Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:015/14
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:I - A acção de reivindicação, prevista no art. 1311.º do CC, é uma típica manifestação do direito de sequela, visando afirmar o direito de propriedade e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro objectivo a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa objecto desse direito.
II - As acções de reivindicação são, pois, acções reais, não se confundindo com as acções obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.
III - Assim, a «reivindicatio» não cabe na previsão do art. 4°, n.° 1, al. g), do ETAF.
IV - E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as acções de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais judiciais.
Nº Convencional:JSTA000P18162
Nº do Documento:SAC20141030015
Data de Entrada:03/10/2014
Recorrente:A... E B... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TAF DE ALMADA E OS TRIBUNAIS COMUNS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 15/14

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos

1- A…………… e B…………….., devidamente identificadas nos autos, intentaram acção declarativa de condenação no Tribunal da Comarca de Setúbal, formulando os seguintes pedidos:
“- Deve … proceder-se ao reconhecimento de propriedade e à restituição da posse do caminho das A.A., nos termos do artigo 1311º e seguintes do Código Civil e,
- Consequentemente ser-lhes reconhecido o direito de vedação e tapagem do seu prédio rústico identificado supra, direito conferido pelo art. 1356º do Código Civil e.
- Ser ainda a R. condenada a abster-se de usar o caminho particular das A.A., e de praticar todos os demais actos que configurem violação do direito de propriedade de que são titulares as A.A. como legítimas donas e possuidoras do prédio identificado no artigo 2º da presente p.i.
- Mais se requer seja a R. condenada a pagar às A.A. quantia respeitante ao pedido de indemnização cível pelos danos morais sofridos pelas A.A. em quantia que se estima em 6.000,00€ e nos danos patrimoniais que fez incorrer as A.A. por ter sido a R. quem deu causa à presente ação, nomeadamente nos preparos, custas e despesas do processo pagas e a pagar pelas A.A., sendo esta quantia a pagar a título de danos patrimoniais, a definir em execução de sentença, vencendo-se juros à taxa legal…”
1-1- Indicaram como causa de pedir o seguinte:
“1º
Por Escritura de Divisão celebrada a 20 de Março de 1974, foi dividido o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o N°5144 (Docs. n°s 1 e 2).

E, em consequência da divisão, ficou a pertencer à A. A………. o prédio identificado na alínea b) da Escritura junta como Doc n° 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela anteriormente sob o N° 6041, Livro B20, que confrontava do Norte com C………… e D…………, do Sul com E………. e F…………..,, do nascente com caminho, do poente com G……….., atualmente descrito sob a ficha N° 14322/20110406, freguesia e Concelho de …………, inscrito sob parte do artigo cadastral 144, Secção N da referida freguesia e concelho, e inscritas as casas sob os Artigos urbanos 1465 e 1872, da datada freguesia e concelho (Docs. n°s 3 a 7), prédio identificado a azul e rosa na planta junta como Doc n° 8.

Por falecimento do cônjuge da A. A…………., a A. B…………., única filha do de cujus, passou a ser coproprietária do referido imóvel (Doc. n° 9 a 11).

Em 1974, por ocasião das Partilhas referidas em 1 ° ficou a pertencer a D………….,, irmã da A. A…………, o prédio identificado na al. c) da Escritura, assinalado no mapa que constitui o Doc. n° 8 a verde, tendo este último prédio ficado encravado.

A A. A……… permitiu então que a sua irmã usasse o seu terreno para aceder à propriedade, entrando na propriedade da A. A………. pela Estrada Municipal, atravessando o terreno desta em “L” até chegar ao seu prédio, trajeto assinalado a azul na planta que constitui o Doc n.º 8.

Em 1999 foi requerida pela A. A……… certidão de destaque de uma parcela, a parcela de terreno que ficava a Poente do acesso que era usado pela sua irmã para aceder à propriedade, passando a constituir um prédio autónomo por destaque, conforme Ap. 13/100900 (doc. n° 3 e que constitui o prédio identificado a rosa na planta junta como Doc n° 8).

Após o destaque e a venda da parcela destacada, as AA ficaram proprietárias de um prédio com a área de 7063 m2, que integra o acesso à propriedade onde reside o Sr. H………. e as casas e terreno de cultivo das descrita sob a ficha N° 14322/20110406, freguesia e Concelho de ………….., inscrito sob parte do artigo cadastral 144, Secção N e inscritas as casas sob os Artigos urbanos 1465 e 1872, da citada freguesia e concelho, a confrontar, à data da abertura da descrição, do Norte com C…………. e herdeiros de D………., do Sul com E……………, do Poente com I……………, Lda, do Nascente com caminho público, Rua …………. (Docs. n°s 4 a 7)

Após o destaque do prédio, foram construídas, na parcela de terreno destacada, moradias em propriedade horizontal, sem que tivesse ocorrido qualquer cedência de terreno para o domínio público, conforme resulta das telas finais do Proc° de obras E-877/00, informação esta confirmada por informação técnica dos serviços da R. de 2009 constante do proc° C-1555/08 e cuja cópia consta do Proc.° camarário N° 343/Fls/2012 (vid fls 61 a 63 da certidão do Proc.º camarário com o N° 343/FLS/2012, junto como Doc n° 12).

Desde 1974 até à presente data o acesso particular que atravessa a propriedade das AA. apenas foi utilizado por estas, sua irmã e seus familiares, sobrinhos e primos das A.A. e, após 2000, pelos residentes nas moradias referidas no artigo 8° da presente p.i.

E, mesmo após o ano 2000 até à presente data, o acesso particular a partir da entrada das moradias até à propriedade da irmã da A. A…………. só é utilizado pelos descendentes desta, seus familiares e amigos.
10º
O Sr. H………. filho da D………….., sobrinho da A. A…….. e primo da A. B.......... habita no terreno que coube à sua mãe em partilhas, identificado no artigo 4° da presente p.i.
11°
As A.A. vedaram a sua propriedade e colocaram, no acesso à propriedade dos herdeiros da irmã da A. A………….., uma corrente para vedar o acesso à propriedade a estranhos.
12°
Com efeito, durante o início do presente ano de 2012 ocorreram assaltos à propriedade habitada pelo seu sobrinho e às casas dos moradores nas moradias identificadas no artigo 8° da presente p.i., tendo inclusive estes moradores solicitado às AA. que colocassem um portão logo à entrada da propriedade.
13°
Acontece que em 25 de Junho de 2012 o sobrinho da A. A………… foi notificado de que havia sido “declarado público” o acesso à sua propriedade e para se pronunciar por escrito ao abrigo do artigo 100º do CPA sobre a proposta de decisão no sentido de que a intervenção efetuada no caminho era ilegal (Doc n° 13)
14º
Em 26 de Julho de 2012 tiveram as A.A. conhecimento da decisão proferida pela R, e que o caminho assente na propriedade destas havia sido declarado “público”, aquando da notificação, ao referido J………………., da decisão final proferida pela R. (Doc n° 14)
15º
E, só aquando da notificação da resposta da R. à providência cautelar intentada pela A. A……… e seu sobrinho H………., que corre termos no TAF de Almada sob o N° 642/12IBEALM, é que a ora A. A……… tomou conhecimento do teor da certidão emitida pela R. a “declarar público o caminho”, e que consubstancia o Doc n° 1 de tal resposta da R. (Doc n.º15).
16º
Ora, o caminho particular que agora foi “declarado caminho público” pela R. é antes um acesso particular, constituído em consequência de uma divisão entre herdeiros, para acesso a uma única propriedade, a que foi adjudicada à irmã da A. A…… e onde atualmente reside o Sr. H…………..,, acesso este assente em terreno pertencente às AA..
17°
E, tomando a R. por certo de que a mera declaração de dominialidade pública conferia publicidade ao caminho em causa, em 20-07-2012 a R. proferiu uma decisão administrativa, determinando que era aplicável a “Lei 2110, artigos 1° e 2°” (lei que desconhecemos) e o “artigo 39°” (igualmente de diploma legal desconhecido) decidindo que o Sr. H……….., com a sua “intervenção, violou, assim o estipulado nos artigos 1° e 2° da Lei 2110, conjugada ainda, em matéria de rede viária, com a atribuição das Autarquias nos termos do disposto nos artigos 13° (n.° 1, alínea c), e 18°, da Lei 159/99 de 14 de Setembro”, e em consequência, “A colocação de dois postes de madeira, com cerca de 1,20m de altura, colocados no solo, sem recurso a qualquer argamassa, e rede metálica, fechada através de corrente e cadeado, impedindo a circulação em domínio público, sem qualquer autorização emitida pela CMP, é ilegal, não podendo vir a ter enquadramento, pelo que, em obediência ao Princípio da Legalidade, conforme o disposto no n.º 1, do art°. 3º do Código de Procedimento Administrativo (DL. 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Dec. Lei 6/96, de 31 de Janeiro) se determina,
“1- Comunicar a decisão de ordenar a remoção da intervenção acima referida, e reposição as condições anteriores à intervenção ilegal, no prazo de 24 horas, a contar da data da receção da notificação que comunicar a decisão definitiva.
2- Caso a remoção não seja voluntariamente cumprida, deverá ser encetado procedimento de remoção coerciva, com vista à reposição da legalidade, nos termos do Artigo 101 da Lei 2010 “As despesas com os trabalhos de demolição, remoção ou outras a que os proprietários são obrigados nos termos deste regulamento e que, por falta de incumprimento das respetivas notificações dentro dos prazos nela fixados, venham a ser efetuados por pessoal camarário, e bem assim as indemnizações previstas no artigo 99°, quando não pagas voluntariamente, serão cobradas nos termos dos artigos 689° e seguintes do Código Administrativo”. (2° ato administrativo a impugnar na presente ação) (Doc n° 14)
18°
Face ao enquadramento factual de “o caminho ser público”, a R. decidiu que “a intervenção deverá ser enquadrada como ocupação de espaço público e usurpação indevida para proveito próprio/particular” (vid pag. 2 da decisão camarária junta como Doc n° 14).
19º
A decisão da R. foi assim proferida por, segundo esta, o Sr. H………. ter colocado vedação e corrente com cadeado, impedindo a circulação em domínio público, sem qualquer autorização emitida pela R.
20º
Em primeiro lugar, como muito bem sabe a R, as suas decisões, nomeadamente de reconhecimento de domínio público em propriedade privada, padecem de confirmação judicial, o que, no presente caso, não ocorreu.
