Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:038/17
Data do Acordão:12/07/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
COIMAS EM MATÉRIA DE URBANISMO
Sumário:Os Tribunais Administrativos são competentes para julgar as impugnações judiciais de coimas aplicadas em matéria de urbanismo apresentadas em juízo pelo MP a partir da data da entrada em vigor do art. 4º, 1, al. l) do ETAF, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, isto é, 1 de Setembro de 2016.
Nº Convencional:JSTA000P22667
Nº do Documento:SAC20171207038
Data de Entrada:06/02/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3 E A COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA, INSTÂNCIA LOCAL, SECÇÃO CRIMINAL – J3.
RECORRENTE: A………….
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE SINTRA.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos


1. Relatório
1.1. A…………, devidamente identificada nos autos, dirigiu em, 25-8-2016, ao Ex. mo Juiz de Direito do Tribunal da Comarca de Lisboa – oeste – Sintra SOLICITANDO A “IMPUGNAÇÃO/REVOGAÇÃO da decisão” que o MUNICÍPIO DE SINTRA lhe aplicou a coima de 500,00 euros pela prática da contra-ordenação prevista no art. 4º do Dec. Lei 555/99, de 16 de Dezembro, ou seja a realização de obras de alteração sem a respectiva licença municipal.

1.2. Em 30 de Agosto de 2016 o processo foi remetido ao Tribunal Judicial acima referido.

1.3. Por despacho proferido em 18-11-2016 o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Instância Local- Sec. Peq. Criminalidade – J2 – declarou a incompetência daquele Tribunal e remeteu os autos para a Instância Local Criminal daquele Tribunal.

1.4. O processo foi autuado e distribuído como contra-ordenação e por despacho de 5-1-2017, foi admitido o recurso de impugnação e designado o dia 7 de Fevereiro de 2017, para julgamento.

1.5. Todavia, por despacho de 12 de Janeiro de 2017, foi proferido despacho declarando a incompetência dos Tribunais Judiciais, com o argumento de que “(… ) a partir de 1 de Setembro de 2016, de acordo com o vertido no n.º 5 do art. 15º do Dec. Lei 214/G/2015, de 2 de Outubro, entrou em vigor a nova redacção do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que reza assim: Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.

1.6. A referida decisão transitou em julgado e o processo foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

1.7. Por despacho de 27-2-2017 o TAF de Sintra declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer o recurso de impugnação judicial, por entender, em suma, que o momento da propositura da causa não é o do envio dos autos pela autoridade administrativa ao Ministério Público ou o da apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público, uma vez que, para além de não decorrer da letra da lei uma interpretação nesse sentido seria inconstitucional por violação do princípio do juiz natural. Daí que, tendo a impugnante apresentado o recurso da decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra em 9 de Agosto de 2016, data em que não se encontrava ainda em vigor a norma que atribuiu competência à jurisdição administrativa, a competência para o julgamento deste processo caberia aos Tribunais Judiciais.

1.8. Esta última decisão também transitou em julgado.

1.9. Perante o conflito negativo de jurisdição o juiz do TAF de Sintra suscitou junto deste Tribunal de Conflitos a sua resolução.

1.10. O MP, junto deste Tribunal de Conflitos emitiu parecer no sentido da competência ser atribuída ao Tribunal Judicial por entender que a data relevante “como a data da propositura da acção, nos termos do art. 5º, n.º 1 do ETAF, não poderá deixar de ser, salvo melhor entendimento, a data da remessa da impugnação judicial à autoridade administrativa”.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Para julgamento da questão da competência consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais.

a) Por decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, notificada em 29-7-2016, foi aplicada a coima de 500,00 euros a A………… pela prática da contra-ordenação prevista no art. 4º do Dec. Lei 555/99, de 16 de Dezembro, ou seja pela realização de obras de alteração sem a respectiva licença municipal.

b) Dessa decisão foi pela interessada interposto recurso/impugnação que deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Sintra, em 25-8-2016.

c) Em 30 de Agosto de 2016 o processo foi remetido ao Tribunal Judicial acima referido.

d) Por despacho de 12 de Janeiro de 2017, foi proferido despacho declarando a incompetência dos Tribunais Judiciais, com o argumento de que “(…) a partir de 1 de Setembro de 2016, de acordo com o vertido no n.º 5 do art. 15º do Dec. Lei 214/G/2015, de 2 de Outubro, entrou em vigor a nova redacção do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que reza assim: Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.

