Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:022/09
Data do Acordão:12/10/2009
Tribunal:CONFLITOS
Relator:EDUARDO MAIA COSTA
Descritores:PESSOAL DA POLÍCIA MARÍTIMA
SISTEMA RETRIBUTIVO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE POR OMISSÃO DE NORMAS
Sumário:É da competência dos tribunais judiciais, e não dos tribunais administrativos e fiscais, a acção interposta por elementos da Polícia Marítima contra o Ministro da Defesa Nacional, em que pedem a declaração de ilegalidade por omissão de publicação de diploma legal que aprove o sistema retributivo do pessoal daquela Polícia, para cumprimento do estatuído no respectivo Estatuto, bem como a fixação de prazo para suprimento da omissão, se tal Estatuto não define um regime jurídico carecido de regulamentação, estando em causa, antes, a omissão de um acto legislativo.
Nº Convencional:JSTA00066182
Nº do Documento:SAC20091210022
Data de Entrada:07/22/2009
Recorrente:A... E OUTROS NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES E DE COMARCA DO SEIXAL E O TAF DE ALMADA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TAF ALMADA - RL.
Decisão:DECL COMPETENTE TRIBUNAL JUDICIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:DL 248/95 DE 1995/09/21 ART7 ART42.
CPTA02 ART77 N1.
CONST76 ART112 N7 ART164 ART165 ART199 C ART198.
ETAF02 ART4 N2 A.
LOFTJ99 ART18 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:
1. RELATÓRIO
A…, B…, C…, D… e E…, todos Chefes da Polícia Marítima na situação de pré-aposentação, interpuseram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, acção administrativa especial contra o Ministro da Defesa Nacional, em que pedem a “declaração de ilegalidade por omissão de publicação de diploma legal que aprove o sistema retributivo do pessoal da Polícia Marítima a fim de dar cumprimento ao estatuído nos artigos 7º do Decreto-Lei n° 248/95, de 21 de Setembro, e 42° do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo citado diploma”, e a fixação de um prazo de 6 meses para a entidade demandada suprir a omissão, ao abrigo do art. 77° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou-se materialmente incompetente, por considerar que nenhuma das citadas disposições legais estabelece o sistema retributivo da Polícia Marítima (PM), tendo o legislador remetido a definição de tal sistema para diploma a aprovar. Por isso, considerou que, tratando-se de uma omissão legislativa, e não regulamentar, seriam competentes para conhecer o pedido os tribunais judiciais, por força do art. 18° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).
Remetido o processo ao Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal, também este se declarou incompetente em razão da matéria, por considerar que a acção interposta se enquadra na al. b) do n° 1 do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), sendo competente portanto para o conhecimento da acção os tribunais administrativos.
Interposto recurso desta decisão para a Relação de Lisboa, esta confirmou-a, considerando que está em causa uma acção em que se debate a omissão de actos integrados na função administrativa do Estado.
Constatado o conflito de jurisdições, vêm os autores requerer a este Tribunal a sua resolução.
Dada vista ao Ministério Público, este pronunciou-se pela competência dos tribunais administrativos, por “estar em causa a omissão de exercício do poder regulamentar”.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme entendimento uniforme deste Tribunal, a competência em razão da matéria afere-se segundo a natureza da relação jurídica tal como ela é caracterizada pelo autor na petição inicial, independentemente do seu mérito.
Os autores, ora requerentes, pedem a declaração de ilegalidade, por omissão, de diploma legal que aprove o sistema retributivo do pessoal da PM, a fim de dar cumprimento ao estatuído nos arts. 7º do DL n° 248/95, de 21-9, e 42° do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado por esse diploma.
Para eles, falta regulamentar essas disposições legais. Por isso, interpuseram a acção especial prevista no art. 77°, n° 1 do CPTA, que constitui o instrumento processual adequado à apreciação de situações de ilegalidade por omissão de normas necessárias para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.
