Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:024/08
Data do Acordão:12/10/2009
Tribunal:CONFLITOS
Relator:AZEVEDO MOREIRA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
TRIBUNAL DE TRABALHO
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1 INSTÂNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I - A competência para conhecer de um pedido de indemnização formulado por um sujeito de direito privado contra uma entidade com a mesma natureza jurídica, cabe à jurisdição comum e não à jurisdição administrativa e fiscal.
II - A tanto não obsta a circunstância de esse pedido se encontrar condicionado por um alegado incumprimento, pelo demandado, de uma obrigação contributiva perante a Segurança Social.
Nº Convencional:JSTA00066183
Nº do Documento:SAC20091210024
Data de Entrada:10/28/2008
Recorrente:B... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE TRABALHO DE TOMAR E O TAC DE LEIRIA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TT TOMAR - TAF LEIRIA.
Decisão:DECL COMPETENTE TRIBUNAL JUDICIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONFLITO COMPETÊNCIA.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:ETAF02 ART4 N3 D.
LOFTJ99 ART18 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:
B…, identificado nos autos, dirige-se a este Tribunal solicitando a resolução do presente conflito negativo de competência nos termos seguintes.
O requerente propôs no Tribunal do Trabalho de Tomar (TTT) contra C…, S.A., uma acção declarativa de condenação que concluía com este pedido:
“Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 26 920 euros e 32 cêntimos, a que acrescem os juros à taxa legal desde 30.06.03, até integral e efectivo pagamento.
Ou em alternativa, caso assim se não entenda, sempre deverá a R. ser condenada a pagar os descontos à Segurança Social, sobre os valores pagos mensalmente ao A. durante o período de Fevereiro de 1989 a Novembro de 1998, a título de trabalho suplementar descriminados nos seus recibos como “gratificações extra” ou “abonos diversos””.
O TTT declarou-se incompetente em razão da matéria discorrendo da seguinte forma:
“A natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social devidas pelas entidades patronais tem sido, uniformemente, qualificada pelo S.T.A. (Supremo Tribunal Administrativo) como sendo tributária, por se entender que tais contribuições mais não são do que prestações exigidas unilateralmente pelo Estado, com carácter imperativo mas não sancionatório, que se destinam ao sancionamento do sistema da Segurança Social, o qual se encontra constitucionalmente consagrado como um direito fundamental (...).
(...) De acordo com o entendimento generalizado da jurisprudência do S.T.A., as contribuições legalmente impostas com devidas pelas entidades patronais às instituições da Segurança Social, caem no âmbito do conceito de “questões fiscais”, sempre que se aflora qualquer litígio relativo a tais contribuições.
Com efeito, é um facto indesmentível que as contribuições para a Segurança Social visam a satisfação de um encargo público fundamental do Estado - Sistema de Financiamento da Segurança Social.
Manifesto é assim a natureza tributária das Contribuições para a Segurança Social, as quais revestem a natureza de questão fiscal.
(...) Os pedidos alternativos formulados pelo A. têm o seu suporte apenas numa questão de natureza fiscal (e, por isso de direito público, retirada da esfera privada) - falta de contribuições para a Segurança Social”.
Concluiu, deste modo, pela incompetência do TTT para dirimir o litígio.
Proposta pelo Autor a acção com o mesmo pedido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAFL), também esta instância se considerou incompetente em razão da matéria com fundamento no disposto no art. 4º n° 3 al. d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) que “exclui expressamente do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público.
Ora “in casu” estamos perante uma relação emergente de um contrato de trabalho entre dois particulares (sendo que um deles é uma sociedade anónima), cuja matéria é, consequentemente, regulada pelas normas de direito privado, situação que por si afasta a apreciação do conflito do foro da jurisdição administrativa e fiscal.”
Por seu turno, o Digno Magistrado do M°P° pronunciou-se no sentido da competência do TTT uma vez que, tendo o Autor formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, a questão da competência do Tribunal deve ser aferida pelo primeiro pedido.
Assim, “constituindo o pedido principal um pedido de indemnização fundado na responsabilidade civil da Ré perante o Autor, não sendo requerido o cumprimento de qualquer obrigação para com a Segurança Social, somos de parecer que deverá ser considerado o Tribunal do Trabalho o competente, em razão da matéria, para o seu conhecimento, e não o Tribunal Tributário, conforme concluiu o TAF de Leiria.”
Decidindo.
O Autor, requerente no presente conflito, propôs, primeiro no TTT e, depois, no TAFL, uma acção declarativa de condenação em que formulava dois pedidos nos termos acima transcritos. Pedidos esses que, como bem refere o Digno Magistrado do M°P°, se encontram numa relação de subsidiariedade, pois o segundo era apresentado, nas palavras da petição inicial, “em alternativa, caso assim se não entenda”. Isto é, requer-se que o tribunal conheça desse segundo pedido apenas na hipótese de insucesso da pretensão formulada em primeiro lugar.
Posta a questão nestes termos, e pelo que toca ao pedido principal, o único a que teremos de atender para o fim que nos ocupa, é patente a competência dos tribunais judiciais para dirimir o litígio entre o Autor e a Ré.
Com efeito, está aqui em discussão um pedido indemnizatório submetido a normas de direito privado. A Ré, por alegado incumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social, teria causado ao Autor um dano patrimonial cuja reparação este exige na forma de pagamento de determinada quantia.
A esta disputa em torno do ressarcimento do eventual prejuízo é de todo alheia aquela entidade pública que, de resto, nenhum interesse directo tem no seu desfecho, já que não é pedida a condenação da Ré no pagamento de qualquer quantia à Segurança Social. A hipotética existência de uma obrigação contributiva insatisfeita não é discutida a título principal, apresenta-se antes como um mero pressuposto, como uma questão prejudicial autónoma que pode, sem dúvida, condicionar o êxito pedido, mas que, atenta a sua posição na lide, não será abrangida pelo caso julgado que vier a formar-se.
Deste modo, estando apenas em causa um pedido de indemnização de um sujeito de direito privado dirigido a uma entidade que tem a mesma natureza jurídica, é óbvio que essa pretensão obrigacional há-de reger-se pelas normas de direito privado que disciplinam a matéria.
Assim, nos termos das disposições combinadas dos arts. 4° n° 3 al. d) do ETAF e 18° n° 1 da Lei de Organização dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n° 13/99 de 13 de Janeiro com as alterações subsequentes), acorda-se em julgar competentes os tribunais judiciais para dirimir o presente litígio.
Fica prejudicada a questão da determinação da competência para decidir do pedido subsidiário.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2009. – Fernando Manuel Azevedo Moreira (relator) – Arlindo de Oliveira Rocha – Rosendo Dias José – José Adriano Machado Souto de Moura – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Armindo dos Santos Monteiro.