d) Por despacho de 27-2-2017 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer o recurso de impugnação judicial, por entender, em suma, que o momento da propositura da causa não é o do envio dos autos pela autoridade administrativa ao Ministério Público ou o da apresentação dos autos ao juiz pelo Ministério Público, uma vez que, para além de não decorrer da letra da lei uma interpretação nesse sentido seria inconstitucional por violação do princípio do juiz natural. Daí que, tendo a impugnante apresentado o recurso da decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra em 9 de Agosto de 2016, data em que não se encontrava ainda em vigor a norma que atribuiu competência à jurisdição administrativa, a competência para o julgamento deste processo caberia aos Tribunais Judiciais.

e) Ambas as decisões transitaram em julgado.

2.2. Matéria de Direito

O conflito negativo de jurisdição emergiu da divergente aplicação da nova redacção do art. 4º, 1, al. l) do ETAF, que atribuiu competência aos Tribunais Administrativos em matéria até então atribuída aos Tribunais Judiciais – impugnação judicial de coimas aplicadas em matéria de urbanismo.

Tendo a referida alteração da lei entrado em vigor em 1 de Setembro de 2016, a questão que se colocou foi a de saber a que processos tal alteração da competência, era aplicável.

O tribunal judicial entendeu, sem o dizer expressamente, que era relevante para aplicação da nova lei a data em que o Ministério Público remeteu o processo ao Tribunal.

O tribunal administrativo entendeu que a data relevante era a data da interposição do recurso de impugnação judicial.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal de Conflitos, emitiu parecer no sentido de ser relevante a data da remessa da impugnação judicial à autoridade administrativa (neste caso em 25-8-2016).

Vejamos:

A impugnação judicial deu entrada nos serviços administrativos da autoridade administrativa, em 25-8-2016 (folhas 22 dos autos).

Em 30 de Agosto de 2016, foi ordenada a remessa do processo para o Tribunal Judicial (folhas 59 dos autos).

Em 26 de Setembro o MP proferiu decisão ordenando a remessa dos autos à distribuição (folhas 60).

Em 28-9-2016 é feita a distribuição electrónica do processo.

Do exposto – isto é das datas e procedimentos acima referidos - decorre que o conflito de jurisdição, no presente caso, surgiu por se ter considerado relevante a data da remessa do processo pelo MP à distribuição – data em que já estava em vigor a nova lei da competência (decisão do tribunal judicial); e por se ter considerado relevante a data em que o processo foi deduzida a impugnação, data em que ainda não estava em vigor a lei nova (decisão do tribunal administrativo).

Existe, assim, claramente um conflito negativo de jurisdição, que se impõe resolver.

A questão ora em causa tem vindo a ser apreciada neste Tribunal de Conflitos no sentido de ser relevante para aplicação da lei nova a data em que o processo é remetido pelo MP para distribuição.

Esta posição foi claramente assumida nos acórdãos de 28 de Setembro de 2017, proferidos nos Conflitos 024/17 e 026/17, está em consonância com as decisões proferidas por este Tribunal nos acórdãos de 30-3-2917, Conflito 031/16 e de 1-7-2017, Conflito 065/17 e foi seguida nos acórdãos proferidos em 9-11-2017, nos Conflitos 033/17, 012/17, 035/17, 039/17, 042/17 e 022/17.

Não se vê razão para modificar tal entendimento pelo que se considera relevante para determinar a aplicação da nova lei sobre a competência a introdução do processo em tribunal, ou seja, a data em que o processo entra na fase judicial.

No presente caso o processo entrou na fase judicial em 28-9-2017.

O art. 4º, 1, al. l) do ETAF, na redacção introduzida pelo Dec. Lei 214-G/2015, de 2 de Outubro, entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 – art. 15º, n.º 5.

Deste modo, quando o processo entrou na fase judicial já era competente para apreciar a impugnação judicial o Tribunal Administrativo, pelo que deve resolver-se o presente conflito atribuindo a competência à jurisdição administrativa.

3. Decisão

Face ao exposto acordam os juízes do Tribunal de Conflitos em resolver o presente conflito de jurisdição atribuindo a competência para conhecer da impugnação em causa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Sem custas.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2017. – António Bento São Pedro (relator) – António Pedro Lima Gonçalves - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Maria de Fátima Morais Gomes - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges.