Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:021/20
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28003
Nº do Documento:SAC20210708021
Data de Entrada:08/17/2020
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO, JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VILA NOVA DE GAIA - JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO, UO 5
REQUERENTE: A............
REQUERIDO: B............, SA E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 21/20


Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório
A………… e mulher C…………, com os sinais nos autos, requereram a anulação da venda efectuada à B…………, SA, de imóvel penhorado no âmbito de processo de execução fiscal instaurado contra o primeiro autor para cobrança coerciva de dívida de Contribuição Autárquica e Imposto Municipal sobre Imóveis.
Alegaram várias nulidades. Em síntese, arguiram a falta de notificação ao executado da apensação de execuções, a falta de citação do cônjuge do executado para a execução tanto mais que o imóvel penhorado constitui casa de morada de família, disparidade entre a penhora efectuada e notificada e a penhora registada, falta de notificação aos executados de qual o bem penhorado a vender, valor atribuído e valor base para a venda, inexistência comprovada da dívida exequenda. E, ainda, que são materialmente inconstitucionais todas as normas do CPPT que conferem à Administração Tributária poderes para dirigir o processo de execução fiscal e nele praticar actos de natureza jurisdicional.
Na pendência do incidente de anulação da venda foi junta aos autos cópia da sentença proferida em 27.03.2014 no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, Instância Local Cível, em que foi declarada a insolvência dos requerentes (fls. 425 e segs.).
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por despacho proferido em 09.12.2019, determinou a remessa dos autos para serem apensados aos que correm termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (fls. 481).
Em 06.03.2020, o Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia proferiu decisão em que ponderou: “Como resulta do disposto no art. 180.º, n.º 2 do CPPT, é ao Tribunal Judicial que compete avocar os processos de execução fiscal para apensação ao processo de insolvência, não ao Tribunal Administrativo determinar a sua remessa para apensação aos mesmos.
De qualquer forma, tal avocação apenas se refere aos processos de execução fiscal em si mesmo considerados e não a quaisquer outros incidentes que ocorram na sua dependência (como é o caso do presente apenso de anulação de venda), para a preparação e decisão dos quais é materialmente competente o Tribunal Administrativo e Fiscal (cf. art. 49.º, n.º 1 al. d) do ETAF), competência essa que, como é óbvio, o art. 180.º, n.º 2 do CPPT não tem o condão de lhe retirar, atribuindo-a ao Tribunal Judicial do processo de insolvência.
(…)
Não tem, assim, qualquer fundamento legal a apensação do presente incidente aos nossos autos de insolvência, determinada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sendo que se declara, desde já, a incompetência material absoluta deste Tribunal Judicial para a sua ulterior tramitação e decisão (cf. art. 64.º do CPC e art. 49.º, n.º 1 al. d) do ETAF) ”.
Recebidos os autos no TAF do Porto, foi aí proferida em 17.06.2020 a seguinte decisão:
Em 09.12.2019, proferi despacho, nos termos e para os efeitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 180.º do CPPT e n.ºs 1 e 2 do artigo 85.º do CIRE, a determinar a remessa dos presentes autos aos que correm termos no J1 da Secção Cível da Instância Local de Vila Nova de Gaia sob o n.º 1036/14.0TBVNG, a fim de serem aos mesmos apensados, considerando que:
a) Nos termos do ofício junto a fls. 505 e ss. do SITAF resulta que A………… e C…………, executados no processo de execução fiscal em causa nos presentes autos (n.º 1910 2002 0152 1748 e apensos), foram declarados insolventes por sentença proferida no processo que corre termos no J1 da Secção Cível da Instância Local de Vila Nova de Gaia sob o n.º 1036/14.0TBVNG, transitada em julgado em 18.04.2014;
b) Nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do CPPT, a declaração de insolvência do executado origina a sustação dos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes;
c) Nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente;
d) Os presentes autos de “outros incidentes da execução fiscal” (anulação da venda) constituem um incidente do processo de execução fiscal, como tal dependente da instância executiva.
Remetidos os autos àquele Tribunal, naqueles autos foi proferido despacho a determinar “a desapensação do presente apenso e a sua devolução ao Tribunal Administrativo e Fiscal que o remeteu” após se ter declarado materialmente incompetente para tramitar e decidir a causa.
Atento o teor do meu referido despacho de 09.12.2019 bem como a “devolução” dos autos por aquele outro Tribunal se declarar materialmente incompetente, declino o poder para prosseguir com a tramitação dos presentes autos pelas razões que enunciei naquele despacho e constato a existência de conflito negativo de jurisdição, pelo que suscito oficiosamente a resolução do mesmo junto da Senhora Presidente do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. n.º 1 do artigo 109.º e n.º 1 do artigo 110.º, ambos do CPC, e n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 91/2019, de 04 de Setembro”.
Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para julgar o incidente de anulação da venda deverá ser atribuída ao TAF do Porto.

Apreciação da questão
Como vimos, os executados vieram pedir a anulação da venda do bem imóvel efectuada no âmbito da execução fiscal contra si instaurada e que em regra, face ao disposto no artigo 49.º do ETAF, competiria ao Tribunal Tributário decidir. Mas, perante a declaração de insolvência, o TAF do Porto entendeu que seria competente o Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia para julgar o referido incidente por, nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do CPPT e do artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência originar a sustação dos processos de execução fiscal pendentes e determinar a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
Dispõe o artigo 180.º do CPPT:
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada a insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avoca os processos de execução fiscal pendentes, os quais são apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
(…)
4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.
(…)
Verifica-se que na sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia foi decidida a avocação dos “processos de execução fiscal e de execução de dívidas à segurança social pendentes contra os insolventes a fim de serem apensados ao presente processo (artº 180º/2 e 4 do CPT e 6º do DL 42/01, de 09-02).” (fls. 428). Ora, a anulação da venda é um incidente do processo de execução fiscal.
A propósito da norma do artigo 180.º do CPPT refere JORGE LOPES DE SOUSA: “a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, como os de oposição à execução fiscal, deduzida pelo executado originário ou por revertidos, e de embargos de terceiro”. Esta remessa ao processo de insolvência explica-se por “terem de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa insolvente” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, anotação 10 ao artigo 180.º).
Neste domínio, o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que os processos que correm por apenso à execução fiscal devem ser remetidos à insolvência mas que “tal não pode significar a intenção de atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação” e que a remessa “justificar-se-á nos casos em que a decisão a proferir possa contender com a execução universal do património do insolvente e para a qual o tribunal da insolvência tenha competência” (cfr. acórdãos de 10.02.2010, Proc. 01257/09, de 04.11.2015, Proc. 0834/14 e de 21.06.2017, Proc. 0604/16, disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a decisão a proferir quanto ao pedido de anulação da venda terá reflexo na massa insolvente que poderá vir a ser integrada pelo bem imóvel penhorado. Por essa razão, os autos de anulação da venda, incidente da execução fiscal, deverão ser remetidos para apensação ao processo de insolvência e serem apreciados pelo Juiz da insolvência.
Pelo exposto, acordam em julgar competente em razão da matéria a jurisdição comum, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia.
Sem custas.

Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 8 de Julho de 2021
Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora)
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