21º
E, não estando reconhecido a existência de caminho público por Sentença Judicial, não ocorreu aqui qualquer violação da lei por parte das A.A.
22º
Com efeito, estamos perante um acesso particular às casas das A.A., aos moradores das vivendas e à propriedade que foi adjudicada à irmã da A. A……. e onde habita o Sr. H………..
23°
O acesso em causa é privado e está assente em propriedade das AA.
24°
As AA. nunca efetuaram qualquer cedência, ou venda à R. de qualquer parcela de terreno, muito menos da parcela onde está assente o caminho em causa.
25º
E, desde 1974 até à presente data, a R. nunca executou no caminho qualquer obra, ou arranjo de caminho.
26°
Acresce que o caminho, desde a zona intersecionada pela corrente até ao terreno onde habita o Sr. H……….., não dá, nem nunca deu serventia a qualquer outro prédio à exceção deste.
27°
Não ocorre assim no caso “dominialidade pública” do terreno pertencente à A. A……...
28º
Reafirma-se que o caminho que serve de acesso à propriedade onde reside o Sr. H………. (na parte que está vedado), familiares e amigos deste, e nunca serviu para acesso a qualquer outra propriedade desde a data em que foi aberto, em 1974.
29°
E, atualmente, continua a só dar acesso à propriedade onde habita o Sr. H…………….
30º
Aliás, todas as propriedades confinantes estão vedadas por muros e construções de habitações. (Doc n° 16, fotos 1, 2 e 3)
31º
Ao proferir a decisão a R. determinou logo, independente da verificação do trânsito em julgado da decisão administrativa, que fosse removido em 24 horas a correia existente no caminho, sem apresentar qualquer justificação para tal, nomeadamente, a alegação de verificação de interesse público e quais os prejuízos para o interesse público.
32º
Ora, em 2009 a R. proferira proposta de decisão baseada em informação técnica dos seus serviços de acordo com a qual o caminho "em causa não era público” (vid fls. 63, ponto 5 do Doc 8).
33º
Ou seja, entre Setembro de 2009 e Maio de 2012, sem que tenha havido qualquer alteração dos factos, a R. contrariou uma sua anterior posição, decidindo agora, sem se saber com que fundamentos, que o acesso em causa é “público”.
34º
Nunca a R. executou qualquer obra no caminho em causa, nomeadamente arranjo do caminho, colocação de qualquer infra-estrutura, e, a partir da zona interseccionada, só dá acesso à propriedade onde reside o Sr. H………. desde que foi aberto, em 1974.
35º
Em consequência do requerimento feito em 2010 à R. por L………… no processo de destaque C-639/10, o caminho em causa foi declarado “público” pela R.
36º
Ora, em anterior processo de destaque requerido pelos mesmos (Proc.° C-1555/08) o mesmo foi indeferido em virtude de a parcela de terreno que ficava a pertencer a L……… e M………. não confrontar com caminho público (vid. fls. 63, ponto 5 do Doc 8).
37º
A parcela de terreno propriedade de L……… e M………. só constituiu prédio autónomo em 2010 após a certidão de destaque emitida no Proc° de Destaque C-639/10, onde foi declarado, pela referida L…… e seu marido, M……… , para efeitos de obter tal certidão de destaque, que, a Poente, a sua parcela de terreno confrontava com caminho público, o caminho assente na propriedade das A.A.
38°
E, veja-se, que a declaração da referida L……….. é anterior à emissão da declaração de domínio público do caminho pela R (20-05-2012).
39º
Ou seja, por declarações de um munícipe a R, declara que determinado caminho é público.
40º
Ora, como muito bem apontou a ilustre jurista da R, não é por um munícipe declarar que determinado caminho é público é que passa a ser público (vid pág. 65 do Doc. 12)
41º
Os factos são antes outros, a saber:
- na extrema poente do terreno que pertence atualmente à referida L………… e M…………., existem construções com mais de 25 anos, sem qualquer saída para o terreno das AA. ou para o caminho dito “público”, conforme fotos 1 e 2 juntas como Doc. n.º 16.
- Os herdeiros de C……….., os irmãos M………. e N………… herdaram a propriedade que se encontra assinalada na planta que constitui o Doc. nº 8 a encarnado e na planta de fls. 2 do Doc. 12 com a letra “C”.
- Desde há mais de 25 anos sempre os irmãos M…….. e N………. aí residiram, habitando o primeiro as casas assinaladas com a letra “D” e o segundo reconstruiu recentemente as casas assinaladas com a letra “E” e sempre usaram o caminho assinalado na planta com a letra “A” para aceder às casas de cada um, que dá acesso direito à estrada municipal, Rua ……….., (vide planta de fls 2 do Doc 12)
- E, por razões completamente estranhas às A.A. o irmão N……… declarou que pretende impedir o irmão M………. de passar pela propriedade que era do pai de ambos (fls 70, Doc n.° 8) e de usar o acesso aí existente há mais de 25 anos.
- E, a partir dessa data o referido M……… apresenta os factos como sendo as A.A. quem o impede de aceder à sua propriedade, quando tal não corresponde à verdade.
42°
Com efeito, a propriedade do referido M………. não tem saída para a propriedade das A.A., conforme fotos 1 e 2 do Doc. n.° 16 que se juntam.
43º
O acesso em causa nos autos encontra-se assim dentro da propriedade das A.A. e não é de natureza pública.”

