Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:011/23
Data do Acordão:11/22/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
Sumário:É da competência dos Tribunais Comuns o pedido de declaração de invalidade/nulidade de uma Convenção Colectiva que não reveste natureza administrativa, recaindo a competência material para apreciar a presente acção no juízo do trabalho, nos termos do artigo 126.º da LOSJ.
Nº Convencional:JSTA000P31584
Nº do Documento:SAC20231122011
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO – JUÍZO DO TRABALHO DO PORTO – JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO
REQUERENTE: STRUN – SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DO NORTE
REQUERIDO: FECTRANS – FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES
ANTROP – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
STRUN - SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS DO NORTE [doravante STRUN], identificado nos autos, instaurou no Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto acção declarativa comum contra FECTRANS - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES, 1ª Ré e ANTROP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTADORES RODOVIÁRIOS DE PESADOS DE PASSAGEIROS – 2ª Ré, pedindo que seja “(...) declarada e reconhecida a invalidade/nulidade da Convenção Coletiva e bem assim a sua total ineficácia com todas as consequências legais, nomeadamente reconhecendo-se a sua total ineficácia e aplicação pelo menos e em particular quanto ao A. e aos seus associados se refere”.
Em síntese, o Autor alega que é uma associação representativa dos trabalhadores e que, relativamente à última Convenção Colectiva negociada no ano de 2022, não concedeu à 1ª Ré poderes de representação na negociação e assinatura dessa Convenção com a 2ª Ré. Alega, ainda, que apesar de expressamente ter declarado que a 1ª Ré não o representava nem tinha poderes para o representar na negociação, esta outorgou a referida Convenção em representação do Autor.
Por isso, considera que a Convenção acordada e assinada não vincula o Autor devendo ser declarada e reconhecida a sua invalidade/nulidade pelo Tribunal.
As Rés contestaram, tendo a Ré ANTROP arguido a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, por considerar que “se o Autor pretende, agora, questionar a capacidade da 1ª Ré para a subscrição, (também) em sua representação, do contrato coletivo de trabalho tem, necessariamente, que pôr em causa o ato administrativo praticado pela Direção Geral do Trabalho e das Relações do Trabalho (DGERT), consubstanciado no depósito do contrato coletivo de trabalho remetido, para cuja prática assentou a análise prévia da capacidade das partes subscritoras”.
Por sentença proferida em 09.11.2022, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, julgou-se materialmente incompetente para apreciar e decidir a causa, sustentando serem competentes os Tribunais Administrativos.
A solicitação do Autor e por despacho de 23.01.2023, o Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, determinou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), o qual por saneador-sentença proferido em 09.03.2023, também se declarou incompetente em razão da matéria.
O Autor requereu a resolução do conflito negativo de jurisdição e os autos foram remetidos a este Tribunal dos Conflitos. Neste Tribunal, as partes foram notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11º da Lei nº 91/2019.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da atribuição da competência ao Juiz 1 do Juízo do Trabalho do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto para conhecer da acção proposta.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1 e o Juízo Administrativo Social do TAF do Porto.
Entendeu o Juízo do Trabalho do Porto que “ A questão da competência do Tribunal relativa a convenções colectivas abrange, de acordo com o disposto no art. 126º nº 1 al. a) da LOSJ (Lei nº 62/2013 de 26/08 com as alterações introduzidas pela Lei nº 77/2021 de 23/11) “a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;'’' e daí que de acordo com o preceituado no art. 183º e seguintes do C.P.T. se encontre prevista acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, sob a forma de processo especial.
Mas, no caso dos autos, o A. não pretende que o Tribunal se pronuncie quanto à validade ou interpretação duma cláusula duma convenção colectiva de trabalho, mas antes aprecie a validade de uma determinada convenção colectiva, dado que, em seu entender, os subscritores da mesma não dispunham de poderes de representação que lhe permitissem intervir na mesma em sua representação.
Ora, a este propósito dispõe o art. 494º do Cód. do Trabalho que o depósito das convenções colectivas obedece aos requisitos ali estabelecidos e deverá ser decidido no prazo de 15 dias a contar da recepção da convenção pelo serviço competente, ou seja, a DGERT, pelo que tendo a mesma convenção sido aceite e depositada o que pretende o A. com a instauração da presente acção é, precisamente, revogar a vigência daquela convenção colectiva no que a si e aos seus associados diz respeito.
Estamos, pois, e salvo melhor opinião, perante uma acção que visa revogar uma decisão administrativa emitida pelo serviço do Ministério do Trabalho com competência para o efeito e que deverá ser apreciada pelos tribunais administrativos.”
Por sua vez o Juízo Administrativo Social do TAF do Porto considerou que “Perante os termos em que o Autor, sindicato, configurou na petição inicial a causa de pedir, o pedido, e os Réus, federação de sindicatos e associação de empregadores que demandou, não há dúvida de que estamos perante uma acção da competência dos tribunais comuns.
Estamos perante um litígio que se prende com a (alegada) ilegalidade/ineficácia de instrumento de regulamentação colectiva, consistindo a causa de pedir na alegada falta de poderes de representação do 1.º Réu para negociar e celebrar a dita convenção colectiva em representação/nome do Autor, com o 2.º Réu, o que seria do conhecimento deste último.
Os Tribunais de Trabalho têm competência para conhecer das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que não tenham natureza administrativa, sendo que as partes não invocam, nem resulta que a controvertida convenção colectiva tenha natureza administrativa.
Interpretando os termos da acção, não pode concluir-se que se possa fundar a competência dos tribunais administrativos em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 4º do ETAF, e, por outro lado, não vêem demandadas entidades, no lado passivo da demanda, que actuam nas vestes de autoridade pública, investidos de ius imperium, com vista à realização do interesse público”.

Vejamos.
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” [artigos 211.º, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF].
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.º do ETAF com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.
Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. 08/14, “A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo”.
Sobre a noção de “relação jurídica administrativa”, esclarece José Carlos Vieira de Andrade: “na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)
A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.
Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” (cfr. A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 53).
Também Carlos Cadilha, refere que “Por relação jurídica administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica inter-subjetiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, interadministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (cfr. Dicionário de Contencioso Administrativo, 2006, pág. 117/118).
No caso dos autos, o Autor pede a declaração de invalidade/nulidade de uma Convenção Colectiva de Trabalho assinada entre as Rés por alegada falta de poderes de representação da 1ª Ré para negociar e outorgar a dita Convenção em nome do Autor.
Tomando em consideração o pedido e a causa de pedir e constatando que as Rés, sujeitos privados, não actuaram no exercício de quaisquer prerrogativas de poder público ou ao abrigo de disposições ou princípios de direito administrativo, concluímos que a questão dos autos não emerge de qualquer relação jurídica administrativa, mas de uma relação no âmbito do direito privado.
Assim, a relação material controvertida, tal como é caracterizada pelo Autor, não se inscreve em nenhuma das alíneas do nº 1, do art. 4º, do ETAF.
Na verdade, perante os termos em que o Autor configurou na petição inicial a causa de pedir, o pedido e as Rés que demandou, não há dúvida de que estamos perante uma acção de anulação da referida convenção colectiva de trabalho, da competência dos tribunais comuns.
A LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) prescreve no artigo 126.º que: “1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa”.
Como se referiu, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos, independentemente do que o réu invoque no quadro da sua defesa e de qualquer juízo de prognose sobre a procedência ou improcedência da acção e daquilo.
Ora, vindo pedido a declaração de invalidade/nulidade de uma Convenção Colectiva que não reveste natureza administrativa, temos de concluir que a competência material para apreciar a presente acção pertence ao juízo do trabalho, nos termos do citado artigo 126.º da LOSJ.
Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a acção o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1.
Sem custas.

Lisboa, 22 de Novembro de 2023. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.