Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:015502/22.0T8SNT.S1
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Sendo o réu uma pessoa coletiva de direito público e fundando-se o pedido de indemnização em responsabilidade civil extracontratual, a competência para o apreciar cabe aos Tribunais Administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P31408
Nº do Documento:SAC20230927015502
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. CENTRO DISTRITAL DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Tribunal de Conflitos:

1. Em 29 de Março de 2016, AA instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, contra o Instituto da Segurança Social, IP (I.S.S.,I.P.), uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, “consistente no reconhecimento aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional, compreendidos entre 2012/07/02 e 2012/07/06, 2012/07/19 e 2012/09/28, bem como, entre 2012/10/18 e 2014/01/23, e por doença natural, entre 2014/02/05 e 2014/10/19”, e de anulação de acto,


Concluiu pedindo a condenação do réu, nos seguintes termos:


“1.º À prática do acto devido, consistente no reconhecimento ao Autor do direito aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional e por doenças natural, entre 2012/07/02 e 2014/10/19, com o consequente pagamento das parcelas em falta, no valor total de € 14.531,01.


2.º Anulação da nota de reposição n.º 9323625, de 2015-10-20 e, em consequência, que sejam anuladas as notificações que lhe venham a ser feitas para reposição de quantias consideradas indevidamente recebidas, bem como ordenado o pagamento ao Autor das importâncias já deduzidas, no valor de € 1.022,46, e das que venham a ser deduzidas.


3.º No pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados ao Autor, em quantia nunca inferior a 20.000,00€ (vinte mil euros).


4.º (…) no pagamento ao Autor dos juros de mora, vencidos e vincendos à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até integral pagamento, e desde a data da citação quanto aos danos morais”.


O Instituto da Segurança Social, I.P. contestou, excepcionando a inimpugnabilidade do acto impugnado, por falta de objecto, e a caducidade do direito de acção, impugnando, ainda, os factos.


O autor replicou, sustentando a improcedência das excepções invocadas.


Por despacho saneador-sentença de 5 de Abril de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou-se materialmente incompetente.


Sustentou, em suma, que estando em causa uma relação de natureza privatística estabelecida entre o autor e a respetiva entidade empregadora, sem qualquer vínculo de emprego público e subsumível à Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, a competência para a sua apreciação cabe à jurisdição comum, por via do art. 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF.


Notificado, o autor requereu a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, “para correr termos nos Juízos de Trabalho em Sintra”, o que veio a ser deferido por despacho de 16 de Setembro de 2022 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.


Por decisão de 4 de Novembro de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz ... declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos de condenação ao pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de condenação ao pagamento de indemnização pelos danos morais, bem como dos respetivos juros, e, em consequência, absolveu o réu da instância nessa parte. Mais determinou o prosseguimento da ação para conhecimento do pedido de condenação do réu no pagamento do diferencial relativo aos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional, pela quantia global de € 12.440,13, por discordar do valor de retribuição de referência de que o réu se serviu no seu cálculo.


Afirmou, para tanto:


(…) de acordo com o disposto no artigo 77° da Lei n.° 4/2007, de 16.01, «as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos». Por seu lado, dispõe o artigo 126.°, n.° 1, alínea i), da Lei n,° 62/2013, de 26.08, que compete aos juízos do Trabalho conhecer, em matéria cível, «das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais». Ora, «do cotejo destes normativos parece decorrer que a competência dos tribunais do trabalho nesta matéria é meramente residual, subsistindo somente na medida em que não seja da competência dos tribunais administrativos e fiscais como jurisdição regra»: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2006, processo 0446941, em www.dgsi.pt.


(…)


Por isto, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido e causa de pedir relacionados com a «doença natural», isto é, com o pedido de condenação ao subsídio de doença natural e de anulação da nota de reposição, feito ao abrigo do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04.02, que «estabelece o novo regime jurídico de protecção social na eventualidade doença, no âmbito do subsistema previdencial de segurança social». Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 13/2002, de 19.02). Tal crédito não emerge, pelo menos de modo directo, da relação de trabalho, a qual é mera condição para o seu recebimento (em prejuízo do disposto na alínea b) do n.° 4 do referido artigo 4.°). Antes, trata-se de uma relação regulada pelo Direito Administrativo, em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público.