2- O Tribunal da comarca de Setúbal veio a julgar-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção, considerando, em síntese, que:
“(...) peticionam as AA. a condenação do Município de Palmela no reconhecimento de propriedade e à restituição da posse do caminho às A.A., nos termos do artigo 1311º e seguintes do Código Civil e, consequentemente ser-lhes reconhecido o direito de vedação e tapagem do seu prédio rústico identificado supra, direito conferido pelo artigo 1356º do Código Civil e, consequentemente ser ainda a R. condenada a abster-se de usar o caminho particular das A.A., e de praticar todos os demais atos que configurem violação do direito de propriedade de que são titulares as A.A. como legítimas donas e possuidoras do prédio identificado no artigo 2º da p.i.; mais se requer seja a R. condenada a pagar às A.A. quantia respeitante ao pedido de indemnização cível pelos danos morais sofridos pelas A.A. em quantia que se estima em 6000,00€ e nos danos patrimoniais que fez incorrer as A.A. por ter sido a R. quem deu causa à presente ação, nomeadamente nos preparos, custas e despesas do processo pagas e a pagar pelas A.A. e nos honorários do mandatário das A.A., sendo esta quantia a pagar a título de danos patrimoniais, a definir em execução de sentença, vencendo-se juros à taxa legal, quanto aos danos morais desde a data da citação e, quanto aos danos patrimoniais, desde a data da sentença até integral pagamento.
“(…) Da Competência Material: (…)
In casu, foi praticado pelo Município um acto indubitavelmente de gestão pública ao declarar público o caminho; acto esse que segundo as A.A. lhes acarretaram danos pelos quais pretendem ser indemnizadas. Sucede que não podem as AA. desta forma pretender que este Tribunal declare sem efeito tal acto, com o mero reconhecimento da propriedade, nem tão pouco pretender que este Tribunal aprecie a bondade de tal acto para dessa forma aferir se assiste razão à pretensão indemnizatória das AA.
Ora, atenta a factualidade sumariamente descrita afigura-se estarmos perante uma relação jurídica administrativa, tendo em conta, não só a natureza dos sujeitos envolvidos, concretamente da C.M. Palmela, mas também, e vincadamente, à natureza pública do acto invocado pelas AA. como causador dos danos cujo ressarcimento é peticionado, e dos interesses através dele manifestamente prosseguidos, os quais evidenciam uma clara ambiência de direito público.
Pelo que e, nos termos dos artigos 1º e 4º do ETAF, do artigo 18.º da LOFTJ e dos artigos 62º, nº2, 66º e 67º do Código de Processo Civil, o tribunal judicial desta comarca é incompetente, em razão da matéria para conhecer da presente acção.…”

3- Face a essa decisão, as AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por Acórdão, de 11 de Julho de 2013, manteve a decisão recorrida, julgando o recurso improcedente, por a competência em razão da matéria para conhecer do peticionado pertencer aos tribunais administrativos (fls. 140).