Daí que, para a resolução do presente conflito, importa indagar se o diploma “omitido” é um regulamento necessário para dar exequibilidade a um acto legislativo já produzido, caso em que a competência pertencerá aos tribunais administrativos, ou antes um acto legislativo, hipótese em que a competência caberá aos tribunais judiciais.
É sabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) não estabelece um critério material preciso de acto legislativo. Porém, da natureza subordinada dos regulamentos (arts. 112°, n° 7 e 199°, c) da CRP), da caracterização formal dos actos normativos constante do mesmo art.112° e de outras disposições constitucionais, como as que estabelecem a competência legislativa da Assembleia da República (arts. 164° e 165° da CRP) e a competência legislativa do Governo (art. 198° da CRP), é possível retirar com segurança que a lei traduz necessariamente as opções políticas do legislador, vertidas na definição do regime jurídico (ou tão-só das suas bases gerais) da matéria abordada, ao passo que o regulamento, vinculado que está à lei, limitar-se-á necessariamente à execução e desenvolvimento do regime jurídico ou das suas bases gerais, previamente definidas pela lei, sem margem para qualquer opção política.
A lei pode inclusivamente regulamentar, parcial ou totalmente, o regime jurídico definido. Mas o regulamento não pode obviamente invadir o núcleo material da lei.
Analisemos agora as disposições acima citadas.
Dispõe o art. 7º do DL nº 248/95, que aprovou o Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima:
Art. 7°
(Sistema retributivo)
Até à entrada em vigor do diploma que estabelecer o novo sistema retributivo do pessoal da PM, nos termos do art. 42° do Estatuto anexo, mantêm-se em vigor as disposições que actualmente regulam esta matéria.
Por sua vez, o citado art. 42° do Estatuto estabelece:
Art. 42°
(Sistema retributivo)
Para além das prestações sociais, o pessoal da PM tem direito à remuneração base e suplementos previstos em diploma legal.
Destes preceitos legais resulta que o legislador (no caso, o Governo) “promete” vir a aprovar futuramente um diploma legal relativo ao “novo sistema retributivo” do pessoal da PM, e que esse sistema estabelecerá, para além das prestações sociais, uma remuneração-base e suplementos.
Estas normas não enunciam, manifestamente, as regras básicas a que deve obedecer o estatuto remuneratório da PM, não indicam os princípios que devem estruturar esse estatuto. Elas mais não fazem do que remeter para diploma a aprovar a definição do estatuto remuneratório da PM, não encerrando, em si, a definição das opções políticas do Governo nessa matéria.
A referência à remuneração-base, suplementos e prestações sociais, com o carácter vago e extremamente lato que assume, deixa uma margem tão ampla de densificação que só o legislador (no caso, o Governo), e não a administração (no caso, o Ministro da Defesa Nacional), pode preencher.
Porque os regulamentos visam dar “boa execução” às leis (art. 199º, e) da CRP), precisam da sua credencial para ter existência e devem manter-se nos precisos limites por elas traçados.
Faltando a definição do regime jurídico do estatuto remuneratório em referência, matéria que reveste natureza legislativa (embora da competência do Governo), nada há a regulamentar.
Não se trata, insiste-se, de um problema de dar exequibilidade a um regime jurídico já definido, mas sim de o definir.
Estando assim em causa a omissão de um acto legislativo, e não regulamentar, são os tribunais administrativos incompetentes, em razão da matéria, para apreciar o pedido, por força do art. 4º, nº 2, a) do ETAF.
A competência cabe, antes, aos tribunais judiciais, nos termos do art. 18°, n° 1 da LOFTJ.
III. DECISÃO
Com base no exposto, decide-se atribuir a competência para apreciar o pedido formulado pelos autores aos tribunais judiciais.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2009. – Eduardo Maia Figueira da Costa (relator) – Rosendo Dias José – José Adriano Machado Souto de Moura – Fernando Manuel Azevedo Moreira - Arlindo de Oliveira Rocha – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.