O mesmo sucede com o pedido de condenação da R. por danos não patrimoniais.


A seu respeito dispõe a alínea f) do n.° 1 do já mencionado artigo 4." que compete aos Tribunais Administrativos conhecer dos pleitos que tenham por objecto a «responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional». É assim, «inquestionável que o legislador do novo ETAF cometeu à jurisdição administrativa a apreciação de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se esta responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada. A distinção deixa de ter interesse relevante para o efeito de determinar a jurisdição competente, que passa a ser, em qualquer caso, a jurisdição administrativa. Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos (…)


Por isso, entende-se que os Juízos do Trabalho não são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação do R. no pagamento por uma indemnização por danos morais. Antes, a sua competência cabe, de facto, ao Tribunal Administrativo (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 13/2002, de 19.02).”.


Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela declaração de competência material do Tribunal do Trabalho de Sintra para o julgamento da totalidade da causa. O recurso subiu em separado, com efeito meramente devolutivo.


Subido o recurso, o Ministério Público junto da 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa emitiu parecer no sentido da sua improcedência.


Notificado, o autor/recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, reafirmando os fundamentos do recurso.


Por acórdão de 29 de Março de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, considerando competir aos Tribunais Administrativos e Fiscais “conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais”.


Além do mais, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a situação em apreço se enquadra nas alíneas a), b) e f) do n.º 1, do art. 4.º do ETAF, não havendo lugar à aplicação do disposto no art. 4.º, n.º 4, al. b), do mesmo diploma, porquanto os créditos invocados não resultam, de modo directo, de contrato de trabalho.


Notificado daquele Acórdão, o autor veio requerer a fixação definitiva do Tribunal competente, nos termos do art. 101.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpondo recurso para o Tribunal dos Conflitos.


2. Nas alegações que apresentou, formulou conclusões, que se transcrevem:


«a) Em 29 de Março de 2016, o recorrente intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP, Acção Especial de Condenação à Prática de Acto devidos e anulação de acto, com o nº 44/16.6BESNT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.


b) O Requerente formulou os seguintes pedidos:


c) Ver reconhecido os seus direitos quanto aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho.


d) A anulação da nota de reposição nº 9323625, de 20 de Outubro de 2015, no valor de 1.880,90€ (Mil oitocentos e oitenta euro e noventa cêntimos, e de notificações que lhe venham a ser feitas e, assim como que seja ordenado o pagamento das importâncias já deduzidas no valor de 1.022,46€ ( Mil e vinte e dois euros e quarenta e seis cêntimos) e que venham a ser deduzidas.


e) O pagamento de uma indemnização pelos danos morais causados ao A., na quantia nunca inferior a 20.000,00€ (Vinte mil Euros).


f) E dos juros de mora, vencidos e vincendos à Taxa Legal, sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até integral pagamento e desde a citação dos danos morais.


g) Em 5 Abril de 2022, após apresentação das respectivas peças processuais, foi proferido despacho Saneador/Sentença pelo Tribunal Administrativo de Sintra, onde se declara incompetente para conhecer do pleito e que é da Competência do Tribunal Comum.


h) Notificando o recorrente para a prerrogativa do artigo 14º nº 2 do CPTA.


i) Consequentemente foi requerida a remessa do Processo para o Tribunal de Trabalho de Sintra.


j) Porém, em 4 de Novembro de 2022, foi proferido despacho com a decisão de Incompetência Absoluta em razão da matéria, relativamente aos pedidos de subsidio de doença natural, de anulação da nota de reposição, e de indemnização pelos danos morais, e respectivos juros, absolvendo o Réu da instância nos termos e do disposto dos artigos 96º al. a), 97º, 99º nº1, 100º, 576º nº 1 e 2, 577 al. a) e 590º todos do CPC e 54º nº1 do CPT.


k) Devendo os autos prosseguir quanto ao pedido de condenação do Réu quanto ao diferencial dos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.


l) E fundamenta a sua decisão de acordo com despacho que se requer a junção.


m) O Recorrente não se conformou com a decisão do Tribunal de 1ª Instância e recorreu ao Tribunal da Relação de Lisboa.


n) Por entender, em síntese, que:


o) Embora fosse competente os Tribunais Administrativos e Fiscais para julgar das acções e recursos que tenham por dirimir litígios emergentes das relações jurídicos administrativas e fiscais – artigo 202 nº 1 e 212 da Constituição da República Portuguesa e artigo 1 do ETAF.


p) Que o seu âmbito de jurisdição encontra-se limitado pela al. b) do artigo 4º do ETAF.


q) Contudo, que a jurisprudência e a Doutrina (Tribunal de Conflitos) entendem que a competência dos Tribunais se estabelece em função dos termos em que a acção é proposta.


r) Quer nos seus elementos objectivos (natureza da providência e do direito), quer subjectivos (identidade das partes).


s) No caso sub judice a doença que constitui a causa de pedir não é abrangida pelo regime jurídico da administração pública (Lei nº 98/2009)


t) Concluindo-se que a competência para conhecer do litígio reside junto do Tribunais judiciais, artigos 13 e 89 nº1 e 2 e artigo 4 nº1 da ETAF.


u) Como assente no Ac. do Tribunal de Conflitos de 8 de Março de 2017, conflito nº 12/15.


v) Defende ainda que nos termos do artigo 126 nº2 da Lei de Organização dos Tribunais Judiciais é da Competência dos Tribunais de Foro Laboral julgar recursos e decisões das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios Laborais e Segurança Social.


w) Porém em 30 de Março de 2023, por Acórdão do Tribunal da Relação, veio alegar e decidir que:


x) Importava apreciar a questão dos pedidos de pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais.


y) Que nos termos do artigo nº 126 nº 1 al i) da Lei de Organização do Sistema Judiciário ( Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto) compete aos juízos de Trabalho “conhecer das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutários de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais”.


z) Ao contrário do alegado pelo recorrente, entende que, não está em causa a aplicação do nº 2 do preceito legal supra referenciado, uma vez que, os presentes autos não integram um processo de contraordenação.


aa) Consequentemente, decidiu pela improcedência do recurso de apelação e confirmar a decisão recorrida.


bb) Estabelecendo no Sumário do Acórdão que “Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais.”


cc) Pelo exposto, temos de concluir estar perante um conflito de jurisdições negativo, em virtude de dois Tribunais de jurisdições diferentes (o Tribunal Administrativo e o de Trabalho) declinarem o poder de conhecer da mesma questão (artigo 9º nº1 da Lei 91/2019 de 4 de Setembro).


dd)Assim, carece de nos termos do artigo 101º nº 2 do CPC que seja Fixado Definitivamente o Tribunal competente para conhecer dos pedidos de pagamento do Subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais.


ee) De forma a ser remetido ao Tribunal Competente para decisão dos referidos pedidos


Nestes termos deverá o recurso ser julgado procedente, e ser Fixado Definitivamente o Tribunal Competente para conhecer dos pedidos de pagamento do Subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais»


O réu apresentou contra-alegações, concluindo deste modo:


«1. Em causa nos autos, estão vários pedidos contra o ISS, IP, aqui Recorrido, nomeadamente, o reconhecimento do direito aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por [doença] natural, a anulação da nota de reposição n.º 9323625 de 20/10/2015, e, por fim, o pagamento de uma indemnização pelos danos morais.


2. Em 05 de Abril de 2022 o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu Despacho Saneador-Sentença, no qual conclui, muito bem, pela incompetência do Tribunal.


3. Notificado, o A., através da sua ilustre patrona, veio, em 02.09.2022, pedir a remessa do processo para o Tribunal competente, isto é, para o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, para correr termos nos Juízos de Trabalho em Sintra, que considerou ser o tribunal competente.


4. Através de despacho notificado às partes em 7 de Novembro de 2022, veio o douto Tribunal a quo declarar-se incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos do acerto do subsídio da doença natural, da anulação da nota de reposição, e da indemnização pelos danos morais e respetivos juros, consequentemente absolvendo o R. nos termos do disposto nos artigos 96.º al. a), artigo 97.º, 99.º n.º 1 e 100.º, 576.º n.º 1 e 2, 577.º, al. a) e 590.º do CPC e 54.º, n.º 1 do CPT, entendendo, prosseguir com os autos quanto ao pedido do diferencial relativo aos períodos da Incapacidade Temporária Absoluta referente ao subsídio da Doença Profissional.


5. De facto, a competência em razão da matéria afere-se em função do pedido formulado pelo A. e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido (causa de pedir) tal como vem configurada na douta p.i.


6. A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece no n.º 1 do artigo 211.º, o princípio da plenitude da jurisdição comum, estatuindo que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais.


7. Deste normativo legal decorre que a competência dos tribunais judiciais é residual, no sentido de que a eles cabe conhecer de todas as matérias que não forem especificamente atribuídas pela lei a outra jurisdição.


8. Aos juízos do trabalho compete conhecer em matéria cível, além do mais, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, atento ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).


9. No caso sub judice, o A./aqui Recorrente peticionou o seguinte: a) A condenação do R. à prática do ato devido, consistente no reconhecimento ao A./aqui Recorrente, do direito aos subsídios integrais referentes aos períodos de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por doença profissional e por doença natural, entre 02/07/2012 e 19/10/2014, no valor total de €14.531,01; b) à Anulação da nota de reposição nº 9323625 de 20/10/2015; e c) a condenação do Recorrido ao pagamento de uma indemnização pelos danos morais em quantia nunca inferior a 20.000,00€; a acrescer a estas quantias juros de mora.


10. Ora, no modesto entendimento do aqui Recorrido, trata-se de uma cumulação ilegal de pedidos, na medida em que, o pedido referido em 1. trata-se de matéria discutida nos tribunais cíveis, no que respeita à doença profissional, mais concretamente, nos juízos de trabalho, e no que respeita à doença natural nos tribunais administrativos; E, as matérias consagradas nos pedidos referidos em 2. e 3. só o poderiam ser por via dos Tribunais Administrativos… daí que o Tribunal Administrativo se tenha declarado materialmente incompetente, por não ser o Tribunal competente para decidir na questão essencial nos autos, que é a do reconhecimento ao direito aos subsídios integrais por ITA para o trabalho, mas, também o juízo de trabalho se considera incompetente para conhecer da matéria elencada em 2. e 3., e na parte respeitante à doença natural, dado que, tal matéria é do conhecimento dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


11. De facto, o artigo 15.º/1 do Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de novembro prevê expressamente que: “As ações emergentes de acidentes de trabalho e de doença profissional devem ser propostas no juízo do trabalho do lugar onde o acidente ocorreu ou onde o doente trabalhou pela última vez em serviço suscetível de originar a doença.” [itálico nosso]


12. Sendo seguro afirmar que, se a ITA em causa, resulta diretamente da doença Profissional que afeta o Recorrente, nunca poderia ser analisada de forma autónoma a esta!


13. Assim, e como já acima referido, a única exceção a este regime vem esplanada no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas, o qual é inadequável neste caso, dado que apenas se aplica aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais (EPE) ou noutras entidades não abrangidas (artigo 2.º, n.ºs 1, 2 e 3).


14. De facto, o n.º 4 do referido artigo 2.º determina: “Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.” (posteriormente, o previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, com a entrada em vigor da mesma).


15. Assim, atenta a natureza da questão ab initio a analisar nos presentes autos, nos termos do n.º 1 do artigo 155.º do Código Processo de Trabalho (C.P.T.), “O disposto nos artigos 117.º e seguintes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Instituto da Segurança Social, I. P., em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais.” e, dado que o A./aqui Recorrente trabalhou, para a C.............. .. ......., SA, que é uma entidade privada, não se encontra sujeito ao regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais previsto no n.º 1 do artigo 2º, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro para os funcionários públicos.


16. Portanto, é aplicável o disposto no artigo 15.º/1 do Decreto-Lei n.º 480/99, de 09 de novembro.


17. Por conseguinte, s.m.o., o Tribunal de Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer da presente ação, apenas na parte do pedido respeitante à ITA/doença profissional e, bem esteve a douta Sentença recorrida e Acórdão da Relação posterior, ao decidirem que os juízos de trabalho não têm competência para conhecer do pedido e causa de pedir relacionados com a Doença Natural, em virtude do disposto no artigo 4.º, n.º 1 al. b) do ETAF.


