Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:021/19
Data do Acordão:11/07/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E DE DRENAGEM ÁGUAS RESIDUAIS
DIREITO PÚBLICO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL
TRIBUNAIS FISCAIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25142
Nº do Documento:SAC20191107021
Data de Entrada:03/28/2019
Recorrente:A............. - ASSOCIAÇÃO DE UTILIZADORES DO SISTEMA DE ÁGUAS RESIDUAIS DE ....... , NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM - JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE SANTARÉM - JUIZ 4 - E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
A Autora, A………… – Associação de Utilizadores do Sistema de Tratamento de Águas Residuais de ……………, intentou procedimento de injunção, convertido em acção comum, contra B……….., Ldª, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 58.591,81€, acrescida da quantia de 2.918.47€ relativa a juros de mora e da quantia de 153,000€ relativa a taxas de justiça, com fundamento na falta de pagamento de facturas correspondentes à prestação de serviços de tratamento de águas residuais, resíduos sólidos e tratamento de crómio.

Alega para o efeito e em síntese:

-é uma associação de utilizadores sem fins lucrativos;

-por contrato celebrado em 21 de Março de 1995 com a Câmara Municipal de ………., foi-lhe concessionado o Sistema de Tratamento de Águas Residuais de ……..;

-foi-lhe concedido o estatuto de utilidade pública do domínio público hídrico;

-tem como objecto o tratamento de águas residuais, resíduos sólidos e recuperação de crómio;

-prestou os serviços constantes das facturas que identifica, cujo pagamento não foi satisfeito pela ré, nem na data do vencimento, nem posteriormente.


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A Ré deduziu oposição, excepcionando a ilegitimidade da A. e a prescrição da dívida e contradizendo os factos alegados pela A., considerou que as quantias peticionadas não são devidas, por não haverem sido prestados os serviços a que as mesmas se reportam.

Concluiu pela absolvição da instância com fundamento em ilegitimidade e pela absolvição do pedido com base na prescrição da dívida.

Finda a fase dos articulados, a Ré apresentou um requerimento suscitando a excepção da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, na consideração de que a jurisdição administrativa é competente para conhecer do litígio.

A A. respondeu defendendo a competência dos tribunais comuns.

Foi proferido despacho que concluiu pela incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e pela absolvição da Ré da instância, reconhecendo a competência material aos tribunais administrativos e fiscais.

O Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão recorrida.


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A A. interpôs recurso de revista excepcional com fundamento na contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão proferido pela Relação do Porto.

Os autos foram remetidos ao STJ que decidiu que, o que se trata nos presentes autos, é «(…) impugnação de um acórdão da Relação que julgou incompetente o tribunal judicial pelo facto de o litígio se inscrever na jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, pelo que a apreciação do recurso se inscreve na esfera de actuação do tribunal dos conflitos, nos termos do artº 101º, nº 2 do CPC».

Foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal de Conflitos


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Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público, emitiu parecer no sentido de serem competentes para decidir do presente litígio, os Tribunais Administrativos e Fiscais, no caso, o Tribunal Tributário de Leiria.

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Cumpre apreciar e decidir.

Como supra já se enunciou, a A. alega na presente acção administrativa que é uma associação de utilizadores sem fins lucrativos, que por contrato celebrado em 21 de Março de 1995 com a Câmara Municipal de ………., foi-lhe concessionado o Sistema de Tratamento de Águas Residuais de …….; foi-lhe concedido o estatuto de utilidade pública do domínio público hídrico e tem como objecto o tratamento de águas residuais, resíduos sólidos e recuperação de crómio.

Mais alega que prestou os serviços constantes das facturas que identifica, cujo pagamento não foi satisfeito pela ré, nem na data do vencimento, nem posteriormente, pelo que peticiona nesta acção a condenação da Ré no pagamento dos valores constantes das facturas relativas aos alegados serviços prestados com o tratamento das águas residuais.

Esta questão não é nova neste Tribunal de Conflitos, sendo inequívoco que a competência para conhecer do objecto dos presentes autos pertence aos tribunais tributários.

Senão vejamos: A autora foi constituída ao abrigo do disposto no DL nº 379/93 de 5.11, tendo a gestão dos serviços de tratamento de águas residuais sido atribuído em regime de concessão por parte do município de ………….

Ora, dispõe o nº 2 do artº 13º do DL nº 379/93 que o concessionário «precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como, a estabelecer o regime de utilização …», denotando-se, desde logo, a existência de uma relação jurídico-administrativa entre si e os utilizadores da rede pública de águas residuais, «por estar em causa a realização do interesse público mediante a utilização de um poder público» - cfr. neste sentido o Ac. de 26/09/2013, proferido no Conflito nº 30/13.

Acresce que, não nada indicia que a questão suscitada não revista natureza fiscal, pelo contrário, entendendo-se como tal «todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como, o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas».

No mesmo sentido, ou seja, de que compete aos tribunais tributários apreciar litígios relativos a contratos celebrados entre uma empresa concessionária de serviço público de fornecimento de água ao domicílio e os respectivos utilizadores finais, cfr. Acórdãos proferidos neste Tribunal de Conflitos, em 30.10.2014 processo nº 047/14, 04.11.2015 processo nº 124/14, de 13.11.2013 processo nº 041/1 e de 09.11.2010, processo nº 17/10.

Assim, como tem vindo a ser jurisprudência deste Tribunal de Conflitos «Sem quaisquer dificuldades pode afirmar-se que estas relações jurídicas (quer os contratos de concessão, quer também os contratos de fornecimento de água e/ou de drenagem de águas residuais) não são pautadas pela ampla liberdade contratual, específica do direito privado, em particular do direito das obrigações, na medida em que o interesse geral, subjacente à exploração e à gestão dos sistemas de distribuição de água e de recolha e drenagem de águas residuais, impõe que existam normas de direito público que disciplinem o seu regime substantivo».

Tal significa que «quer perante o quadro jurídico constante do DL nº 194/2009, de 20-08, quer perante o revogado DL nº 379/93, de 05-11, os contratos de fornecimento de água e de drenagem de águas residuais encontram-se submetidos a um regime específico, de todo diferenciado do de direito privado».

Atento o exposto e sem necessidade de mais considerações, concluiu-se que a competência em razão da matéria para dirimir a presente acção, cabe aos tribunais administrativos e fiscais, maxime, ao Tribunal Tributário de Leiria, o que se determina.


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Pelo exposto, julga-se que a competência para conhecer do mérito da presente acção cabe aos tribunais administrativos e fiscais, maxime ao Tribunal Fiscal de Leiria.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Novembro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Nuno de Melo Gomes da Silva – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Manuel Clemente Lima – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Manuel Tomé Soares Gomes.