Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:0225/20.2T8AMT.P1.S1
Data do Acordão:04/17/2024
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Sumário:Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer da pretensão de justiça em que a/o requerente pede ao tribunal a suspensão de processos de execução fiscal que não foram apensados ao processo de insolvência, entretanto encerrada e a apreciação da “nulidade dos atos/omissões da AT por violação dessa suspensão”.
Nº Convencional:JSTA000P32204
Nº do Documento:SAC202404170225
Recorrente:AA
Recorrido 1:BB
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: recurso

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O Tribunal dos Conflitos, acorda: ------

1. Relatório:


AA apresentou-se à insolvência que requereu em 6/02/2020, no Juízo de comércio de Amarante. Tribunal que, por sentença de 04/03/2020, transitada em julgado, declarou a insolvência da ora recorrente e que, além do mais determinou “a avocação de todos os processos de execução fiscal eventualmente pendentes, que serão apensados aos presentes autos, cfr. artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (…)”.


Por decisão de 23/06/2020, transitada em julgado, foi declarado encerrado o processo de insolvência, declarando-se cessados os efeitos da declaração de insolvência e cessadas as funções da administradora com dispensa da apresentação de contas.


Por decisão de 14/07/2020, transitada em julgado, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela requerente.


Em 30/12/2022 a insolvente veio requerer que se “...notifique a Administração Tributária e Aduaneira (AT) para: ------

i. Aplicar retroativamente à situação fiscal da Insolvente, os efeitos da declaração de insolvência, designadamente os previstos nos artigos 85.º e 88.º do CIRE;

ii. Regularizar os valores em dívida e os novos processos instaurados, eliminando todas as coima e juros de mora vencidos em data posterior à declaração, ficando em débito o valor reclamado (€34.002,08); e a

iii. Proceder ao levantamento da penhora existente sobre o veículo com a matrícula ..-..-DS.

E bem assim “a notificação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes I.P., para proceder ao cancelamento da matrícula ..-..-DS.”.


Por despacho de 09/01/2023, foi ordenada a audição da fiduciária e da AT.


De seguida e após esclarecimentos prestados pela AT, a Insolvente apresentou vários requerimentos em que manteve aqueles pedidos.


O tribunal, por despacho de 22.02.2023 indeferiu o pedido de notificação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP para que cancele a matrícula do automóvel “uma vez que o veículo automóvel não foi objeto de apreensão nestes autos, tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa”.


A insolvente, ora recorrente, por requerimento apresentado em 7/03/2023 peticionou ao tribunal que “sejam declarados nulos todos os atos praticados e omitidos após a declaração de insolvência pela AT, colocando a Insolvente na situação em que estaria se o disposto nos artigos 88.º e 242.º n.º 1 do CIRE tivesse sido respeitado”.


Em 28/04/2023, foi proferido despacho de onde consta: ----


"O Tribunal já decidiu o que lhe foi suscitado pela insolvente.


De facto, o Tribunal não determinou o cancelamento da matrícula do veículo, em virtude de tal bem não ter sido apreendido para os autos, e determinou que a AT esclarecesse os valores penhorados durante o período de cessão.


Prestada esta informação, o Tribunal determinou que a Sra. AI solicitasse a devolução dos valores que foram indevidamente penhorados, aguardando-se que a mesma concretize tal pedido e dele dê conhecimento aos autos.


Por fim, o Tribunal também tomou posição no sentido de que as dívidas vencidas após a insolvência, não caem na proteção conferida pelo deferimento liminar do pedido da exoneração do passivo restante.


Assim sendo, apenas resta determinar que a Sra. AI informe se já solicitou que a AT devolvesse os valores indevidamente penhorados, o que deverá fazer no prazo de 10 dias.


O demais, nomeadamente, o cancelamento da matrícula e a contestação de apreensão de valores referentes a dívidas constituídas após a declaração de insolvência, terão de ser solucionados pela devedora mediante mecanismo processual que entenda adequado, que não é o destes autos".


Inconformada, a insolvente interpôs recurso para a 2.ª instância terminando a pedir que se: ----

a) declarassem “nulos todos os atos praticados e omitidos pela AT, colocando a Insolvente na situação em que estaria se o disposto nos artigos 88.º e 242.º n.º 1 do CIRE tivesse sido respeitado. E, bem assim, sejam regularizados os valores em dívida e os novos processos instaurados, eliminando todas as coimas e juros de mora aplicados em data posterior à declaração de insolvência”;

b) considerasse “suspensa, desde a declaração de insolvência, a execução fiscal n.º ..............76 (instaurada em 11/09/2014) e ordene o levantamento da penhora do veículo ..-..-DS, realizada após a declaração de insolvência;

c) lhe seja devolvida a quantia de €185 (cento e oitenta e cinco euros) indevidamente penhorada pela AT, relativamente ao IRS de 2021, por este valor se enquadrar no rendimento disponível”.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 26/09/2023, julgou a apelação improcedente.


