Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:08/18
Data do Acordão:09/20/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ROSA MARIA COELHO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Cabe aos tribunais da jurisdição comum a competência para conhecer de ações em que, com invocação do direito de propriedade e da sua violação pelo réu, o autor peça a declaração desse direito e a restituição da coisa, ainda que com esses pedidos se cumulem outros de natureza indemnizatória.
Nº Convencional:JSTA000P23601
Nº do Documento:SAC2018092008
Data de Entrada:01/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA, VARA COMPETÊNCIA MISTA - 2ª SECÇÃO E O TAF DE COIMBRA - UNIDADE ORGÂNICA 3
AUTOR: A......, S.A. E OUTROS
RÉU: MUNICÍPIO DE COIMBRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ***
ACORDAM NO TRIBUNAL DOS CONFLITOS

I – A………., S.A., e B……….., S.A., intentaram na Vara de Competência Mista de Coimbra contra E.P. - Estradas de Portugal, SA (sucessora de EP - Estradas de Portugal, E. P. E., que por sua vez sucedeu ao IEP - Instituto de Estradas de Portugal, que havia integrado por fusão o ICOR e o ICERR – Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária) ação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da ré a:

a) reconhecer que as autoras são donas e legítimas possuidoras do prédio que identificam;

b) reconhecer que a ocupação e intervenção feita pela ré (ou entidades a que sucedeu) viola o direito de propriedade das autoras sobre o mesmo prédio;

c) abster-se de futuro de interferir com tal direito e propriedade das autoras;

d) pagar às autoras indemnização pelos prejuízos sofridos por estas em consequência da privação do exercício do seu direito, desde a data da ocupação até à sua libertação, a liquidar em execução de sentença;

- ou, caso se entenda que a demolição e restituição não será de determinar, a:

e) pagar às autoras indemnização pelos prejuízos sofridos pela privação do gozo do terreno, com área de 7.684 m2, em valor nunca inferior a € 307.360,00;

f) indemnizá-las dos demais danos patrimoniais e morais que se vierem a liquidar em execução de sentença;

g) com juros de mora legais desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que são proprietárias de um prédio urbano designado por "……….. ou ………….", sito na freguesia do ………, concelho de Coimbra, e que o ICOR - Instituto para Construção Rodoviária o ocupou indevidamente, numa área de 7.684,00 m2, no âmbito de uma expropriação por utilidade pública que sobre aquele prédio recaiu, conforme declaração publicada no Diário da República, II Série, de 30.12.1998, mas em extensão inferior à que foi ocupada.

A ré contestou e requereu a intervenção principal provocada da Câmara Municipal de Coimbra.

Admitida esta intervenção principal provocada, o Município de Coimbra veio contestar, deduzindo, nomeadamente, a exceção da incompetência material do tribunal, atribuindo a competência para o julgamento da causa aos tribunais da jurisdição administrativa.

Argumentou, em resumo, que: a) compete aos tribunais administrativos o julgamento de ações que visem dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas; b) o interveniente, ao abrigo dos seus poderes de gestão pública, elaborou estudo e parecer com vista a modificações da geometria do "Nó do …………", os quais foram aceites pela EP - Estradas de Portugal, tendo o interveniente disponibilizado, com a participação das autoras acordada no âmbito de pedido de licenciamento de uma operação de loteamento, parte da parcela agora reivindicada; c) o que neste processo se discute no tocante ao interveniente é uma relação integrada no âmbito de uma relação jurídica administrativa, disciplinada por normas de direito administrativo; d) o pedido das autoras funda-se na responsabilidade civil extracontratual, pelo que é o tribunal administrativo o competente nos termos do art. 4º do ETAF.

Na réplica as autoras sustentaram a improcedência desta exceção, defendendo, em síntese nossa, que:

1 - A competência do tribunal deve ser aferida pelo pedido - pretensão deduzida - e pelos seus fundamentos jurídicos;

2 - A causa de pedir na ação é a violação ilícita e a destruição da propriedade das autoras, estando-se perante uma questão de direito privado ligada ao direito de propriedade e regida por normas e princípios de direito civil;

3 - Sendo a Vara Mista de Coimbra competente para apreciar a questão da violação do direito de propriedade, é-o também para apreciar o pedido de indemnização cumulado, quer porque se trata de prejuízos decorrentes de ofensa de direitos de natureza privada, quer por se tratar de questões conexas com a principal;

4 - A interposição de duas ações, uma na Vara Mista e outra no Tribunal Administrativo e Fiscal, violaria o princípio da economia processual e poderia levar a contradição de julgados;

5 - Não estão em causa neste processo as relações estabelecidas entre o interveniente e EP - Estradas de Portugal.

Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e absolveu da instância os réus Estradas de Portugal, SA e o Município de Coimbra.

A linha de pensamento subjacente a esta decisão foi a seguinte:

- a determinação da competência do tribunal faz-se atendendo à relação jurídica material configurada pelo autor na p.i..;

- é formulado um pedido de responsabilidade extracontratual emergente de uma violação do direito de propriedade das autoras;

- a competência material dos tribunais administrativos assenta no conceito de relação jurídica administrativa;

- mas em matéria de responsabilidade civil extracontratual a atribuição de competência a estes tribunais atende apenas à natureza pública da entidade demandada, sendo que a EP, S.A., goza de prerrogativas de direito público;

- por outro lado, a atuação do Município de Coimbra situou-se no plano da gestão pública, pois alega que a parcela em causa lhe foi cedida no âmbito de um pedido de licenciamento para uma operação de loteamento;

- têm aplicação, no caso, as al. g) e i) do nº 1 do art. 4º do ETAF, na redação vigente à data da propositura da ação, que estabelecem a competência dos tribunais da jurisdição administrativa.

Tendo as autoras vindo requerer, ao abrigo do art. 99º, nº 2 do CPC, a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, neste foi Infra-Estruturas de Portugal, S.A., declarada habilitada na posição processual de EP, S.A., dada a fusão operada pelo DL nº 91/2015, de 29.5.

E, seguidamente, foi proferido despacho saneador que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria, com invocação das razões que passamos a sintetizar:

- os tribunais administrativos são competentes para decidir nas causas que têm por objeto litígios emergentes de relações jurídicas administrativas;

- para determinar o tribunal competente deve partir-se da análise da relação jurídica descrita na p. i.. ;

- as autoras pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade e da ilegalidade da intervenção feita no terreno pela ré, bem como indemnização pelos danos sofridos em virtude da privação de exercício do seu direito;

- não é caracterizada uma relação jurídica administrativa, nem os pedidos formulados se reconduzem às als. a) a n) do nº 1 do art. 4º do ETAF, por não emergirem de uma relação jurídica daquela natureza.

Tendo esta decisão transitado em julgado, as autoras requereram que este Tribunal dos Conflitos (Cfr. art. 17º do DL nº 23.185, de 30.10.1933) resolvesse o conflito negativo de jurisdição evidenciado pelas decisões a que acabámos de fazer referência.

O Exmo. Magistrado do Mº Pº emitiu douto parecer no sentido de que a competência para a ação deve ser atribuída à jurisdição comum.


II - A questão de saber se a presente ação declarativa deve ser julgada em tribunal da jurisdição administrativa ou da jurisdição comum implica a prévia definição do âmbito de cada uma dessas jurisdições.
Desde logo, a este propósito a Constituição da República Portuguesa prevê, no nº 1 do seu art. 209º, além do mais, a existência de duas categorias distintas de tribunais:
- uma, constituída pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos tribunais judiciais de primeira e de segunda instância - cfr. a sua al. a);
- outra, constituída pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelos demais tribunais administrativos e fiscais - cfr. a sua al. b).
E, prosseguindo no caminho da definição daquele âmbito, relevam as normas contidas no nº 1 do seu art. 211º e no nº 3 do seu art. 212º, que dispõem sucessivamente:

- "Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais";

- "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".

A competência dos tribunais comuns é, assim, uma competência residual, a determinar por exclusão de partes, princípio que a lei ordinária veio naturalmente a consagrar como o demonstram, tanto o art. 64º do Código de Processo Civil, como o art. 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto - Lei de Organização do Sistema Judiciário.

No caso, e como a alternativa a considerar é, simplesmente, a competência de tribunal inserido na jurisdição administrativa, uma vez que está excluída, à partida, a competência de algum dos demais tribunais a que alude o dito art. 211º, importa analisar com maior detalhe essa vertente.

O preceito contido no citado nº 3 do art. 212º é concretizado e desenvolvido no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.2, com alterações legislativas, de cujas sucessivas versões, nomeadamente no tocante ao seu art. 4º, que define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, nos interessa a vigente à data da propositura da presente ação declarativa - 7.08.2013 -, ou seja, a introduzida pela Lei nº 59/2008, de 11.9, em vigor até ao início da vigência da redação introduzida pelo DL nº 214-G/2015, de 2.10.