4- As AA. vieram então mover uma acção administrativa especial, no Tribunal de Almada, formulando o mesmo pedido, assente na mesma causa de pedir, que se julgou igualmente incompetente, em razão da matéria, para julgar o peticionado, porquanto “o presente processo visa predominantemente obter o reconhecimento por parte das AA. da titularidade de um caminho”.

5- As AA. recorrem para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto nos «art.s 110º e 111º, nº2 do CPC, para resolução do Conflito negativo de competência entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e os Tribunais comuns», apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1- Em Setembro de 2012 as ora A.A. intentaram acção declarativa de condenação nos tribunais comuns, tendo corrido termos sob o Proc.° 7438/09.6TBSTB, do 3.° Juízo Cível do Tribunal de Comarca de Setúbal, conforme Doc n.º 1, na qual peticionavam contra a R. o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Exa. entender por convenientes, deve ser considerada procedente por provada a presente ação e, em consequência, proceder-se ao reconhecimento de propriedade e à restituição da posse do caminho às AA, nos termos do artigo 1311º e seguintes do Código Civil e, consequentemente ser-lhes reconhecido o direito de vedação e tapagem do seu prédio rústico identificado supra, direito conferido pelo Artigo 1356° do Código Civil e ser ainda a R. condenada a abster-se de usar o caminho particular das A.A., e de praticar todos os demais atos que configurem violação do direito de propriedade de que são titulares as A.A. como legítimas donas e possuidoras do prédio identificado no artigo 2° da presente p.i.
Mais se Requer seja a R. condenada a pagar às A.A. quantia respeitante ao pedido de indemnização cível pelos danos morais sofridos pelas A.A. em quantia que se estima em 6.000,00€ e nos danos patrimoniais que fez incorrer as A.A. por ter sido a R. quem deu causa à presente ação, nomeadamente nos preparos, custas e despesas do processo pagas e a pagar pelas A.A. e nos honorários do mandatário das A.A., sendo esta quantia a pagar a título de danos patrimoniais, a definir em execução de sentença, vencendo-se juros de mora à taxa legal, quanto aos danos morais desde a data da citação da R. e, quanto aos danos patrimoniais, desde a data da sentença até integral pagamento.”
2- A acção teve origem em ato administrativo proferido pela Recorrida em 20-07-2012, no qual a R. ordenava a remoção de dois postes de madeira, com cerca de 1,20m de altura, colocados no solo, sem recurso a qualquer argamassa, e rede metálica, fechada através de corrente e cadeado, porque, segundo a Recorrida a colocação impedia a circulação em domínio público, sem qualquer autorização emitida pela CMP, tratando-se de “…ocupação de espaço público e usurpação indevida para proveito próprio/particular…” (vid pag. 2 da decisão camarária).
3- A ora Recorrida entendia pois que o caminho no qual haviam sido colocados dois postes de madeira, rede metálica e uma corrente constituía domínio público.
4- Em maio de 2012 a Recorrida emitiu certidão a declarar público o caminho em causa nos autos, sem conhecimento das ora Recorrentes, não tendo estas sido sequer notificadas de tal ato administrativo, quer anteriormente à sua prática, quer posteriormente, só tendo tido conhecimento dele em 26 de julho de 2012, e conhecimento da certidão em setembro de 2012.
5- Ora, o caminho não integra domínio público, sendo uma passagem existente sobre o prédio das A.A. desde 1974, em consequência de partilhas de acervo hereditário dos pais da A. A……….., e sempre utilizada apenas pelos familiares das A.A. e do J………. desde 1974 até aos dias de hoje.
6- O acesso em causa nos autos encontra-se assim dentro da propriedade das A.A. e é de natureza privada, não se verificando os pressupostos obrigatórios e cumulativos para a qualificação de um caminho como público, ou seja,
- O seu uso direto e imediato pelo público desde tempos imemoriais,
E
- na utilização pela entidade pública ou prática de atos administrativos.
7- Foi ainda peticionado pedido de indemnização cível pelos prejuízos e danos morais sofridos pelas ora Recorrentes em consequência da declaração de dominialidade pública de parte sua propriedade.
