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional, declarando ser competente o Juízo Local Criminal do Seixal.
Transitada esta decisão, a Juíza do TAF de Almada suscitou o conflito negativo de jurisdição entre aquele Tribunal e o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal do Seixal - cfr. fls. 168.
Remetido o processo a este Tribunal dos Conflitos a Exmª. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 155 a 161, no sentido de que a competência para julgar a impugnação judicial da decisão punitiva em causa deverá ser atribuída ao Tribunal Criminal da Comarca do Seixal.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo Local Criminal do Seixal da Comarca de Lisboa e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pela arguida, na Câmara Municipal do Seixal em 9.04.2019 e remetida pelo Ministério Público ao tribunal em 07.06.2019, respeitante à aplicação de uma coima por violação do disposto nos arts. 3°, nº 1 e 10º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal.
Entendeu o Juízo Local Criminal do Seixal que, face ao disposto na nova redacção do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF, dada pelo DL n° 214-G/2015, de 2.10 e que entrou em vigor em 1.9.2016, "compete à jurisdição administrativa e fiscal conhecer da impugnação judicial em matéria de contraordenação por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, a qual se fica a dever precisamente à intenção legislativa expressa de "fazer corresponder o âmbito da jurisdição administrativa aos litígios de natureza administrativa". E que, no caso concreto, "estamos perante a violação de normas regulamentares municipais que se inserem no âmbito de operações urbanísticas, conforme definição prevista no artigo 2.°, alínea j), do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pelo que a competência para decidir o presente recurso de impugnação judicial de decisão administrativa pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal".
Remetido o processo ao TAF de Almada este, por sua vez, considerou-se incompetente em razão da matéria, por entender que "O legislador do ETAF ao alargar, em 2015, o âmbito das competências dos Tribunais Administrativos e Fiscais assumiu como revestindo de natureza administrativa os litígios sobre os ilícitos de mera ordenação social apenas as impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo, não tendo tomado a opção de remeter em bloco para os tribunais administrativos de todo este tipo de litígios." E, no seguimento do decidido no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 23/18, considerou que na acepção da alínea l), do n.º 1 do art. 4° do ETAF devem ser incluídas as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos, ficando excluídas todas as impugnações contenciosas relativas às demais matérias em sede de ilícito de mera ordenação social.
Para concluir que, no caso sub judice, uma decisão sancionatória [por ocupação do espaço público, sem a respetiva licença, o que configura a prática de contraordenação, por violação do disposto nos art.ºs 3.°, n.º 1 e 10.° do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal], não está incluída no âmbito do artigo 4.°, n.º 1, al. I), do ETAF.
Dispõe o art. 4°, n.º 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 2/10, que:
"1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(...)
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;"
Nos termos deste normativo e na redacção em vigor para o caso, o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Como se expendeu no Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18, no qual estava em causa um concurso de infracções relativo à violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, quanto à opção legislativa relativa àquela alínea l) do n.º 1 do art. 4° do ETAF:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.° do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»

O Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (Aviso n.º 2411-B/2005, publicado no DR, II Série, n.º 72, de 13/4) define as regras de ocupação e exploração do espaço público no Município do Seixal e "visa, deste modo, contribuir-se para um melhor ordenamento e qualidade do espaço público e, ao mesmo tempo, satisfazer as exigências cada vez maiores dos cidadãos na melhoria da sua qualidade de vida" (cfr. Preâmbulo do Aviso n.º 6761/2003, publicado no DR, II Série, n.º 197, de 27/8).

Explica o n° 2 do art. 1° que são espaços públicos: as áreas do domínio público ou privado municipal destinadas à circulação pedonal e de veículos, à instalação de infra-estruturas, a espaços verdes e de lazer, a equipamentos de utilização colectiva e a estacionamento, prevendo o art. 3° que a sua ocupação depende de prévia licença da Câmara Municipal e do pagamento das taxas.
Por sua vez o art. 10° prescreve que: "Sem prejuízo do n.º 1 do artigo 4.º, o requerimento para a obtenção da licença de ocupação do espaço público com toldos, alpendres e sanefas deve ser acompanhado de fotografia, desenho e respectiva memória descritiva com indicações das dimensões, materiais e cores pretendidas.", sendo que "A ocupação do espaço público sem alvará de licença válido, ou em desconformidade com as condições nele fixadas constitui contra-ordenação punível com coima de montante variável entre 0,5 e 5 vezes o salário mínimo nacional (SMN) (n.º 1 do art. 21°).

O direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos públicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (cfr. neste sentido o Ac. deste Tribunal de 21.03.2019, Proc. n.º 037/18).
Ora, a colocação de "alpendre" ou "sanefa" na fachada do estabelecimento sem a respectiva licença municipal, constitutiva da contraordenação por violação do art. 3°, n.º 1 e 10° do Regulamento, não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a regulação da utilização do espaço público do Município do Seixal. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, n.º 1, al. l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos (cfr., em situação idêntica à presente, o Ac. de 19.06.2019, Proc. 10/19).
Pelo exposto, acordam em julgar que a competência para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal do Seixal.
Sem custas.
Lisboa, 03 de Novembro de 2020. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.
A presente decisão foi adoptada por unanimidade pela Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (Relatora) e pela Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza e vai assinada apenas pela relatora, com o assentimento (voto de conformidade) da Senhora Conselheira Adjunta, de harmonia com o disposto no artigo 15°-A do D L nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo D L nº 20/2020, de 1 de Maio.
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa