Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:02/02
Data do Acordão:06/18/2002
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARQUES BORGES
Descritores:ARRENDAMENTO URBANO.
COMPRA E VENDA.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
ANULAÇÃO.
EXECUÇÃO FISCAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS.
Sumário:I - A relação jurídica que o A. pretende ver solucionada pelo Tribunal é apreciada, para determinação da competência dos tribunais, em função da pretensão deduzida e pelo pedido formulado pelo A.
II - Se o A. pretende ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre um imóvel locado e a restituição da coisa reivindicada, com fundamento na nulidade e ineficácia da cedência dos escritórios, ainda que operada em venda na execução fiscal, tal relação jurídica prende-se com o contrato de arrendamento estabelecido entre o A. e a R.R., que não o Estado não estando tal relação conexionada com a obtenção de receitas por parte do Estado e não constituindo, como tal, uma relação jurídica tributária.
III - O artº. 237°., nº.2 do C.P.T. apenas estabelece a competência especializada dos Tribunais Tributários para o conhecimento da anulação da venda efectuada em execução fiscal, pelo que não estando a relação jurídica em causa sujeita à jurisdição do Tribunal Tributário por norma especial, nem constituindo tal relação uma "questão fiscal", são os Tribunais Comuns os competentes para apreciar a questão referida em 2.
Nº Convencional:JSTA00058099
Nº do Documento:SAC2002061802
Data de Entrada:02/27/2002
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE OS TRIBUNAIS COMUNS E O TRIBUNAL TRIBUTÁRIO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TT1INST - TCIV.
Decisão:DEC COMPETENTE TCIV.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART237 N2.
CCIV66 ART1038 F G.
CPC96 ART66 ART67 ART101 ART508-A N1 D E.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC19756 IN AD N421 PAG63.
Aditamento:
Texto Integral: I. A..., residente na R. ... n° ...-... em Lisboa, interpôs recurso de revista do Acórdão da Relação de Lisboa de 31.05.2001 para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Por despacho do relator a quem foi distribuído o processo, atenta a promoção do Procurador Geral Adjunto daquele Tribunal, foi suscitada a questão de, face ao estatuído no art. 107 nº 2 do C.P.C., ser o Tribunal de Conflitos o competente para apreciar a questão suscitada.
Ouvido a recorrente, veio, então, requerer a remessa dos autos ao Tribunal de Conflitos, o que foi deferido.
A recorrente disse nas conclusões da alegação apresentadas no STJ:
1- O contrato de arrendamento dos autos destina-se à actividade de escritórios da recorrida B....
2- Sendo, por isso, um contrato de natureza comercial e não destinado ao exercício de qualquer profissão liberal, como se anota no douto Acórdão recorrido, não se aplicando, pois, o artigo 122° do RAU.
3- A adjudicação, em execução fiscal, que teve por objecto o andar dos autos, destinado, por contrato, a escritório da recorrida B..., consubstancia uma cessão da posição contratual do locatário, sem consentimento do locador.
4- Tal adjudicação não confere ao adjudicante o poder de deter o andar, por a cessão, sem o consentimento da locadora, não ser meio de defesa na acção de reinvindicação.
5- A recorrente não invocou na acção uso diverso a que se destina o andar arrendado, objecto da venda judicial.
6- A recorrente formulou diversos pedidos, compatíveis entre si, os quais não podem ser apreciados pelo Tribunal Tributário, antes pelos Tribunais Comuns.
7- A recorrente não pediu a anulabilidade da venda.
8- Pediu que se reconhecesse o direito de propriedade sobre o andar, a existência de uma cessão da posição de locatário, não consentida pelo locador, um pedido indemnizatório pela ocupação ilícita e ainda, subsidiariamente, o despejo do local pelo facto da existência de um trespasse do local, sem comunicação à locadora.
9- O tribunal tributário é incompetente em razão da matéria para julgar e apreciar as matérias invocadas pela recorrente na petição inicial e os pedidos tanto principal, como subsidiário, nela formulados.
10- O douto Acórdão violou, entre outros, os artigos 110 a 120 do RAU, os artigos 66°, 67°, 101º e 508°-A, 1 d) e e) e 2 do Código do Processo Civil, o artigo 237° nº 2 do Código de Processo Tributário e o artigo 1038° f) e g) do Código Civil.
11- Deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por melhor decisão, qual seja a de ordenar o prosseguimento dos autos, para apreciação das matérias em discussão.
II - O Magistrado do MP junto do Tribunal de Conflitos emitiu parecer no sentido de ser declarada a competência do Tribunal Comum, salientando, em resumo o seguinte:
1º- O conflito de competências colocado ao Tribunal versa sobre a existência, ou não, da nulidade e eficácia da cedência da venda e adjudicação do local penhorado efectuada através do Tribunal Tributário;
2°- A questão colocada de acordo com a recorrente e perante a forma como intentara a acção e o pedido formulado ao Tribunal, não respeitava à anulação da venda feita pelo Tribunal Tributário, mas, antes, se a transferência do locado caracterizaria a figura do trespasse ou a de cessão de posição contratual, e, sendo o desta última, se tal implicaria o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a coisa reinvindicada e a sua restituição livre e desocupada, dada a nulidade da cedência dos escritórios realizada na execução fiscal.
3°- Não se tratando, pois, de uma anulação de venda no processo de execução fiscal, prevista nos termos restrito sindicados nos arts.908° e 909° do CPC, daí resultando a competência dos Tribunais Comuns.
III - Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
1. A questão colocada a este Tribunal de Conflitos restringe-se à determinação do Tribunal competente, (comum ou tributário) e, daí que não tenham que ser apreciadas as conclusões 1ª e 2ª, formuladas pela recorrente por não versarem sobre tal matéria.
2. Sendo a competência a medida da jurisdição de cada Tribunal, a determinação do Tribunal competente corresponde à indicação do órgão judicial que tem legitimação para apreciar a acção intentada, como seu pressuposto processual, independentemente do pedido formulado pela Autora ser, ou não, procedente.
A averiguação daquele pressuposto processual em relação a cada Tribunal como já referia o Prof. Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 90 e segs.), implica a ponderação de índices ou elementos através dos quais se apura a competência, tais como os termos em que a acção foi instaurada, a natureza da tutela requerida, tendo em conta, designadamente, os fundamentos invocados.
No caso em apreciação a recorrente intentou uma acção de reinvindicação no Tribunal Cível de Lisboa contra os RR B..., C... e a Fazenda Nacional.
Na petição inicial invocou a sua qualidade de dona e legítima possuidora do prédio urbano sito em Lisboa na Av. ... com os n.ºs ... a ... e que o anterior proprietário havia celebrado um contrato de arrendamento do referido ... andar ..., através da adjudicação nos autos de execução fiscal n° 552/87, instaurados no T.T. de 1ª Instância de Lisboa, contra a arrendatária “B...”.
A A. alegou, ainda, que, através da adjudicação feita no Tribunal Tributário daquele local constituído por um escritório composto de 11 salas, não se verificara o trespasse do mesmo da B... para o R. C..., mas, antes, uma cessão de posição contratual.
É daquela qualificação jurídica emergente da venda judicial efectuada no Tribunal Tributário que a recorrente conclui que a arrematação feita se traduz numa cessão nula e ineficaz, devendo, pois, ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre o local, sendo a permanência no mesmo do R. C..., ilícita e sem título, por não ser da sua vontade nem estar por si autorizada.
Em pedido subsidiário pediu, ainda, a recorrente ao Tribunal que, a ser qualificada aquela cessão como trespasse, a mesma, por não ter sido comunicada à A. no prazo de 15 dias deveria ser considerada ineficaz e fundamento para a resolução do contrato.
Face aos fundamentos e pretensão deduzida perante o Tribunal Comum a A. pretendia que aquele Tribunal apreciasse a relação jurídica de arrendamento entre a A. e os RR B... e C..., sem pôr em causa a validade da venda efectuada em execução fiscal no Tribunal Tributário, pretendendo, apenas, segundo a A., que se apreciassem as consequências que da validade daquela venda resultariam para si, como senhoria do prédio locado.
A forma como a pretensão foi deduzida e o pedido formulado ao Tribunal Comum, (reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o locado, restituição da coisa reinvindicada, detida a título ilegítimo pelo R. C...) e os fundamentos da pretensão deduzida, (nulidade e ineficácia da cedência dos escritórios feita pela venda na execução fiscal), ou a sua validade e eficácia, mas sem cumprimento à A no prazo legal da cessão operada, são questões, claramente, que não estão abrangidas pelo art. 237 nº 2 do CPT e que, também se não podem qualificar como “questões fiscais” para efeito de estarem abrangidas na competência dos Tribunais Tributários.
O art. 237° nº 2 do CPT apenas estabelece a competência especializada do Tribunal Tributário para o conhecimento da anulação da venda efectuada em execução fiscal; e, por “questões fiscais” têm sido consideradas aquelas que “têm como pressuposto a aplicação de normas relacionadas com a imposição de toda e qualquer prestação pecuniária, com o fim de obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos da pessoa colectiva impositora, como as que emergem de uma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, como, ainda, as relações jurídicas que surjam em virtude do exercício da função de imposição de tais prestações ou que com elas estão objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas” (Recurso 19756, AD n° 421, pág.63).
Da forma descrita a A. pretende que o Tribunal aprecie uma relação jurídica relativa ao contrato de arrendamento da A. com alguns dos RR, que não o Estado, e, não a relação jurídica tributária relativa à anulação da venda na execução fiscal, em que uma das partes seria o Estado e que sempre e em todo o caso estaria conexionada com a obtenção de receitas por parte do Estado.
Daí que a apreciação da pretensão deduzida pela A. e, independentemente da sua procedência ou improcedência, caiba ao Tribunal Comum, atento o disposto no art. 66° do CPC e a inaplicabilidade ao caso, ao contrário do que foi decidido, do art. 237 nº 2 do CPT.
Decisão: Pelo exposto julga-se competente o Tribunal Comum, assim se dando provimento ao recurso interposto.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Junho de 2002
Joaquim Marques Borges – Relator – Armando Lemos Triunfante – Florindo Pires Salpico - Armando dos Santos Lourenço – Maria Angelina Domingues – Vítor Manuel Gomes