Da fundamentação do acórdão recorrido consta, de relevante para o que aqui importa, o seguinte: -----


Queixa-se a insolvente/apelante que a Autoridade Tributária e Aduaneira não suspendeu as diligências executivas que levou a cabo nos processos de execução fiscal, cujos créditos foram reclamados nos presentes autos e prosseguiu com as ações executivas e intentou novas execuções.


Resulta da conjugação do disposto no art. 64.º do C.P. Civil e do art. 40.º, n. º 1, da LOSJ que os tribunais judiciais têm uma competência residual, isto é, têm competência para decidir as causas que não sejam atribuídas a outros tribunais. Já os tribunais administrativos e tributários têm a sua competência limitada às causas que lhes são especialmente atribuídas.


Ora, como é sabido o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional, cfr. art. 103.º da Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98 de 17.12). Por norma, a execução fiscal corre termos nas repartições de finanças com exceção dos atos jurisdicionais atribuídos aos tribunais tributários, pois a estes compete o conhecimento "dos incidentes, embargos de terceiros, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantados nos processos de execução fiscal, cfr. art. 49.º, n.º 1, do ETAF (Lei n.º 13/2012 de 19.02).


Competência, essa, que é ainda firmada no art. 151.º, n.º 1 do CPPT (DL n.º 433/99 de 26.10) que preceitua "compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área onde correr a execução (...) decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos atos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal".


Do exposto resulta que é do mais residual bom senso, sem olvidar que a insolvente/apelante se encontra devidamente representada por profissional forense, que jamais seria competência dos tribunais comuns apreciar da validade e declarar uma qualquer nulidade de atos praticados e/ou omitidos pela AT no âmbito de processos de execução fiscal que nem sequer foram avocados e consequentemente apensados aos autos de insolvência, enquanto estes estiveram pendentes.


Daí que sobre o insólito pedido da insolvente/apelante, a 1.ª instância, que corretamente e à luz do princípio da cooperação diligenciou junto das entidades visadas pelas queixas da insolvente para apurar da sua realidade, veio depois a decidir em sede de despacho recorrido, além do mais, que "...o Tribunal ... determinou que a AT esclarecesse os valores penhorados durante o período de cessão. Prestada esta informação, o Tribunal determinou que a Sra. AI solicitasse a devolução dos valores que foram indevidamente penhorados, aguardando-se que a mesma concretize tal pedido e dele dê conhecimento aos autos. (...) apenas resta determinar que a Sra. AI informe se já solicitou que a AT devolvesse os valores indevidamente penhorados, o que deverá fazer no prazo de 10 dias. ... O demais, nomeadamente, o cancelamento da matrícula e a contestação de apreensão de valores referentes a dívidas constituídas após a declaração de insolvência, terão de ser solucionados pela devedora mediante mecanismo processual que entenda adequado, que não é o destes autos".


Finalmente, sempre se dirá ainda que relativamente ao veículo automóvel, pelo que conseguimos concluir ainda da propriedade da insolvente/apelante de matrícula ..-..-DS, verifica-se que o mesmo, conforme respetivo relatório da AI, não logrou ser apreendido para a massa insolvente por ser desconhecido o seu paradeiro. Contudo verifica-se também que o mesmo se encontra penhorado pela AT à ordem de determinadas execuções fiscais, desde 4.12.2019 e assim se mantém.


Em suma, tendo a AT desrespeitado, como assume, o preceituado no art. 88.º do CIRE, é dever da Sr. AI, ora fiduciária, solicitar os respetivos valores apurados para a ora fidúcia.


Quanto ao mais, nomeadamente no que respeita ao suprarreferido veículo automóvel, estando a ora insolvente/apelante inconformada com a atuação da AT relativamente a outros processos de execução fiscal ainda contra ela pendentes, deverá diligenciar, querendo, junto de tal entidade pela defesa dos seus interesses e direitos que entende violados.”.


AA, notificada, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.14.º, n.º 1, 2.ª parte, do CIRE, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e a substituição por outro que “considere competentes os tribunais judiciais para apreciar a suspensão dos processos de execução fiscal e apreciar a nulidade dos atos/omissões da AT por violação dessa suspensão”.


Não houve resposta.


