Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:034/18
Data do Acordão:12/06/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONFLITO NEGATIVO
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Sumário:Se o fundamento da acção for uma relação laboral de direito privado, na qual a A. funda os direitos que invoca contra o R., deve a causa ser conhecida pelos tribunais judiciais.
Nº Convencional:JSTA000P23935
Nº do Documento:SAC20181206034
Data de Entrada:07/06/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO, PORTO, INSTÂNCIA CENTRAL, 1ª SECÇÃO TRABALHO, JUIZ 1 E O TAF DO PORTO, UNIDADE ORGÂNICA 1.
RECORRENTE: A……...
RECORRIDOS: INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 34/18


ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:


1.A…….., residente na Rua ………, n.º ..., no Porto, intentou, na 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central do Porto, “acção emergente de contrato individual de trabalho com processo declarativo comum”, contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 112.978,68, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou que, em 1/1/84, por contrato verbal e por tempo indeterminado, foi admitida para, sob a autoridade e direcção do R., desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de prestadora de serviços de limpeza, por um período de 40 horas semanais, a prestar entre as 9 e as 12 horas e as 14 e 18 horas.
Esse serviço era efectuado em instalações do R., utilizando equipamentos, consumíveis e recursos que este punha à sua disposição, nomeadamente, produtos e utensílios de limpeza, farda, etc., recebendo um vencimento fixo mensal que, à data da celebração do contrato, se cifrava em € 542.00 e que foi sendo aumentado anualmente nos mesmos moldes em que o fora para qualquer outro contrato de trabalho.
A cessação do referido contrato ocorreu em 30/11/2015, por iniciativa do R. que lhe comunicou que deveria entregar as chaves de todos os espaços onde prestava serviço.
Nos termos dos artºs. 394.º e 395.º, do Código do Trabalho, tem direito a que lhe sejam pagos créditos laborais no montante de € 82.775,68 – dos quais € 1.626,00 respeitam a vencimentos entre os meses de Janeiro e Março de 2016, € 14.668,00 reportam-se a subsídios de férias pelo trabalho prestado durante toda a vigência do contrato, € 14.668,00 respeitam a férias não gozadas durante o mesmo período, € 14.668,00 são relativos ao subsídio de natal pelo trabalho prestado nesse período, € 34.945,68 pelo subsídio de alimentação que nunca lhe foi pago e € 2.200,00 correspondem ao custo da formação não prestada em todo o período de vigência do contrato –, bem como à indemnização por resolução do contrato prevista no art.º 396.º, do Código de Trabalho, no valor de € 25.203,00 e ao pagamento da quantia de € 5.000,00 por danos morais sofridos com a aludida cessação.
No despacho saneador, com fundamento na incompetência material do tribunal, foi o R. absolvido da instância, por se ter entendido que a relação contratual invocada pela A. se traduzia num contrato de trabalho em funções públicas que, sendo uma relação jurídica de emprego público, estava, nos termos dos artºs. 4.º, n.º 3, al. d), do ETAF e 83.º, n.º 1, da Lei n.º 59/2008, de 27/2, sujeita à jurisdição administrativa.
Após o trânsito deste despacho, foram os autos remetidos ao TAF do Porto, onde foi proferida decisão de absolvição do R. da instância, por se ter considerado, ao abrigo do art.º 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF (na redacção resultante do DL n.º 214-G/2014, de 2/10), os tribunais administrativos materialmente incompetentes, por a competência para a apreciação da acção caber aos tribunais judiciais, nos termos do art.º 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema judiciário, dado que, pese o carácter público da entidade patronal, a A. configura o vínculo que estabeleceu com esta como um contrato individual de trabalho, não invocando quaisquer preceitos de direito administrativo que o enquadrem no âmbito de uma relação jurídica de emprego público.
Tendo este despacho também transitado, foram os autos remetidos ao tribunal dos conflitos para resolução do conflito negativo de jurisdição.
A Exma. Srª. Procuradora-Geral-Adjunta junto deste tribunal, emitiu parecer, onde concluiu que a competência deveria ser atribuída aos tribunais de trabalho, visto a A. alegar estar vinculada ao R. através do regime do contrato individual de trabalho, não se indiciando a existência de qualquer relação jurídica administrativa.

2. A competência em razão da matéria é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta e determina-se pela forma como o A. estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.
É, assim, perante os termos em que é estruturada a petição inicial que se afere se, atento os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na ordem jurisdicional comum ou na ordem jurisdicional administrativa e fiscal (cf. Ac. deste TC de 27/10/2004 – Conflito n.º 02/04).
Conforme resulta dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF, aos tribunais administrativos compete o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Por isso, é da competência dos tribunais administrativos a apreciação dos litígios emergentes de vínculos de emprego público, como os que revestem as modalidades de contrato de trabalho em funções públicas, estando excluído do âmbito da sua jurisdição os litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, os quais são da competência dos Juízos do Trabalho – cf. artºs. 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF, na redacção resultante do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, 12.º e 6.º, n.º 3, al. a), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/6 e 126.º, n.º 1, al. b), da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/8.
No caso em apreço, a A., alegando que trabalhou para o R. em cumprimento de um contrato de trabalho e que foi ilicitamente despedida, pede que este seja condenado a pagar-lhe várias quantias provenientes de retribuições em atraso, de indemnização por antiguidade, de férias não gozadas, de subsídios de alimentação, de natal e de férias e de indemnização por formação não ministrada e por danos não patrimoniais decorrentes do invocado despedimento.
Configurando a A. o vínculo celebrado com o R. como um contrato de trabalho, poder-se-ia dizer que este teria evoluído para um contrato de trabalho em funções públicas, dado que as relações jurídicas de trabalho subordinado constituídas entre um ente público e um privado antes de 1/1/2009 deveriam convolar-se, a partir desta data, em contrato de trabalho em funções públicas, atento ao disposto nos art.º 17.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11/9 – que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas – e nos artºs. 88.º e seguintes e 109.º, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/2, que estabeleceu o Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.
Porém, como se atentou no Ac. deste TC de 1/10/2015, proferido no Conflito n.º 08/14, se é certo que o tribunal é livre na indagação e na qualificação jurídica dos factos, não pode antecipar esse juízo para o momento da apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. É que “para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do autor de que está ligado à ré através do regime de contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime de contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à ré. E para tanto os órgãos jurisdicionais competentes são os tribunais do trabalho, não os tribunais administrativos, independentemente da natureza pública ou privada da entidade empregadora (…)” – cf., no mesmo sentido, os Acs. deste Tribunal de 10/3/2016, Conflito n.º 10/15, de 17/11/2016, Conflito n.º 17/16 e de 8/3/2017, Conflito n.º 012/15.
Assim, se a A. caracteriza o vínculo jurídico entre si e o R., durante a sua vigência e no momento da sua cessação, como relação laboral de direito privado e é nesta caracterização que assenta as pretensões que deduz, pertence ao mérito da causa saber se aquele vínculo assumiu efectivamente tal natureza e teve as consequências que dele pretende retirar (cf. citado Ac. de 17/11/2016).
Nestes termos, atento ao regime legal invocado na petição inicial para enquadrar a questão e ancorar os créditos que a A. pretende ver reconhecidos pelo tribunal, não cabe aos tribunais da jurisdição administrativa, mas aos tribunais judiciais e concretamente à 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central do Porto a competência para conhecer a presente acção.

3. Pelo exposto, julga-se que a competência para apreciar a acção cabe aos tribunais judiciais.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) António Pedro Lima Gonçalves – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Maria Rosa Oliveira Tching – José Augusto Araújo Veloso – Graça Maria Lima de Figueiredo Amaral.