Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:030/15
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:CONCESSIONÁRIA
AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário:A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada em circulação na mesma de um animal, por alegada omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão.
Nº Convencional:JSTA000P19530
Nº do Documento:SAC20151015030
Data de Entrada:06/19/2015
Recorrente:O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE VIANA DO CASTELO, INSTÂNCIA LOCAL DE PONTE DE LIMA, SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA J1 E O TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 30/15

Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1. O digno magistrado do Ministério Público vem requerer a resolução de conflito negativo de jurisdição suscitado entre a Comarca de Viana do Castelo – Instância Local de Ponte de Lima, Secção de Competência Genérica J1 e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«1.º
A…………… SA, intentou Acção Declarativa de condenação sob a forma sumaríssima contra B……………., SA, alegando que no dia 3.2.2013, pelas 15h10, o veículo ………., sua propriedade e na altura conduzido por C………., sofreu um acidente de viação, consubstanciado no facto do mesmo ter embatido numa raposa que surgiu inopinadamente na via, quando circulava na Auto-estrada A3, ao K61, no sentido N/S.
2.º
Pede a condenação daquela B…………, S.A. ao pagamento da quantia de 2.2225,94 Euros, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
3.º O fundamento da pretensão reconduz-se à responsabilidade civil da Ré pelos danos causados no seu referido veículo por ausência de vigilância na dita via que se encontra a seu cargo, o que determinou o aumento do perigo
na circulação rodoviária.

4.º
A Comarca de Viana do Castelo - Instância Local de Ponte de Lima - Secção de Competência Genérica J1 julgou-se incompetente em razão da matéria e absolveu a Ré da instância com o fundamento de que são competentes para conhecer do litígio em causa, tal como a Autora o formula na petição inicial, os tribunais da ordem administrativa.
5.º
Por sua vez, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou-se igualmente incompetente em razão da matéria e absolveu igualmente a Ré da instância com o fundamento de que o litígio em causa não envolve uma relação jurídica disciplinada por normas de direito administrativo e que para a resolução do mesmo são competentes os tribunais judiciais.
6.º
As duas decisões transitaram em julgado.
7.º
Está, pois, criado o conflito negativo de jurisdição cuja resolução se requer».

2.1. Os elementos juntos aos autos confirmam toda a descrição dos factos indicada no requerimento inicial.

2.2. Este Tribunal dos Conflitos tem tido que decidir conflitos de jurisdição com os mesmos contornos essenciais do presente.
Nos casos mais recentes, tem este Tribunal vindo a seguir, de forma reiterada, o entendimento de que «A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e circulação na mesma de um animal, derivada da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão» – do sumário do acórdão de 07.5.2015, processo 5/15; também, por exemplo, os acórdãos de 29.7.2015, processo 21/15, 07.5.2015, processo 10/15, 12.3.2015, processo 49/14 e 25.2.2015, processo 11/15.
Nesse último, estava em discussão uma acção de responsabilidade, tendo por base factual prejuízos sofridos também por colisão de veículo com uma raposa que surgiu imprevistamente na via, na circunstância, na auto-estrada A/7.
Disse-se, então:
«Neste conflito de jurisdição está em causa a questão de competência em razão da matéria de um tribunal para conhecer de um concreto litígio, pelo que há que tomar em conta a forma como os autores configuram a acção na dupla vertente do pedido e da causa de pedir.
Para isso, temos de analisar a forma como a autora na sua petição inicial configurou aqueles elementos da acção.
A autora na sua petição inicial configura a presente acção como de responsabilidade civil extracontratual, por violação de deveres legais – decorrentes do contrato de concessão de serviço público – por parte da ré, deveres esses tendentes a evitar danos à segurada da ré, tendo a autora o seu direito de indemnização derivado da sub-rogação prevista no art. 592º do Cód. Civil.
Decorre dos arts. 64º do Cód. de Proc. Civil […] a regra da competência em razão da matéria dos tribunais judiciais que consiste na competência residual, ou seja, a de que são da competência daqueles tribunais, as causas que não forem legalmente atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Desta forma, para conhecer do presente litígio será competente o tribunal comum, se a lei não tiver atribuído a competência a outra ordem de tribunais, e no caso, e em especial, aos tribunais administrativos.
A competência destes está hoje fixada no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, (ETAF) aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro.
Segundo o seu art. 4º, nº 1 alínea g), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.
Por seu lado, a alínea i) do nº 1 do mesmo art. 4º do ETAF estipula que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
A responsabilidade atribuída à ré pela autora, como dissemos já, radica na omissão por parte da ré dos seus deveres emergentes do contrato de concessão celebrado com o Estado […].
Além disso, o art. 1º, nº 5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31/12 – prescreve que as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prorrogativas de poder político ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Estando hoje a responsabilidade extracontratual do Estado e demais entes públicos regulada naquele diploma legal, fica a ré equiparada a um ente público, para os fins do disposto na referida alínea i).
Por outro lado, aqui a ré está demandada por omissão praticada pela mesma no âmbito de um contrato de concessão de obras públicas ou de serviço público, pelo que está a ser demandada por actividade regulada por normas de direito administrativo.
[…]
Desta forma a competência material para conhecer do presente litígio está atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Desta forma fica afastada a competência dos tribunais comuns».

Mutatis mutandis, mudando, designadamente, o que respeita ao diploma que estabeleceu as bases da concessão, que aqui é o que tem a redacção dada pelo DL n.º 247-C/2008, de 30.12, o entendimento sufragado no acórdão acabado de citar, bem como nos demais indicados, é o que ora se deve reafirmar.

3. Pelo exposto, julgam-se competentes para a acção os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

Lisboa, 15 de Outubro de 2015. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – João Moreira CamiloAna Paula Soares Leite Martins PortelaRaul Eduardo do Vale Raposo BorgesMaria do Céu Dias Rosa das NevesErnesto António Garcia Calejo.