Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:021/14
Data do Acordão:06/26/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
CONFLITO NEGATIVO.
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00068811
Nº do Documento:SAC20140626021
Data de Entrada:04/04/2014
Recorrente:A.P. ÁGUAS DE PAREDES, SA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 2º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:SENT TAF PENAFIEL - SENT TCIV PAREDES.
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Área Temática 1:*
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N1 F.
LOFTJ99 ART18 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 21/14

Em 2013.06.07, Águas de Paredes SA requereu contra A…………, primeiro como injunção e depois, como ação administrativa comum, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a presente ação.

Alegou, em resumo, que
- é uma sociedade comercial anónima e se dedica ao serviço público de fornecimento de água e drenagem de águas residuais;
- no exercício da sua atividade prestou serviços contratados com a ré;
- apesar de instada para o efeito a ré não pagou a quantia e em dívida.

Pediu a condenação da ré no pagamento desses serviços.

Em 2013.03.12, foi proferido despacho saneador, onde aquele Tribunal se julgou incompetente em razão da matéria e absolveu a ré da instância.

Em síntese, entendeu-se nessa decisão que não estava em causa “uma verdadeira situação fundada no exercício de poderes administrativos (prerrogativa de autoridade), por não estar aqui discutida a possibilidade da impetrante poder ou não cobrar determinada tarifa a particular, mas antes uma relação contratual de fornecimento de água, que, (…) é um litígio privado resultante da cobrança de uma suposta dívida advinda de um contrato de fornecimento”.

Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Paredes, foi, em 2013.10.22, proferido despacho em que se declarou também o tribunal incompetente em razão da matéria e se absolveu a ré da instância.

Entendeu-se “que a natureza da relação contratual em litígio não é manifestamente privada, porquanto balizada, em várias vertentes, por normas de direito público que lhe são impostas e a desenham, à luz do artigo 4°, nº 1, alínea f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo que é à jurisdição administrativa que cabe apreciar as questões relativas aos contratos a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo”.

Suscitada a resolução do conflito pela autora, veio o Ministério Público emitir parecer no sentido de se julgar como tribunais competentes em razão da matéria os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.

A questão que importa dirimir consiste, pois, em saber se para a apreciação do pedido formulado é competente a jurisdição administrativa e fiscal ou a jurisdição comum.

Como unanimemente vem sido entendido, a competência de um tribunal é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos — natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc — seja quanto aos seus elementos subjectivos.

A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n° 3 do artigo 212° da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergente das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

A jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão, sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais — artigo 211°, nº 1.

Disposição esta que é reproduzida, na sua essência, no artigo 18° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13.01.

Na ausência de determinação expressa em sentido diferente, contida em lei avulsa, para a determinação da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal valem os critérios contidos nos artigos 1°, n° 1 e 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Nos termos do disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 26° da Lei 159/99, de 14.09, “é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios: a) sistemas municipais de abastecimento de água”.

A exploração e gestão deste sistema podem ser atribuídas em regime de concessão a uma entidade privada de natureza empresarial — cfr. artigo 6º do Decreto-lei 379/93, de 05.11.

E nos termos do disposto no nº 2 do artigo 13° deste Decreto Lei, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem o direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização (...)”.

No caso concreto em apreço, a autora é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Paredes e nessa medida, atua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área.

Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido — neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.

Concluímos e tendo em atenção ao disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais acima mencionado, que a presente ação é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, assumindo a natureza de uma questão de natureza fiscal.

Pelo exposto, decide-se considerar competente para apreciar os pedidos em causa a jurisdição fiscal.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Junho de 2014. - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos (relator) - José Augusto Araújo Veloso - José Adriano Machado Souto de Moura - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.