Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 08/14 |
Data do Acordão: | 10/01/2015 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | VÍTOR GOMES |
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS. |
Sumário: | I - Compete aos tribunais do trabalho conhecer da acção em que o Autor pede o reconhecimento de que o vínculo que tinha com a Ré (Universidade), no momento da sua cessação por iniciativa desta, emergia de um contrato individual de trabalho e não de uma relação de trabalho em funções públicas. II- A questão da competência em razão da matéria resolve-se de acordo com os termos da pretensão do Autor, não relevando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. |
Nº Convencional: | JSTA000P19457 |
Nº do Documento: | SAC2015100108 |
Data de Entrada: | 02/21/2014 |
Recorrente: | A............, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DO TRABALHO DO PORTO, JUÍZO ÚNICO, 3ª SECÇÃO E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. A………… propôs contra a Universidade do Porto, no Tribunal do Trabalho do Porto, uma acção com o seguinte pedido: Em síntese, alegou ter sido provido por um ano, em 1 de Setembro de 2008, em regime de contrato administrativo de provimento, na categoria de Professor Auxiliar Convidado, além do quadro, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Esse contrato, entretanto convolado em contrato de trabalho em funções públicas a termo certo, nos termos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e das correspondentes listas de transição de pessoal, cessou a sua vigência em 31/8/2009. Continuou a prestar o mesmo serviço docente, mas mediante sucessivos contratos de trabalho a termo certo por um ano, outorgados em 1 de Setembro de 2010 e 1 de Setembro de 2011, para satisfazer necessidades permanentes da Faculdade de Letras. Deste modo, tendo a Universidade do Porto sido convertida em fundação pública de direito privado pela Lei n.º 96/2009, de 27 de Abril, pelo menos desde a data da entrada em vigor deste diploma legal existe entre Autor e Ré uma única relação jurídico-laboral, a que se aplica o direito privado, como decorre do n.º 1 do art.º 134.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro. Pelo que, tendo decorrido mais de três anos desde o seu início, a mesma se considera proveniente de contrato de trabalho sem termo. Assim, a declaração de cessação do contrato, operada por ofício do Director da Faculdade de Letras, datado de 10/7/2012, constitui um despedimento ilícito. Apreciando excepção deduzida na contestação pela Universidade do Porto, o Tribunal do Trabalho do Porto declarou-se incompetente em razão da matéria, com fundamento em que a prestação de serviço docente ao abrigo dos invocados contratos se rege pelo direito público, constituindo uma relação jurídico-administrativa, sendo a apreciação do litígio da competência dos tribunais administrativos. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento a recurso do Autor pelo acórdão de fls. 354-397. Sustenta que, devendo a competência material ser aferida através do modo como a acção é proposta e tendo esta sido instaurada na perspectiva de que a ora Recorrida lhe comunicara a caducidade de um contrato a termo resolutivo certo, celebrado ao abrigo do Código de Trabalho, a competência cabe aos tribunais do trabalho, tendo o acórdão recorrido violado o disposto no art.º 85.º, al. b), da LOFTJ e o art.º 4.º, n.º3, al. d) do ETAF. Para tanto alega, em síntese, o seguinte: A Relação decidiu, em via de recurso, que os tribunais do trabalho são incompetentes em razão da matéria para conhecer do litígio, atribuindo a competência à jurisdição administrativa. É óbvio que não há conflito de jurisdição, porque para tanto é necessário que dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arroguem ou declinem o poder de conhecer da mesma questão e o litígio ainda não saiu da órbita dos tribunais judiciais. Mas verifica-se a situação que costuma designar-se por pré-conflito, para que desde há muito o nosso sistema jurídico oferece o remédio que actualmente se disciplina no n.º 2 do art.º 101.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho (art.º 107.º, n.