18. De facto, e inconformado, o Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação, o qual, em 30 de Março de 2023, proferiu Acórdão no qual, grosso modo, determina que a questão que importava apreciar prendia-se com os pedidos de pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais, e que o artigo 126.º, n.º 1 al i) da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto) refere que compete aos juízos de Trabalho “conhecer das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutários de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais”.


19. Fundamenta, ainda, o douto Acórdão, que ao contrário do alegado pelo recorrente, não está em causa a aplicação do n.º 2 do preceito legal referenciado, uma vez que, os presentes autos não integram um processo de contraordenação, decidindo assim, pela improcedência do recurso de apelação e consequentemente confirmou a decisão recorrida, tendo no sumário do douto Acórdão estabelecido que “Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais.”


20. Inconformado, e sem desistir, recorre agora o A. para o Tribunal de Conflitos, invocando um conflito de jurisdição negativo, o que, s.m.o, não se aplica nos presentes autos, porquanto, os pedidos cujo conhecimento foi declinado por cada um dos Tribunais por incompetência material, são diferentes.


21. Com efeito, e sempre s.m.o., ao contrário do agora alegado, não se está perante um conflito de jurisdições negativo, em virtude de dois Tribunais de jurisdições diferentes (o Tribunal Administrativo e o de Trabalho) declinarem o poder de conhecer da mesma questão (artigo 9.º n.º 1 da Lei 91/2019 de 4 de Setembro), mas antes, uma cumulação ilegal de pedidos, sendo que, a sanção cominada para a cumulação substancialmente incompatível de pedidos é a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, artigo 186.º nº 1 e 2 c) do Código de Processo Civil.


22. Dando-se aqui por reproduzidos todos os argumentos aduzidos na douta Sentença recorrida e Acórdão subsequente.


Termos nos quais, entende o aqui Recorrido inexistir um conflito de jurisdição negativo, mas sim, uma cumulação ilegal de pedidos, sendo que, a sanção cominada para a cumulação substancialmente incompatível de pedidos é a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, artigo 186.º n.º 1 e 2 c) do Código de Processo Civil.


Assim, e com o douto suprimento de V. Exas., deverão as presentes Alegações serem julgadas improcedentes, tudo com as devidas consequências legais, fazendo-se a já costumada justiça!»


3. Por despacho de 10 de Maio de 2023, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz ... suscitou a resolução do conflito negativo de jurisdição junto do Supremo Tribunal de Justiça, na parte referente aos pedidos de pagamento do subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de indemnização por danos morais.


“Tratando-se de um conflito negativo (ainda que parcial, mas o art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 91/2019, não distingue) corre nos próprios autos”.


4. Por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi determinado que se seguissem os termos previstos na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro.


Notificado para o efeito, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atribuída aos Tribunais da Jurisdição Administrativa a competência para conhecer do objecto da ação no que tange aos pedidos de condenação do Instituto da Segurança Social no pagamento do subsídio de doença natural, de anulação de nota de reposição e de uma indemnização por danos morais.


5. Os factos relevantes constam do relatório.


Antes de mais, cumpre ter em conta que está em causa, apenas, determinar se a competência para “conhecer dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos morais” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) cabe aos Tribunais Judiciais ou aos Tribunais Administrativos e Fiscais, seja porque foi quanto a estes pedidos que o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu serem competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais (n.º 1 do artigo 101.º do Código de Processo Civil), seja porque o despacho de 10 de Maio de 2023, que suscitou a resolução do conflito de jurisdição, o delimita de forma a abranger apenas estes pedidos, naturalmente porque foi nesse âmbito que divergiram o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz ....


Entende-se, ao abrigo dos poderes de gestão processual (artigo 6.º do Código de Processo Civil), que se conhece desta questão num único acórdão.