8- No Proc.° 7438/09.6TBSTB do 3º juízo cível do Tribunal de Setúbal, foi proferido Despacho saneador Sentença, a dar como verificada a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal, decidindo que “nos termos dos artigos 1° e 4° do ETAF, do artigo 18° da LOTJ e dos artigos 62°, n.° 2, 66°, 67° do Código de Processo Civil, o tribunal judicial desta comarca é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação.”, determinando a incompetência absoluta do Tribunal judicial da comarca de Setúbal e, em consequência, a absolvição da instância da R. — “... nos termos dos artigos 101º, 105°, n.° 1 e 288°, n.° 1, al. a), 493°, n.° 2, 494º, al. a), todos do CPC.”
9- As ora Recorrentes interpuseram recurso para o TR de Évora, tendo sido notificadas a 05 de setembro de 2013 de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em que julgou improcedente o recurso e competentes em razão da matéria os Tribunais administrativos para decidir sobre o mérito da causa.
10- Em 24 de setembro de 2013, dentro do prazo de 30 dias consignadas na 1.ª parte do artigo 289° do CPC, e ao abrigo dos artigos 288° e 289° do CPC, foi intentada pelas ora Recorrentes junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada ação administrativa nesse Tribunal, em consequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que corre termos no TAF de Almada sob o N.° 879/13.6BEALM, e requerida a citação urgente da R. Município, para aproveitamento dos efeitos derivados da proposição da primeira ação.
11- Na ação intentada junto do TAF de Almada, eram relatados os mesmos factos e efectuou-se o mesmo pedido que na ação intentada no Tribunal da Comarca de Setúbal
12- Em 15 de dezembro de 2013 foram as A.A. notificadas de Douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Almada a considerar-se materialmente incompetente para “julgar o peticionado direito de propriedade do identificado caminho, absolvendo” a R. da instância, “nos termos dos Artigos 577°, al. a), 476°, n.° 2, ambos do CPC, ex vi Art° 1.º CPTA”. (vid sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz no Proc.° 879/13.6BEALM, da secção administrativa do TAF de Almada)
13- Ocorre assim conflito negativo de competência entre os Tribunais judiciais e tribunais administrativos, pois ambos os Tribunais se julgam incompetentes em razão da matéria para o conhecimento do mérito da causa, os tribunais comuns e os tribunais administrativos.
14- De acordo com o disposto nos artigos 110º e 111º, n.° 2 do CPC, cabe ao Tribunal dos Conflitos dirimir o presente conflito negativo de competências e definir a quem pertence a competência no caso de reivindicação do direito de propriedade e responsabilidade extracontratual da R..
Nestes termos e nos mais de direito, nomeadamente dos artigos 110º e 111º, n.° 2 do CPC, Requer-se ao Tribunal dos Conflitos que dirima o presente conflito negativo de competências e defina a quem pertence a competência em razão da matéria para o conhecimento de mérito da reivindicação do direito de propriedade das A.A. e responsabilidade extracontratual da R. no presente caso, e, em consequência, proceda-se ao reenvio do processo para o tribunal competente em razão da matéria com vista à decisão de mérito quanto ao reconhecimento de propriedade e à restituição da posse do caminho às A.A., nos termos do artigo 1311° e seguintes do Código Civil com vista e, consequentemente ser-lhes reconhecido o direito de vedação e tapagem do seu prédio rústico identificado supra, direito conferido pelo Artigo 1356° do Código Civil e ser ainda a R. condenada a abster-se de usar o caminho particular das A.A., e de praticar todos os demais atos que configurem violação do direito de propriedade de que são titulares as A.A. como legítimas donas e possuidoras do prédio identificado no artigo 2° da presente p.i. e ainda que seja a R. condenada a pagar às A.A. quantia respeitante ao pedido de indemnização cível pelos danos morais sofridos pelas A.A. em quantia que se estima em 6.000,00€ e nos danos patrimoniais que fez incorrer as A.A. por ter sido a R. quem deu causa à presente ação, nomeadamente nos preparos, custas e despesas do processo pagas e a pagar pelas A.A. e nos honorários da mandatário das AA., sendo esta quantia a pagar a título de danos patrimoniais, a definir em execução de sentença, vencendo-se juros de mora à taxa legal, quanto aos danos morais desde a data da citação da R. e, quanto aos danos patrimoniais, desde a data da sentença até integral pagamento.”

6- O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer (fls. 867-869), no sentido da competência da jurisdição comum.

7- Cumpre apreciar e decidir.