Tem interesse, para ajuda do raciocínio a desenvolver, a transcrição do respetivo texto:

1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;

b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;

c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;

d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;

e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;

g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;

h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;

i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;

j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;

l) Promover a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas, e desde que não constituam ilícito penal ou contra-ordenacional;

m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;

n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal.

2 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:

a) Actos praticados no exercício da função política e legislativa;

b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;

c) Actos relativos ao inquérito e à instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões.

3 - Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:

a) A apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso;

b) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;

c) A fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo seu presidente;

d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas."

Seguindo nesta matéria a lição de José Carlos Vieira de Andrade (Cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 9ª edição, Almedina), pode dizer-se o seguinte:

- na falta de indicação clara da lei, a "relação jurídica administrativa", a que se referem o nº 3 do art. 212º da CRP e a al. a) do nº 1 do art. 4º do ETAF, deve ser entendida como uma cláusula geral correspondendo à "relação jurídica de direito administrativo", onde a Administração é dotada de poderes de autoridade para cumprimento de tarefas de realização de interesse público e excluindo as relações de direito privado em que a Administração intervém (Cfr. obra citada, págs. 55-56 e 109);

- é de optar pela posição que, quanto ao citado nº 3 do art. 212º, “… não lê o referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma proibição absoluta, mas (...) como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do sistema (Cfr. op. cit., pág. 103)…”;

- em matéria de responsabilidade (E também quanto a contratos, como resultava da parte final da al. b) e da al. e) do nº 1 do mesmo art. 4º, o mesmo podendo ser entendido quanto à sua al. f) - cfr. op. cit., págs. 113-114 ), o nº 1 do art. 4º do ETAF estatui o alargamento da jurisdição administrativa ao incluir na sua al. g) os danos resultantes do exercício das funções jurisdicional e legislativa e dá ainda margem, nas als. g) a i), para que o mesmo se entenda quanto a “... todos os litígios que tenham por objecto a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, inclusivamente pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão privada…" (Cfr. op. cit., pág. 117)

As noções acabadas de expor têm relevância para apreciar os pedidos formulados na ação de onde emergiu o presente conflito e para chegar a uma conclusão quanto ao tribunal competente para o seu julgamento.

A respeito dos pedidos formulados na p.i. dessa ação disse-se, no despacho saneador proferido na Vara de Competência Mista de Coimbra, que, sendo a EP, SA (agora substituída por Infra-Estruturas de Portugal, S. A.,) uma pessoa coletiva de direito privado agindo no exercício de prerrogativas de direito público, e sendo necessária a interpretação do conteúdo de atos administrativos, face à contestação do interveniente Município de Coimbra, que agiu dentro do núcleo das suas atribuições como ente público, a ação se inscreve no âmbito das ações de responsabilidade civil confiadas pelo ETAF ao foro administrativo.

De entre aqueles pedidos, importa distinguir os que visam o reconhecimento e a defesa do direito de propriedade que as autoras invocam - os mencionados no relatório supra sob as als. a) a c) - e os que visam o ressarcimento dos prejuízos causados pela ofensa denunciada pelas autoras - referidos sob as als. d) a g) desse relatório.

Tem sido orientação constante neste Tribunal dos Conflitos, tal como no STJ e no STA, a que entende que “... a determinação do tribunal materialmente competente (…) deve partir da análise da estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação e julgamento do tribunal, segundo a versão apresentada em juízo pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respectivos fundamentos - pedido e causa de pedir (…) (Citamos aqui uma passagem de texto constante do despacho saneador proferido no Tribunal Administrativo de Coimbra. ),(Orientação, aliás, coerente com o critério que a lei adotou expressamente quanto ao pressuposto da legitimidade, como se vê do nº 3 do art. 30º do CPC. ).

Esta orientação vem documentada com a abundante jurisprudência citada no despacho saneador do Tribunal Administrativo de Coimbra - dela destacando nós, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 31.1.1991 e 6.7.1993 - e no parecer do Exmo. Magistrado do Mº Pº - acórdão deste Tribunal de 26.1.2017, proferido no proc. nº 052/14 - e à qual podemos ainda acrescentar a referência ao acórdão proferido, também neste Tribunal, em 30.11.2017 no proc. nº 011/17, do qual destacamos a seguinte passagem:

"(…) Tem sido reafirmado por este Tribunal, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência, que a competência afere-se pelo pedido e a causa de pedir formulados pelo autor. Mais concretamente pelos termos em que se mostra estruturada e formulada a pretensão/pedido e os seus fundamentos/ causa de pedir, entendida esta como o “facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido" (Antunes Varela e Outros, "Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 245).