A título prévio, cumpre analisar o obstáculo suscitado pelo ISS, IP, nas contra-alegações de recurso: a inexistência de “um conflito de jurisdição negativo”, antes se verificando, segundo alega, “uma cumulação ilegal de pedidos, sendo que a sanção cominada para a cumulação substancialmente incompatível de pedidos é a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, artigo 186. nº 1 e 2 c) do Código de Processo Civil”.


Considera-se que, se a conclusão for no sentido de que, nem os tribunais judiciais, nem os tribunais administrativos e fiscais são materialmente competentes para conhecer de todos os pedidos formulados pelo autor – por acção instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que se julgou incompetente para julgar todos os pedidos, depois remetida para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo do Trabalho de Sintra – Juiz ..., que se julgou incompetente para apreciar parte desses pedidos –, ocorreu de facto uma cumulação ilegal, não porque os pedidos sejam substancialmente incompatíveis, mas porque nenhum dos tribunais envolvidos é materialmente competente para os apreciar a todos. Todavia, a consequência desta incompetência parcial não é a ineptidão da petição inicial, mas a incompetência parcial do tribunal onde a acção foi proposta ou para onde foi remetida (artigos 4.º, n. º 8, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, a), do Código de Processo Civil).


No caso presente, todavia, o que de facto se passou foi que houve decisões divergentes quanto a parte dos pedidos, no que respeita à competência – e, por isso, absolvições do réu da instância com âmbitos também diversos – e, consequentemente, desencadeou-se um conflito negativo de jurisdição quanto a essa mesma parte dos pedidos.


É certo que o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa e o respectivo desfecho possibilitaram a interposição de recurso para o Tribunal dos Conflitos, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 101.º do Código de Processo Civil. A circunstância de ter sido interposto este recurso e de ter também sido suscitada a resolução do conflito explicar-se-á pelo regime de subida em separado, com efeito meramente devolutivo, do recurso de apelação. De qualquer forma, o resultado da apreciação do recurso para o Tribunal dos Conflitos define a competência, resolvendo simultaneamente o conflito.


6. Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar os pedidos que o Tribunal da Relação considerou do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (ou a que respeita o presente conflito), se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) –, se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


Esta forma de delimitação recíproca obrigará a verificar se a presente acção está abrangida pela competência da jurisdição administrativa e fiscal. Naturalmente que prevalecerá uma lei especial que seja aplicável. Com se escreveu no acórdão do Tribunal de Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 020/18, os tribunais administrativos, “ não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]


Em qualquer caso, a competência afere-se pela lei vigente à data da propositura da acção – artigos 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário – e 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; tendo a presente acção sido instaurada em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, nomeadamente, nos seus artigos 1.º e 4.º, que definem o âmbito geral da jurisdição administrativa –, serão as versões dos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais vigentes à data que deverão ser tidas em conta, não podendo ser consideradas as que resultaram de alterações introduzidas pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro. Recorda-se que a Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, que alterou os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entrou em vigor em 11 de Novembro de 2019 e não regula a sua própria aplicação no tempo.


Assim, deverá atender-se à redação do art. 1.º, n.º 1, do ETAF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015. Note-se, no entanto, que embora a redação do art. 1.º do ETAF, então vigente, não contivesse a menção aos “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (como sucede atualmente), certo é que a al. o) do n.º 1, do art. 4.º do mesmo diploma, para o qual remetia aquele art. 1.º, contemplava expressamente as relações jurídicas administrativas e fiscais.


Feita esta alusão sistemática em matéria de sucessão da lei no tempo, refira-se que, em qualquer dos casos, a competência, em razão da matéria, dos Tribunais Administrativos e Fiscais encontra-se prevista no art. 4.º do ETAF.


Resultando a competência de uma lei que especificamente contemple a matéria que estiver em causa, é igualmente a lei vigente à data da propositura da ação que releva.


7. Como uniformemente se tem observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção).


Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se observou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.


A mesma orientação se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, ww.dgsi.pt, processo n.º 1998/12.1TBMGR.C1.S1: “Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes, quer do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes”.


Para o efeito de determinar a competência do tribunal, em razão da matéria, releva, como se disse, o modo como o autor estruturou a causa, o conjunto pedidos /causas de pedir que definiu.


