Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:022/14
Data do Acordão:06/19/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
FORNECIMENTO DE ÁGUA.
COBRANÇA COERCIVA.
Sumário:Compete aos tribunais tributários apreciar os litígios relativos a contratos celebrados entre uma empresa concessionária do serviço público de fornecimento de água ao domicílio e os respectivos utilizadores finais.
Nº Convencional:JSTA000P17666
Nº do Documento:SAC20140619022
Data de Entrada:04/08/2014
Recorrente:A...., S.A. NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 22/14

Acordam no Tribunal de Conflitos:

1.

1.1. A………., S. A. instaurou, em 09.04.2013, no Balcão Nacional de Injunções, com posterior tramitação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra B………, peticionando a quantia de €147,9095, acrescida dos juros de mora vincendos até integral pagamento.
Fundamentou a respectiva pretensão, em síntese, em que no exercício da respectiva actividade comercial se dedica, entre outras, ao serviço público de fornecimento de água e drenagem de águas residuais, tendo nesse quadro celebrado um contrato com o requerido, prestando-lhe os serviços contratados, entre os meses de Setembro e Outubro de 2012, não lhe tendo este pago o montante devido.

1.2. Houve oposição.

1.3. Distribuídos os autos no TAF de Penafiel julgou-se ele materialmente incompetente.

1.4. Requerida a remessa e remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Paredes, nos termos do artigo 14.º, 2, do CPTA, veio este tribunal a declarar-se igualmente incompetente em razão da matéria.

1.5. Foi ordenada a remessa a este Tribunal dos Conflitos para a resolução do presente conflito negativo.

1.6. A Autora sustenta a competência do tribunal judicial; o digno Magistrado do Ministério Público a dos tribunais tributários, no quadro da jurisprudência dominante neste Tribunal dos Conflitos.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Este Tribunal tem vindo a decidir diversos casos com os mesmos essenciais contornos: acórdão de 25/06/2013, Processo n.º 033/13; acórdão de 26.9.2013, Processo n.º 030/13; acórdão de 05/11/2013, Processo n.º 039/13; acórdãos de 18/12/2013, processos n.º 038/13 e n.º 053/13; acórdão de 21.1.2014, Processo 044/13; acórdão de 13.2.2014, Processo 41/13; acórdão de 27.3.2014, processos 54/13 e 1/14; acórdão de 15.5.2014, Processo 31/13.
Trata-se de casos que são iniciados através do Balcão Nacional de Injunções, sendo, depois, distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
As incidências específicas de cada um, como, por exemplo, o teor das contestações deduzidas pelos aí requeridos, não são decisivas para a determinação da competência. Com efeito, devendo a competência ser apreciada em função da causa de pedir e pedido, tem-se observado fundamental identidade, pois os processos têm respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água.
E em todos os processos, como neste, é incontroverso que a autoras são sociedades que se incumbem do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público.
Com excepção de um caso, o que foi objecto do acórdão de 21.01.2014, no proc. 044/13, em todos os demais foram julgados competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal; dentro destes, os tribunais tributários.

2.2.2. Não se vislumbra razão para alterar aquele entendimento dominante.
E também se afigura suficiente a fundamentação que tem sido avançada para esse entendimento. Nesta circunstância, transcreve-se parcialmente a fundamentação apresentada no supra referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere, desde já se assinalando que se consideram irrelevantes diferenças concretas, nomeadamente, o facto de nele se tratar de outras partes (autor e réu) e de ser outro o município a que se reporta o abastecimento de água:
«Resulta do artigo 211.º, n.º1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.º do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212.º, nº 3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/20002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei n.º 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.), embora em termos meramente exemplificativos.
Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida [...]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.

No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8º).
E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.
Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”.
Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o artº 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.
Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.
Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº2/ 2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF».

3. Pelo exposto, julga-se competente para conhecer da presente acção a jurisdição administrativa e fiscal e dentro desta, os tribunais tributários.

Sem custas
Lisboa, 19 de Junho de 2014. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Pires Henriques da Graça – José Francisco Fonseca da Paz – Gabriel Martim dos Anjos Catarino.