Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:012/06
Data do Acordão:07/11/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:RIBEIRO DE ALMEIDA
Descritores:ACTO DE GESTÃO PÚBLICA.
ACTO DE GESTÃO PRIVADA.
CÂMARA MUNICIPAL.
CHAMAMENTO A DEMANDA.
AQUISIÇÃO DE BENS.
Sumário:I - Acto de gestão pública define-se como sendo o que se compreende no exercício de um poder público, integrando a sua prática, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independente do uso de meios de coerção ou de regras de ordem técnica a observar.
II - gestão privada compreende-se na actividade do ente público quando despido de poder público, encontrando-se a actuar numa posição de paridade com os particulares a que o acto respeita, ou seja, tal e qual como actua um particular.
III - Sendo a acção proposta contra um particular, por outro particular, não é pelo facto de ser chamada uma Câmara Municipal que se pode concluir que está em causa um interesse público.
Nº Convencional:JSTA00063474
Nº do Documento:SAC20060711012
Data de Entrada:03/23/2006
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DE S. JOÃO DA MADEIRA E O TAF
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC RP.
Decisão:DECLARAÇÃO COMPETENTE TRIBUNAL JUDICIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONTRATO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPC96 ART66.
LOFTJ99 ART18 N1.
ETAF02 ART1.
DL 197/99 DE 1999/06/18.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG207.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
1) Em recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, julgou incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.
Tal entendimento do tribunal filiou-se no facto da matéria controvertida ser subsumível ao contrato de fornecimento regulado pelo Decreto-Lei 197/99 de 8/06, e por isso ser da competência dos tribunais administrativos como estabelecido na alínea e) do Artigo 4º do ETAF aprovado pela Lei 13/2002 de 19/02.
2) A... intentou acção de condenação contra B..., tendo a Câmara Municipal de São João da Madeira intervindo na acção na qualidade de chamada.
A Autora alega na sua petição inicial e em resumo que exerce a actividade de fabricação, comercialização, importação e exportação, representação, colocação de equipamentos ambientais e gestão de projectos ambientais e gestão de resíduos.
No exercício da sua actividade profissional a Autora forneceu à Réu B..., a pedido desta, mercadorias no valor global de € 87.539,02.
Na sua contestação a Réu B... alega, no que para a excepção assume relevância, que o material, equipamento em causa foi encomendado pela Câmara Municipal de S. João da Madeira, tendo sido instalado em terreno da autarquia, sem nunca ter passado pela posse da Réu B.... Mais diz que a B... não teve qualquer interferência na montagem do material em causa e que o mesmo tem sido utilizado pelos munícipes de S. João da Madeira.
A Câmara entende que é matéria controvertida saber quem encomendou tais equipamentos, quem os usa e a quem compete o pagamento dos mesmos.
- Tal matéria é subsumível aos contratos administrativos de fornecimentos, cujo regime de direito público está consagrado no Decreto-lei n° 197/99 de 8 de Junho.
3) O Exmo. Procurador emitiu parecer no sentido de que deve ser atribuída a competência aos tribunais comuns.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
4) Os factos são os que constam em 2).
5) A única questão a resolver consiste em saber se competentes para apreciar a causa são os Tribunais Administrativos como foi decidido ou se são competentes os Tribunais Judiciais comuns, como defende o Exmo. Procurador.
Dentro da organização judiciária os Tribunais Judiciais gozam de competência genérica, tendo os tribunais de outra ordem jurisdicional, uma competência limitada em razão da matéria que lhe compete apreciar. Aqueles constituem a regra e gozam, por isso, de competência não discriminada e assim também residual.
A competência em razão da matéria distribui-se por “categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhum relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre eles - Prof. Antunes Varela — “Manual de Processo Civil” 2ª ed, pág. 207.
Não cabendo a causa na competência de nenhum tribunal especial, será o tribunal comum o competente - cf. Artigo 66 do Código Processo Civil.
Entre os Tribunais especiais, e no que ao caso interessa, compete aos tribunais administrativos e fiscais, os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com excepção daqueles que o legislador atribua a outra jurisdição - cf. Artigo 1º do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002 de 19/02 alterada pela Lei 4-A/2003 e 107-D/2003.
Por não bastar a qualidade pessoal da chamada - Câmara Municipal - para se poder afirmar que ela no caso concreto prossegue um interesse público e ainda menos que o seu procedimento tivesse de ser sujeito ao regime pré-contratual de aquisição de bens aprovado pelo citado Decreto-Lei 197/99 de 8/06, este sim da competência dos Tribunais Administrativos, o que não é tema de discussão nestes autos. Mas dos elementos que constam dos autos não se pode concluir que exista uma relação jurídica constituída pela celebração de um contrato subsumível a procedimento pré-contratual, pelo que o Decreto-Lei invocado não se aplica.
A causa de pedir que subjaz ao pedido decorre da responsabilidade civil pelo não pagamento do preço de material fornecido á Ré.
É da competência dos Tribunais Administrativos conhecer das acções em que se discuta a responsabilidade do Estado e demais entes públicos - entre eles as autarquias - por pedidos de indemnização por danos decorrentes da gestão pública.
A Ré imputa á Câmara a compra dos equipamentos ambientais e seu uso, tendo tão só intermediado o negócio com a Autora.
Acto de gestão pública define-se como sendo o que se compreende no exercício de um poder público, integrando a sua prática, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independente do uso de meios de coerção ou de regras de ordem técnica a observar.
Gestão privada compreende-se na actividade do ente público quando despido de poder público, encontrando-se a actuar numa posição de paridade com os particulares a que o acto respeita, ou seja, tal e qual como actua um particular.
Acontece que se discute nos autos quem procedeu á encomenda dos equipamentos, quem os usa e quem os deve pagar.
Ora a aquisição ou não dos equipamentos é um acto de gestão privada, e não é pelo facto de intervir uma Câmara que se pode e deve afirmar, sem mais, que persegue um interesse público, e muito menos que a aquisição do equipamento tivesse que estar sujeito ao regime do Decreto-Lei 197/99.
O Tribunal competente em razão da matéria é o tribunal comum.
6) No caso não se pode afirmar a existência de uma relação jurídica regulada por normas de direito público.
Acorda-se em declarar competente para apreciar e conhecer da acção em causa a jurisdição comum - Artigo 18 n.º 1 da LOFTJ.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Julho de 2006. Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida (relator) – Fernando Manuel Azevedo Moreira – João Vaz dos Santos Carvalho - Rosendo Dias José – José Norberto de Melo Baeta de Queiroz – António Alves Velho