8. No caso dos autos, o autor alega o seguinte:


– No ano de 2012, o autor trabalhava por conta e sob as ordens, direção e fiscalização da ora F......... ........... . ......... .. ......., SA, mediante contrato de trabalho sem termo, com início em 26 de Julho de 2006;


– Em 31/07/2013, foi reconhecida ao autor a doença profissional com incapacidade Permanente Parcial de 3%, por tendinite quervain Dt.ª, à qual correspondeu a atribuição de uma pensão, com efeitos a partir de 07/05/2013, no valor mensal de € 23,38;


– Foi também reconhecida doença profissional com início em 07/05/2013 por periartrite ombro Dt.º;


– Em 23/12/2013, foi reconhecido ao autor agravamento da «doença profissional com incapacidade total 5.91% - (2.91% por periartrite à direita - agravamento e 3% por tendossinovite do punho direito - manutenção da incapacidade)»;


– As partes aceitaram e aceitam que o autor padeceu de doença profissional, com incapacidades iniciadas em 02/07/2012,19/07/2012 e 18/10/2012, e que o autor teve alta em 17/06/2013;


– O autor, após recidiva ou agravamento da doença profissional, recorreu de imediato ao seu Médico de Família, bem como ao Médico de Medicina do Trabalho da empresa, tendo ambos os clínicos reconhecido a recidiva ou agravamento, com incapacidade reiniciada em 18/06/2013 e mantida até 23/01/2014;


– Não obstante a informação de que «o subsídio de Doença com início em 19 de Junho de 2013 se encontra Deferido», a mesma não foi considerada pelo réu no pagamento dos subsídios devidos ao autor;


– As partes aceitaram e aceitam que o autor sofreu, ainda, de doença natural com incapacidade iniciada em 05/02/2014, que se mantém até 19/10/2014;


– O réu informou o autor sobre a forma de cálculo adotada para a determinação da retribuição de referência para quantificação dos subsídios de doença profissional e doença natural;


– Porém, as remunerações/equivalências que foram consideradas para a determinação da remuneração de referência estão incorrectas, o que ocasionou a interposição de recurso hierárquico pelo autor;


– Tal recurso veio a merecer provimento parcial, na parte respeitante ao cálculo da indemnização por doença profissional;


– Todavia, aquela decisão não foi cumprida, tudo se passando como se tivesse sido totalmente negado provimento ao recurso, tendo o réu efectuado um cálculo incorrecto das indemnizações por doença profissional e por doença natural;


– Mediante ofício datado de 20/10/2015, o réu notificou o autor da nota de Reposição n.º 9323625, reclamando a devolução do montante de € 1.880,90, a título de “restituição de prestações indevidamente pagas”, referente a subsídio de doença natural, correspondente ao período compreendido entre 8/02/2014 e 16/06/2014;


– Não reconhecendo que o valor reclamado pelo réu lhe tinha sido indevidamente pago, o autor interpôs, em 9/11/2015, recurso hierárquico do referido ofício;


– Apesar de até à data da propositura da presente acção ainda não ter proferido qualquer decisão, a partir de 10/11/2015, o réu passou a deduzir e a reter indevidamente 1/3 da prestação por doença/subsídio de desemprego que pagava ao autor, por conta das alegadas «prestações indevidamente pagas», o que perfaz, até à presente data, o valor total de € 1.022,46;


– Os serviços do réu praticaram e continuam a praticar, de forma reiterada, diversos erros, omissões e inércias que ocasionaram danos morais para o autor.


9. O Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro, define o regime jurídico de proteção social na eventualidade de doença no âmbito do subsistema previdencial.


Concretizando princípios estabelecidos na Lei n.º 28/84, o Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril (posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho), procedeu à definição das normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas, como no que se refere à revogação dos actos de atribuição das prestações.


De acordo com o art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/88, “Verificada a concessão indevida de prestações, devem as instituições cessar de imediato os pagamentos, averiguar a identidade de quem as recebeu e proceder à sua interpelação para efectuar a restituição e informar sobre os respectivos valores e termos que a mesma pode revestir.”.


Por outro lado, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.