7-1- Como se escreveu no Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 9/3/2004, proc n° 0375/04 e constitui entendimento pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência: A competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta “seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes).”
Constitui também entendimento pacífico o de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como a configura o A., e que se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (cfr., entre outros, o recente Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 27/14, de 25/9/2014).
No caso em apreço, como resulta do ponto 1-, as Requerentes pretendem, em síntese, que:
- Lhes seja “declarado o reconhecimento, a seu favor, da propriedade do identificado caminho, e a consequente restituição da sua posse, nos termos do artigo 1311º e seguintes do Código Civil e, consequentemente ser-lhes reconhecido o direito de vedação e tapagem do seu prédio rústico identificado supra, direito conferido pelo Artigo 1356° do Código Civil e ser ainda a R. condenada a abster-se de usar o caminho particular das A.A., e de praticar todos os demais atos que configurem violação do direito de propriedade de que são titulares as A.A. como legítimas donas e possuidoras do prédio identificado no artigo 2° da presente p.i.”;
- A R. seja condenada a “pagar-lhes a quantia respeitante ao pedido de indemnização cível pelos danos morais sofridos, em quantia que se estima em 6.000,00€ e nos danos patrimoniais, por ter sido a R. quem deu causa à presente ação, nomeadamente nos preparos, custas e despesas do processo pagas e a pagar pelas A.A. e nos honorários do mandatário das A.A., sendo esta quantia a pagar a título de danos patrimoniais, a definir em execução de sentença, vencendo-se juros de mora à taxa legal, quanto aos danos morais desde a data da citação da R. e, quanto aos danos patrimoniais, desde a data da sentença até integral pagamento.”
Assim sendo, no caso dos autos, como bem se refere no douto parecer do Ministério Público “(…) a pretensão material dos AA. fundamenta-se no seu alegado direito de propriedade que a Câmara Municipal de Palmela, eventualmente, não terá respeitado. Não existe aqui qualquer relação jurídico administrativa em que esta Autarquia actue na prossecução de qualquer interesse público através do cumprimento de uma qualquer norma de direito administrativo para a realização de uma função pública.
O pedido das autoras tem fundamento no art. 1311º do C.C. (acção de reivindicação) pela qual pretendem, pois, ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o terreno que aquela declarou público (…).”No caso, a Autarquia está ao mesmo nível dos particulares no que respeita à lide em si mesma considerada.”
Com efeito, esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a dada altura as AA. se referirem à existência de uma declaração da R. no sentido da natureza dominial do caminho em causa, uma vez que no contexto da presente acção poderá apenas valer como mero documento de prova.
Também não põe em causa a conclusão a que se chega o facto de as AA. cumularem o pedido de reivindicação da propriedade do caminho em causa com um pedido indemnizatório, uma vez que este vem no seguimento desta pretensão inicial e como consequência dela.
Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 27/14, atrás citado, “(…) porque a relação jurídica em causa nos presentes autos não se enquadra no art. 1º, nº1, ou em qualquer das als. do art. 4º, nº1, do ETAF, uma vez que as pretensões formuladas radicam no direito real de propriedade invocado pelo autor, sendo a questão da propriedade a questão prevalecente da relação jurídica destes autos, a competência material para decidir a presente acção cabe ao tribunal judicial e não a este tribunal administrativo e fiscal.
“Aliás, não pode olvidar-se que, nos termos preceituados pelo art. 91º, nº1, do CPC, “o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.”
“Ou seja, a prévia determinação, a montante e nos termos que ficaram assinalados, da competência, em razão da matéria, legitima sempre, nos termos do disposto neste art. e com a compressão constante do respectivo nº 2, a extensão da correspondente competência ao tribunal, originariamente, tido por competente, retirando qualquer relevância, na perspectiva considerada, aos termos em que a R. possa contestar a respectiva acção.”
Por tudo o que vai exposto, não podemos deixar de concluir que, no caso em apreço, nos confrontamos com uma típica e paradigmática acção de reivindicação, atento o pedido e causa de pedir, nos termos do disposto no art. 1311ºss. do Código Civil, sendo que “a «reivindicatio» não cabe na previsão do art. 4°, n.° 1, al. g), do ETAF”, e porque também “não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as acções de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual nos termos do art. 66° do CPC”. Neste sentido, existe jurisprudência reiterada e pacífica do Tribunal de Conflitos, nomeadamente nos Ac. Trib. Conflitos nºs 013/14, de 19.06.2014, 018/13, de 18.12.2013, 032/13, de 26.09.2013, 012/10, de 09.06.2010, 020/11, de 16.02.2012, que se debruçaram sobre acções de reivindicação.
Assim sendo, limitar-nos-emos a acompanhar o Ac. 013/14, de 19.06.2014, onde ficou consignado:
“(…)«Salvo o devido respeito pela opinião em contrário, não se nos oferecem dúvidas que o desenho da causa de pedir e dos pedidos apresentados pelos autores quadram, perfeitamente, no âmbito da acção de reivindicação, contemplada no art. 1311.º do Código Civil (CC).
Na verdade, os autores cingem-se a pedir que sejam declarados como donos e legítimos proprietários do imóvel identificado supra e, em consequência, a condenação do réu a restituir a parcela de terreno e o imóvel (...) em causa, …… em que está implantado no referido terreno. Ou seja, a questão a dirimir traduz-se em mera reivindicação de propriedade privada, não obstante uma das partes ter feição pública – o Município de […].
Com efeito, a acção de reivindicação, prevista no art. 1311.º do CC, é uma típica manifestação do direito de sequela, visando afirmar o direito de propriedade e pôr fim à situação ou actos que o violem, tendo como primeiro objectivo a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objecto desse direito. (Salientam Antunes Varela e Pires de Lima: “A acção de reivindicação prevista neste artigo [art. 1311.º] é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela” - cf. Código Civil Anotado, 2.ª edição, 1987, Volume III, pág. 112.)
Compete aos autores, nesta acção, provar que são proprietários, constituindo o facto jurídico de que emerge a propriedade a causa de pedir da acção de reivindicação, tendo eles de alegar, como o fizeram, que a coisa se encontra em poder do réu. Destarte, para a procedência da acção tornar-se-á necessária a comprovação, por um lado, de um requisito subjectivo, que consiste em serem os autores os proprietários da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objectivo, consistente na identidade entre a coisa reivindicada e a (ilegitimamente) possuída pelo réu, cujo ónus da prova incumbe aos autores/reivindicantes, por serem factos constitutivos do seu direito – art. 342.º, n.º 1, do CC. Comprovada a propriedade do imóvel e que este se encontra detido por terceiro, a sua entrega ao reivindicante só pode ser contrariada com base em situação jurídica (obrigacional ou real) que legitime a recusa de restituição – cf. 1311.º, n.º 2, do CC –, i.e., mediante a alegação e prova, pelo demandado – por via de excepção –, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito e integradores de qualquer relação obrigacional ou real que o obstaculizem – cf. art. 342.º, n.º 2 do CC.
Assim sendo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal Judicial de … e …, no caso em apreço as questões decidendas não emergem de uma relação jurídica administrativa, nem os autores fundamentam o seu pedido de entrega do imóvel em quaisquer normas de direito administrativo: a alusão feita pelos autores, na sua petição inicial, aos normativos … é meramente incidental e não tem qualquer autonomia dogmática para efeitos de transmutar o pedido privatístico de reconhecimento do direito de propriedade numa qualquer relação jurídica de cariz publicista e de natureza administrativa».
E no acórdão proferido no processo nº 12/10 já se havia julgado, em termos igualmente transponíveis para o presente caso:
«Com efeito, as acções de reivindicação são reais, o que imediatamente as distingue das acções de responsabilidade civil, que têm natureza obrigacional. A devolução da coisa, pedida pelo «dominus» que a reivindica, não constitui uma qualquer indemnização «in natura», mas a lógica consequência da sequela, que é um atributo característico dos direitos reais. E nem sequer é exacta outra tese do acórdão — a de que a «reivindicatio» visa ‘a reposição no estado anterior ao acto ofensivo do direito’ de propriedade; pois a reivindicação tem por fim típico a devolução da coisa no seu estado actual, pedido a que poderá acrescer um outro, que será de ressarcimento, se esse estado for pior do que era antes por responsabilidade do detentor.
É desnecessário aduzir mais argumentos, ante a evidência de que a acção dos autos, enquanto acção de reivindicação, é alheia a uma qualquer responsabilidade extracontratual do réu. Donde se segue que a premissa menor do silogismo judiciário enunciado no acórdão ‘sub censura’ é falsa, inquinando a respectiva conclusão.
Ora, não há no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de acções de reivindicação (‘vide’, a propósito, o seu art. 4°). Solução que bem se compreende, pois o que nelas essencialmente se discute é a questão, puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo ‘dominus’ existe e é oponível ao réu, por forma a tirar-lhe a detenção da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público — se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a sua detenção.
Consequentemente, é de concluir que a competência «ratione materiae» para conhecer da presente acção de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns».
Conclui-se, assim, no quadro jurisprudencial exposto, totalmente aplicável ao caso dos autos, que incumbe aos tribunais judiciais o conhecimento da acção.

7-2- Conclui-se, assim, no quadro jurisprudencial exposto, totalmente aplicável ao caso dos autos, que incumbe aos tribunais judiciais o conhecimento da presente acção.

8- Decisão

Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais judiciais.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Ana Paula Lopes Martins Boularot – José Augusto Araújo Veloso – António Leones Dantas.