º 2, do CPC anterior), determinando que, se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente se interponha para o Tribunal dos Conflitos. É certo que, como tem sido reafirmado pelo Tribunal dos Conflitos, as providências cautelares têm de ser propostas nos tribunais que forem competentes em razão da matéria para julgar a causa principal de que aquelas são dependência (Cf. ac. de 7/7/2009, Proc. 011/09 e de 7/10/2009, Proc. 01/09). Este entendimento, que decorre da relação de dependência dos procedimentos cautelares relativamente à causa em que se discute o direito que se destinam a acautelar, implicará a aceitação da extensão do caso julgado formal ao processo cautelar quando a questão da competência esteja firmada no processo principal. Mas a inversa não é verdadeira. As decisões proferidas no procedimento cautelar não têm qualquer influência no processo principal, como resultava do disposto no n.º 4 do art.º 384.º do CPC então vigente e igualmente do n.º 4 do art.º 364.º do CPC actual (neste sentido, ac. de 9/7/2003, Proc. 07/03). É solução legislativa que encontra justificação no carácter de sumaria cognitio que é próprio das decisões proferidas nos procedimentos cautelares. Tanto basta para concluir que a decisão de incompetência proferida no procedimento cautelar não tem alcance fora desse processo, pelo que cumpre passar à apreciação do mérito do recurso e à consequente fixação definitiva do tribunal competente para a acção. Com efeito, está sedimentado na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que a competência dos tribunais se afere em função dos termos em que a acção é proposta. A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo (Cfr. por versarem sobre situações mais próximas do caso sujeito, acórdãos de 9/3/2004, Proc. 0375/04, de 3/03/2011, Proc. 014/10, de 29/03/2011, Proc. 025/10, de 5/05/2011, Proc. 029/10, de 27/2/2014, Proc. 055/13. Ora, aquilo que o Autor pediu ao tribunal é que seja declarada a existência de uma relação jurídico-laboral, regida pelo direito privado, que faz remontar, a título principal, ao momento da adopção pela Universidade do Porto do modelo de fundação pública de direito privado e, subsidiariamente, à celebração de contratos de trabalho, com clausulado expresso de sujeição ao regime do Código do Trabalho, mas com violação das respectivas regras de contratação a termo. É certo que alega a existência inicial de um contrato administrativo de provimento, mas para demonstrar a génese do que, segundo a sua pretensão, evoluiu no sentido de uma relação regida pelo direito do trabalho privado. Assim, não podendo subsistir dúvidas de que o Autor caracteriza o vínculo jurídico entre si a Universidade, no momento da sua cessação por iniciativa dos órgãos desta, como relação laboral de direito privado, que é isso que quer ver reconhecido e que é nisso que repousam as pretensões deduzidas, saber se a relação jurídica ao abrigo da qual o trabalho docente foi prestado assumiu efectivamente essa natureza e tem as consequências que o Autor daí pretende retirar é questão que respeita ao mérito da acção. Ou seja, perante a pretensão expressa do Autor de reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e não de uma relação de trabalho em funções públicas, não pode resolver-se a questão da competência em razão da matéria caracterizando tal relação como de contrato de trabalho em funções públicas em função da interpretação da evolução do regime jurídico em sentido contrário ao pretendido pelo Autor (sendo alheia ao objecto da presente decisão, repete-se, qualquer apreciação do acerto dessa solução). É certo que o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. Para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do Autor de que está ligado à Ré através do regime contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime do contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o Autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à Ré. E para tanto os órgãos jurisdicionais competentes são os tribunais do trabalho e não os tribunais administrativos, independentemente da natureza pública ou privada da entidade empregadora, como resultava da al. b) do art.º 85.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), na redacção vigente à data da propositura da acção (2/10/2012). Com efeito, nos termos da al. d) do n.º 3 do art.º 4º do ETAF está excluída da jurisdição administrativa “a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”. Consequentemente, tem de concluir-se que, atendendo aos termos em que o Autor, ora recorrente, formulou a sua pretensão, são os tribunais judiciais, pelos tribunais do trabalho, os competentes para conhecer da acção e não os tribunais administrativos, contrariamente ao que se decidiu no acórdão recorrido. |