A propósito da noção de “relação jurídica administrativa”, escreveu José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa. 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 53 e segs.:


(…) na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)


A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.


Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.


Segundo o art. 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de Março (que aprovou a Lei Orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P.), “O Instituto da Segurança Social, I.P., abreviadamente designado por ISS, I. P., é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.”, sendo, consequentemente, uma pessoa coletiva de direito público (cfr. art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro – Lei Quadro dos Institutos Públicos).


Nos termos do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, “O ISS, I. P., tem por missão a gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social e demais subsistemas da segurança social, incluindo o exercício da acção social, bem como assegurar a aplicação dos acordos internacionais no âmbito do sistema da segurança social.”.


No caso dos autos, os pedidos em apreço consistem na condenação do réu ISS, I.P., no pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e no pagamento de indemnização por danos morais, bem como dos respectivos juros de mora.


Tais pedidos assentam no alegado cálculo errado das prestações devidas a título de subsídio de doença e nos danos causados pela conduta ilícita do réu, relacionada com essa matéria.


A causa de pedir não assenta directamente, pois, numa relação laboral, mas antes na relação, entretanto e autonomamente, estabelecida entre o autor e o réu (pessoa colectiva de direito público), regulada por normas de direito administrativo.


Assim, não estado em causa a apreciação de um litígio verdadeiramente decorrente de um contrato de trabalho, arredada fica a verificação da regra de exclusão de competência contida no art. 4.º, n.º 4, al. b), do ETAF.


Segundo o art. 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social), “As acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”.


Extrai-se, de outra parte, das Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (art. 2.º) e da Constituição da República Portuguesa (art. 63.º) que o direito à segurança social é um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, cabendo ao réu, como se viu, a missão de gestão dos regimes de segurança social.


Assim, como se entendeu no acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2023, no que toca aos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural e de anulação da nota de reposição, cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais a competência para a sua apreciação, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


10. Quanto ao pedido de indemnização pelos danos morais, dirigido pelo autor contra o réu, pessoa colectiva de direito público, resulta do disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que é igualmente da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


Com efeito, e como se recordou, por exemplo, no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt., proc. n.º processo n.º 013/10: «De referir ainda que, “o novo ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro) unificou a jurisdição no tocante à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, desinteressando-se da questão de saber se o direito de indemnização provém de acto de gestão pública ou de gestão privada, e, do mesmo modo, integrou no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, bem como a resultante do deficiente funcionamento da administração da justiça, dissipando todas as dúvidas que pudessem colocar-se, no futuro, quanto à fronteira entre a jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais comuns (cfr. artigo 4°, n.º 1, alínea g)” - acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-12-2003, Proc.° n.° 15/03. (…)».


No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do STJ, de 1 de Março de 2018, www.dgsi.pt., processo n.º 1203/12.0TBPTL.G1.S1: “III. Com a Reforma do Contencioso Administrativo, operada pela Lei n.º 13/2002, de 19.02, alterou-se, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, o critério determinante da competência material entre jurisdição comum e jurisdição administrativa, que deixou de assentar na clássica distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, passando a jurisdição administrativa a abranger todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas coletivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.”.


Como se escreveu no acórdão do Tribunal de Conflitos de 22/11/2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 07040/22.7T8PRT.S1, esta «ampliação da jurisdição administrativa, por confronto com a legislação anterior à reforma de 2002, vem aliás explicitada na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 93/VIII/2 e da qual veio a resultar a Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: “Ao mesmo tempo, e dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.


A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa.”»


Assim, sendo o réu uma pessoa coletiva de direito público e fundando-se o pedido de indemnização em responsabilidade civil extracontratual, a competência para o apreciar cabe também aos Tribunais Administrativos, nos termos do disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


11. Nestes termos, decide-se:


a) negar provimento ao recurso;


b) determinar que cabe aos Tribunais Administrativo e Fiscais a competência para a apreciação dos pedidos de pagamento de subsídio de doença natural, de anulação da nota de reposição e de uma indemnização pelos danos não patrimoniais; concretamente, ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (artigos 16.º, n.º 1, e 18.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 9.º do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro).


Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).


Lisboa, 27 de Setembro de 2023. - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.