Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:017/18
Data do Acordão:10/25/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:JÚLIO GOMES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23789
Nº do Documento:SAC20181025017
Data de Entrada:03/12/2018
Recorrente:A…………, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DA GRANDE LISBOA NOROESTE - SINTRA - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL - JUÍZO 2 E A COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DE LISBOA E VALE DO TEJO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

I - Relatório

1. A………… veio, em conformidade com o disposto no n.º 1, do artigo 109.º e números 1 e 3 do artigo 110.º, ambos do CPC, e n.º 1, do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 19.243, de 16/01/1931, requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição entre:

- Comarca da Grande Lisboa - Noroeste - Sintra - Juízo de Instrução Criminal- Juízo 2,

e

- A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (adiante designada abreviadamente por CCDRLVT).

Alegou para o efeito, e em síntese, que:

Em 14 de agosto de 2013, o Destacamento Territorial de Mafra da Guarda Nacional Republicana procedeu ao encerramento e selagem das instalações sitas em Rua da ……… n.º ……, ………, freguesia de Milharado Concelho de Mafra, onde o Requerente exercia a sua atividade de armazenamento e triagem de resíduos (sucata), em virtude de o Requerente não possuir licenciamento que titulasse a atividade de armazenamento, tratamento ou valorização de metais não preciosos, conforme auto de encerramento e selagem das instalações que levantou e que se mostra anexo (doc. n.º 1).

Com o encerramento e selagem dessas instalações ficaram depositados, no seu interior, diversos equipamentos, documentação (fiscal, contabilística e ambiental) e resíduos (ferrosos e não ferrosos) que lhe pertencem.

O Requerente não pretende retomar a sua atividade.

Por outro lado, o seu Filho e Nora iniciaram a mesma atividade em novas instalações que estão em processo de licenciamento (doc. n.º 4), instalações que obtiveram já o alvará de utilização.

O Requerente pretende, por conseguinte, aceder às instalações que foram encerradas e seladas "com o propósito de retirar todos os seus bens, dar o devido destino ao de resíduos e cessar a sua atividade fiscal" (artigo 10.º do Requerimento).

O Requerente dirigiu à CCDRLVT, por email datado de 11/02/2014, um pedido de acesso às instalações para delas poder retirar todo o material que nelas se encontra e poder proceder à venda do mesmo a empresa licenciada.

A 20/03/2014, a CCDRLVT respondeu, por ofício, afirmando que o pedido deveria ser endereçado ao Tribunal Judicial de Mafra e à Guarda Nacional Republicana, "entidades que levaram a cabo a selagem das instalações".

A 27/03/2014 o Requerente dirigiu ao JIC da Comarca da Grande Lisboa Noroeste-Sintra um requerimento para entrar nas instalações e proceder à remoção e ulterior venda do material.

Em 01/04/2014, o mencionado Tribunal, por despacho, respondeu que o requerimento deveria ser "endereçado à entidade licenciadora, entidade competente para o efeito".

A 09/04/2014 o Requerente enviou um email à CCDRLVT em que lhe comunicou a decisão do Tribunal. A 30/04/2014 enviou novo e-mail à CCDRLVT com idêntico conteúdo.

A CCDRLVT por ofício de 19/06/2014 afirmou que não estavam reunidos os pressupostos para face ao n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 54/2012 poder autorizar a entrada nas instalações e a remoção dos materiais.

O Requerente a 08/09/2014 remeteu à CCDRLVT novo email em que, designadamente, fazia menção dos danos que estava a sofrer por força da destruição e uma máquina e da sucata que estava, alegadamente, a ser progressivamente furtada.

A 19/09/2014 dirigiu ao JIC da Comarca da Grande Lisboa Noroeste-Sintra novo requerimento, pedindo autorização para "remover todo o material para operador licenciado".

Em despacho datado de 30/09/2014 este Tribunal veio afirmar que a intervenção do Tribunal se esgotou com a validação da medida cautelar do encerramento.

A 27/09/2016 o Requerente enviou à CCDRLVT novo requerimento.

Na mesma data deu também conhecimento da questão ao Exmo. Sr. Provedor de Justiça.

A CCDRLVT continua a recusar-se a autorizar a entrada nas instalações e a remoção do material.

