Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:061/13
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:PRÉ-CONFLITO
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:Compete aos Tribunais Tributários o conhecimento da acção em que a concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar de um seu utente os respectivos consumos, por estarem em causa tarifas, taxas ou encargos impostos, de forma autoritária, como contrapartida do serviço público prestado.
Nº Convencional:JSTA000P16952
Nº do Documento:SAC20140129061
Data de Entrada:11/11/2013
Recorrente:A……………………., S.A., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

A…………………….., SA, interpôs recurso para este Tribunal dos Conflitos do acórdão da Relação de Guimarães que, confirmando anterior decisão do TJ de Fafe, julgou incompetente a jurisdição comum para conhecer da acção dos autos – em que a recorrente pretende obter a condenação dos réus, B…………………., Ld.ª, e o Condomínio de um determinado prédio, no pagamento de quantias emergentes de água que lhes fornecera.
A recorrente pugna pela competência dos tribunais judiciais para o conhecimento do pleito.

Não houve qualquer contra-alegação.

O Ex.º Magistrado do MºPº junto do Tribunal dos Conflitos emitiu douto parecer no sentido da competência ser deferida aos Tribunais Tributários.

O acórdão recorrido considerou relevantes os seguintes factos:
- a autora apelante pretende haver dos apelados quantias monetárias que invoca correspectivo (no que concerne ao capital peticionado) do fornecimento de água que lhes vem efectuando (melhor, que contratou com a primeira requerida e que vem fornecendo ao segundo, que a tem fruído); …
- sustenta que outorgou com a primeira requerida o contrato de fornecimento de água mediante o qual vem fornecendo ao segundo requerido a água cujo custo agora pretende haver, actividade que desenvolve porquanto lhe foi atribuída pelo Município de FAFE a gestão e exploração do Serviço de Abastecimento de Água Potável ao Concelho de Fafe, através de contrato de concessão da Exploração do Sistema de Captação, Tratamento e Distribuição de Água ao Concelho de Fafe, celebrado em Janeiro de 1996. …

Passemos ao direito.

A «quaestio juris» a resolver não é inédita no Tribunal dos Conflitos, onde se formou a corrente jurisprudencial que atribui a competência, para a resolução de processos do género, aos Tribunais Tributários.
Assim, e no Conflito n.º 39/13, decidido pelo acórdão deste Tribunal de 5/11/2013, exarou-se o seguinte:

«1. O presente recurso foi interposto nos termos do art. 107°, n.° 2, do CPC.
É ponto assente que a competência (ou jurisdição) de um tribunal se determina pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e esclarecida pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos (acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21.10.04 proferido no Conflito 8/04).
Como se vê da petição inicial a autora, enquanto concessionária do serviço municipal de abastecimento de água à população do Município de Fafe, intentou no tribunal judicial uma acção visando o recebimento de uma determinada quantia resultante do incumprimento de um contrato de fornecimento de água, designadamente a falta de pagamento de um contador totalizador e consumos de água, celebrado com o réu condomínio.
Não se questiona que a autora seja concessionária do “Serviço Público de Abastecimento de Agua no Concelho de Fafe” (artigos 113 da petição e 28 da contestação) e que, portanto, nessa medida, a autora actue em substituição do município e munida dos poderes que lhe estão atribuídos nessa área (conf. o art. 6° do DL 379/93, de 5.11).
2. De acordo com o disposto no n.° 1 do art. 211° da CRP, (Idêntica redacção tem n.° 1 do art. 18° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13.1 e o art. 66° do CPC.) “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” e nos termos do art. 212°, n.° 3, (No mesmo sentido o art. 1°, n.° 1, do ETAF.) “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”, O conceito de relação jurídica administrativa é, assim, erigido, tanto pela Constituição como pela lei ordinária, como operador nuclear da repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais. O âmbito da jurisdição administrativa e fiscal encontra-se no art. 4° do ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19.2, alterada pela Lei n.° 10/D/2003, de 31.12) onde se diz que compete a esses tribunais “a apreciação de litígios que tenham por objecto” as situações a seguir enunciadas, sendo que a decisão recorrida identificou a alínea f) (Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público) como suporte da atribuição da competência à jurisdição administrativa.
Por outro lado, numa situação absolutamente idêntica, este Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 26.9.13 proferido no Conflito n.° 30/13, identificou igualmente a alínea d) do n.° 1 desse mesmo preceito que alude a’‘Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos”. No caso em apreço e de acordo com o n.° 2 do art. 13º do já citado DL 379/93, o concessionário, a autora in casu, “precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, o que ela fez, o que evidencia, com toda a clareza, a existência de uma relação jurídico-administrativa entre si e os consumidores de água da rede pública, por estar em causa a realização do interesse público mediante a utilização de um poder público. Como se assinala naquele aresto, “Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito n° 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.° 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/4/2013, proferido no processo n.° 15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n° 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”
No mesmo sentido pode ver-se, igualmente, o Acórdão deste Tribunal de 25.6.13, proferido no recurso 33/13.»

Damos inteira adesão a esta jurisprudência. Donde se segue a necessidade de negar provimento ao recurso, de confirmar o acórdão ora recorrido, da Relação de Guimarães, e de declarar materialmente competentes, «in casu» os Tribunais Tributários («exs vi» do art. 49º, n.º 1, al. c), do ETAF).

Nestes termos, acordam em resolver este conflito atribuindo à jurisdição administrativa – através dos Tribunais Tributários – a competência para conhecer da acção dos autos.

Sem custas.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – António Bento São Pedro – Fernando da Conceição Bento – António Políbio Ferreira Henriques – Manuel Fernando Granja Rodrigues da Fonseca (vencido conforme declaração de voto no Proc. 45/13 deste Tribunal de Conflitos do Exmº. Conselheiro Fernandes do Vale) – José Augusto Fernandes do Vale (Vencido, porquanto, pelos fundamentos por mim aduzidos no voto de vencido exarado no Proc. nº 45/13 T Conf. deste mesmo Tribunal, consideraria competentes, em razão da matéria, os tribunais judiciais).