(…)

A competência do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pelo A. e pelos fundamentos que invoca, pelo que a análise da petição dos AA é determinante.” (cfr. no mesmo sentido o acórdão do mesmo Tribunal de 15.10.2015, Proc. 051/14).”

E partindo-se deste entendimento, nos citados arestos concluiu-se que cabe aos tribunais da jurisdição comum a competência para conhecer de ações em que, com invocação do direito de propriedade e da sua violação pelo réu, o autor peça a declaração desse direito e a restituição da coisa, ainda que com esses pedidos se cumulem outros de natureza indemnizatória.

Ora, os já referidos pedidos constantes das acima aludidas als. a) a c) assentam na alegação e demonstração (na ótica das autoras) do seu direito de propriedade e visam obter o seu reconhecimento; não se estará perante uma pura ação de reivindicação porque, em termos literais, não é pedida a restituição do terreno em causa, embora o pedido constante da al. d) pareça, de algum modo, pressupô-la, na medida em que refere, como termo "ad quem" da liquidação da indemnização, a sua libertação pela ré.

Esta diferença, porém, não altera o essencial do enquadramento jurídico feito pelas autoras, podendo, por isso, afirmar-se que estas submetem ao tribunal, desde logo, uma questão de direitos reais, que não integra uma relação jurídica de direito administrativo.

Por isso, pode afirmar-se, tal como se disse no último dos citados acórdãos, que os fundamentos que constituem a causa de pedir são demonstrativos da existência de um conflito quanto à titularidade do direito de propriedade sobre o terreno em causa; as autoras alegam factos que viabilizam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno em causa e que visam excluir o mesmo direito da titularidade da ré.

A competência para julgar a questão assim posta cabe, naturalmente, aos tribunais judiciais, e não aos tribunais administrativos; isto mesmo se entendeu nos sobreditos arestos deste Tribunal que versaram casos semelhantes ao que ora apreciamos. (Cfr., ainda, a inúmera jurisprudência deste Tribunal, citada no acórdão de 26.01.2017, Proc. 052/14, atribuindo a competência aos tribunais da jurisdição comum para o conhecimento de ações de reivindicação e, ainda, os de 15.05.2013, Proc. 024/13; de 6.02.2014, Proc. 058/13; de 30.10.2014, Proc. 015/14; de 10.09.2014, Proc. 016/14; de 26.01.2017, Proc. 052/14; de 24.05.2017, Proc. 01/17; de 8.03.2017, Proc. 034/16.)

Esta conclusão não é invalidada pelo teor dos restantes pedidos formulados na p.i. e acima elencados sob as alíneas d) a g).

Como acertada e esclarecidamente se escreveu no acórdão deste Tribunal de 26.01.2017, Proc. 052/14 (citado e parcialmente transcrito no seu parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.):

"Esta jurisprudência é transponível para o caso em apreço e não é a circunstância de alguns pedidos poderem ser enquadrados no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e, portanto, o seu conhecimento ser da competência dos tribunais administrativos, que pode por em crise este julgamento. A eventual incompetência material do tribunal para conhecer desses outros pedidos poderia equacionar uma questão de cumulação ilegal de pedidos (cfr. Acs. de 15/03/2005, P. nº 15/04 e de 9/6/2010, P. nº 12/10, já citado)”

Não cabe a este Tribunal afirmar se os ditos pedidos d) a g) podem, ou não, ser conhecidos pelo tribunal judicial competente para a ação, bastando, a este propósito, lembrar que, de duas, uma:

- ou se entende que os mesmos se reconduzem à previsão das als. g) e i) do nº 1 do art. 4º do ETAF, caso em que poderá entender-se que há uma indevida cumulação de pedidos, nos termos dos arts. 555º, nº 1 e 37º, nº 1 do CPC com as consequências daí advenientes;

-ou se entende poder afirmar-se a existência de uma regra de competência por conexão ou por atração que permita ao tribunal judicial o julgamento de toda a questão (Cfr. op. cit., pág. 118, nota 189.).

III - Pelo exposto, julga-se o presente conflito de jurisdição atribuindo a competência para conhecer da ação aos tribunais da jurisdição comum.

Sem custas neste Tribunal dos Conflitos.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018. – Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho (relatora) – Maria de Fátima Gomes Morais – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Graça Maria Lima de Figueiredo Amaral – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.