O Exmo. Conselheiro Relator, por despacho de 05/01/2024, convolou o recurso de revista em recurso para o Tribunal dos Conflitos.

2. Parecer do Ministério Público:


O Digno Procurador-geral Adjunto, na vista dos autos a que alude o art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, emitiu parecer no qual, aderindo aos fundamentos do acórdão recorrido e louvando-se no acórdão de 08-07-2021, tirado no processo n.º 021/20, do Tribunal de Conflitos e entendendo que tendo já ocorrido o encerramento do processo de insolvência sem que tenha havido avocação dos processos de execução fiscal, não pode agora ter lugar, “motivo por que o juiz da insolvência não é competente para conhecer das questões enunciadas pela recorrente”, pronuncia-se no sentido de o recurso ser decidido com a atribuição da competência material para conhecer da matéria em causa à jurisdição administrativa e fiscal.


3. Objeto do recurso:


Resulta do pedido da recorrente que a questão a decidir consiste em definir que a que jurisdição – à dos tribunais comuns ou dos tribunais comuns – compete, em razão da matéria, conhecer do pedido de “suspensão dos processos de execução fiscal e apreciar a nulidade dos atos/omissões da AT por violação dessa suspensão”.


4. Fundamentação:

a. o direito:

É entendimento assente e reafirmado, vertido entre outros no Acórdão de 08/11/2018, tirado no processo n.º 020/18, que: “como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…)


A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].1.


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Estabelece o art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.


Regulando aquele comando constitucional, o art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário/LOSJ) dispõe que “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Nos termos do art. 64.º do Código de Processo Civil (CPC) “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Dispõe o art. 65.º do CPC que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.


A competência material dos juízos de comércio está estabelecida no art.º 128.º da LOSJ, competindo-lhe, designadamente (para o que aqui releva) “preparar e julgar: a) os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização”, incluindo “os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.


Nos termos do art. 212.º, n.º 3, da CRP “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.


Os tribunais administrativos, “por seu turno, não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]2


Também, segundo o art. 144.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, “Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.


Dispõe o art. 1.º, n.º 1, do ETAF (na redação da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro), que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.


Estabelecendo o referido art.º 4.º que compete aos tribunais administrativos e fiscais, designadamente, “a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas” à “a) Tutela de (…) direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais” e relativas a “relações jurídicas administrativas e fiscais que não” estejam excluídas nos termos dos n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito.


Nos termos do art.º 49.º do ETAF aos tribunais tributários compete conhecer, além da mais: -----------------

“iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;

iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;

b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;

c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;

Ainda, de acordo com o n.º 1 do art. 151.º do CPPT, “compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio ou sede do devedor originário, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal”.


Nos termos do art. 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT): ------


1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada a insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.


2 - O tribunal judicial competente avoca os processos de execução fiscal pendentes, os quais são apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.


(…)


4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.”.


Dispõe o art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE): ------


1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.


2 - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.


E, segundo o art. 88.º do CIRE: ------


1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.


2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados, e nas quais hajam sido penhorados bens compreendidos na massa insolvente, é apenas extraído e remetido para apensação traslado do processado relativo ao insolvente.


3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.


4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.”.


Por fim, determina o art. 230.º, n.º 1, al. d), do CIRE que “Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento (…) d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”.


b. apreciação:


Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, foi declarada a insolvência da ora recorrente AA.


Por decisão, também transitada em julgado, foi liminarmente admitido o pedido da insolvente de exoneração do seu passivo restante.


Apesar de ter sido determinada, verifica-se que não ocorreu a avocação dos processos de execução fiscal e que, consequentemente, não foram apensados ao processo da insolvência.


Por sentença, igualmente transitada em julgado, atenta a insuficiência da massa insolvente constatada pela Administradora Judicial para satisfazer as custas do processo e restantes dívidas, foi declarado o encerramento do processo de insolvência, nos termos do art. 230.º, n.º 1, al. d), do CIRE.


Na fundamentação do acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/07/2021, prolatado no processo n.º 021/203, consta o seguinte: ------


Verifica-se que na sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia foi decidida a avocação dos “processos de execução fiscal e de execução de dívidas à segurança social pendentes contra os insolventes a fim de serem apensados ao presente processo (artº 180º/2 e 4 do CPT e 6º do DL 42/01, de 09-02).” (fls. 428).


Ora, a anulação da venda é um incidente do processo de execução fiscal.


A propósito da norma do artigo 180.º do CPPT refere JORGE LOPES DE SOUSA: “a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, como os de oposição à execução fiscal, deduzida pelo executado originário ou por revertidos, e de embargos de terceiro”. Esta remessa ao processo de insolvência explica-se por “terem de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa insolvente” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, anotação 10 ao artigo 180.º).


Neste domínio, o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que os processos que correm por apenso à execução fiscal devem ser remetidos à insolvência mas que “tal não pode significar a intenção de atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação” e que a remessa “justificar-se-á nos casos em que a decisão a proferir possa contender com a execução universal do património do insolvente e para a qual o tribunal da insolvência tenha competência” (cfr. acórdãos de 10.02.2010, Proc. 01257/09, de 04.11.2015, Proc. 0834/14 e de 21.06.2017, Proc. 0604/16, disponíveis em www.dgsi.pt).


No caso dos autos, a decisão a proferir quanto ao pedido de anulação da venda terá reflexo na massa insolvente que poderá vir a ser integrada pelo bem imóvel penhorado. Por essa razão, os autos de anulação da venda, incidente da execução fiscal, deverão ser remetidos para apensação ao processo de insolvência e serem apreciados pelo Juiz da insolvência.


Pelo exposto, acordam em julgar competente em razão da matéria a jurisdição comum, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia.”.


No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/07/2021, processo n.º 061/194, no qual se nota que “Neste domínio, o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que os processos que correm por apenso à execução fiscal devem ser remetidos à insolvência mas que “tal não pode significar a intenção de atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensaçãoe que a remessajustificar-se-á nos casos em que a decisão a proferir possa contender com a execução universal do património do insolvente e para a qual o tribunal da insolvência tenha competência” (cfr. acórdãos de 10.02.2010, Proc. 01257/09, de 04.11.2015, Proc. 0834/14 e de 21.06.2017, Proc. 0604/16, disponíveis em www.dgsi.pt)”


No acórdão de 22/05/2018, tirado no processo n.º 63/17, o Tribunal de Conflitos decidiu: “de acordo com o disposto no nº 4 do artº 180º do CPPT, julga-se que a competência para a subsequente tramitação da presente oposição à execução fiscal, e até que se mostre findo o processo de insolvência, compete ao Juízo de Comércio”.


Trata-se de questão não similar à dos autos, porquanto, in casu, o processo de insolvência foi já declarado encerrado por sentença transitada em julgado e os processos de execução fiscal não chegaram a ser avocados e consequentemente apensados ao presente processo de insolvência, enquanto esteve pendente.


Por outro lado, como se disse, os processos de execução fiscal avocados sempre teriam de ser devolvidos no prazo de oito dias, logo que findasse o processo de insolvência (art. 180.º, n.º 4, do CPPT).


E, decisivamente, rememora-se, que a recorrente conclui a alegação de recurso pedindo a revogação do acórdão recorrido e a prolação de outro que: -----


- declare nulos todos os atos praticados e omitidos pela AT;

- regularize os valores em dívida e os novos processos instaurados, eliminando todas as coimas e juros de mora aplicados em data posterior à declaração de insolvência”;

- decrete a suspensão da execução fiscal n.º ..............76 (instaurada em 11/09/2014) e ordene o levantamento da penhora do veículo ..-..-DS, realizada após a declaração de insolvência;

- determine que lhe seja devolvida a quantia de €185 que, sendo proveniente do seu IRS de 2021, indevidamente penhorada pela AT em processo de execução fiscal.

E que o tribunal de 1.ª instância apreciou e decidiu o último desses pedidos determinando que aquela quantia fosse reclamada pela Administradora da Insolvência. E que também indeferiu o pedido de levantamento da penhora.


Os demais pedidos visam diretamente atos da autoridade tributária.


Resulta do regime constitucional e legal convocado que não compete à jurisdição dos tribunais comuns apreciar da validade e/ou regularidade dos atos da Autoridade Tributária e, consequentemente, declarar a nulidade de atos que tenha praticado em processo de execução fiscal ou que tenha omitido.


Trata-se de atos concretamente enumerados no art.º 49.º do ETAF que o legislador atribui os tribunais tributários.


Conclui-se, assim pela improcedência do vertente recurso.


5. dispositivo:


Assim e em conformidade com o exposto o Tribunal dos Conflitos, julgando improcedente o recurso, decide atribuir a competência material à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais – concretamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel - para conhecer das referidas questões colocadas pela recorrente nestes autos.


Não são devidas custas – art. 5.º n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro.


Lisboa, 17 de abril de 2024. - Nuno António Gonçalves (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.

1. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

2. Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 020/18: http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

3. https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1caab621fc528c3380258711003b4ea8

4. https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/679c6da1357c240b8025871100546b2b