O Requerente veio, por isso, pedir a resolução do conflito negativo de jurisdição, concluindo o seu requerimento com o pedido de que seja declarada competente, em razão da matéria, a entidade licenciadora, a CCDRLVT.

Dos presentes autos constam os elementos documentais nos quais ambas as entidades - Judicial e Administrativa - se declararam incompetentes materialmente para o conhecimento da mesma questão.

O Ministério Público emitiu Parecer (ff. 74 e ss.) concluindo que o presente Conflito Negativo de Jurisdição deve ser decidido no sentido de "ser atribuída a competência em conflito à Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo".

II. Fundamentação

a) De Facto

Importa atender aos seguintes factos comprovados nos autos:

1. Em 14 de agosto de 2013, as instalações do Requerente, sitas em Rua da ……… n.º ……, ………, freguesia de Milharado Concelho de Mafra, foram encerradas e seladas pelo Destacamento Territorial de Mafra da Guarda Nacional Republicana, em virtude de o Requerente não possuir licenciamento que titulasse a atividade de armazenamento, tratamento ou valorização de metais não preciosos.
2. No interior dessas instalações ficaram diversos equipamentos, documentação (fiscal, contabilística e ambiental) e resíduos (ferrosos e não ferrosos).
3. O Requerente dirigiu à CCDRLVT vários pedidos de autorização para entrar nas instalações, remover os bens lá deixados e proceder à sua venda, esclarecendo que não estava interessado em retomar a sua atividade. A 20/03/2014, a CCDRLVT afirmou que o pedido de autorização deveria ser endereçado ao Tribunal Judicial de Mafra e à Guarda Nacional Republicana, "entidades que levaram a cabo a selagem das instalações", tendo reiterado, por ofício de 19/06/2014, que não estava em condições de poder conceder a referida autorização.
4. A 01/04/2014 o JIC da Comarca da Grande Lisboa Noroeste-Sintra proferiu despacho afirmando que o pedido de autorização deveria ser "endereçado à entidade Iicenciadora, entidade competente para o efeito", tendo reafirmado em despacho de 30/09/2014 que a intervenção do Tribunal se esgotou com a validação da medida cautelar do encerramento.

b) De Direito

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber quem tem competência, em razão da matéria - se CCDRLVT, se o Tribunal de Instrução Criminal de Sintra - para autorizar o Requerente a retirar, das instalações que foram encerradas e seladas, todos os seus bens que nelas se encontram, já que pretende cessar a sua atividade (artigo 5.º do Requerimento) e "dar o devido destino ao de resíduos" (artigo 10.º do Requerimento).

Sublinhe-se, antes de mais, que questão similar já foi decidida recentemente por este Tribunal, no seu Acórdão de 14/09/2017 (ANA LUÍSA GERALDES), processo n.º 017/17, que decidiu ser a CCDRLVT a entidade competente para autorizar a abertura do estabelecimento para ser retirado o material aí depositado.

No caso dos autos a CCDRLVT invocou, como fundamento da sua posição de que não era competente para o efeito o artigo 8.º da Lei n.º 54/2012 de 6 de Setembro, e, mais precisamente, o n.º 5 deste artigo, nos termos do qual "a reabertura das instalações pode ser autorizada pela entidade licenciadora nos casos em que seja apresentado pedido de licenciamento em prazo inferior a 30 dias a contar do encerramento e selagem, e após deferimento do mesmo, disso sendo dado conhecimento ao tribunal competente". Como não se verificou esse pedido de licenciamento dentro do referido prazo a CCDRLVT retirou a contrario que carecia de competência em qualquer outra hipótese de pedido de acesso às instalações.

O argumento a contrario é, contudo, dos mais débeis e perigosos argumentos na argumentação jurídica. Com efeito, o que o Requerente pretende não é retomar a sua atividade - e daí que não tenha apresentado qualquer pedido de licenciamento - mas cessá-la e alienar os bens que se encontram nas instalações. Não se trata, assim, em rigor de reabertura das instalações no sentido de o estabelecimento voltar a funcionar, mas apenas de acesso às instalações para dela retirar bens que o Requerente pretende alienar.

Como no já mencionado Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 14/09/2017 se afirma, a medida de encerramento e selagem das instalações dos operadores cuja atividade de armazenamento, tratamento ou valorização de metais não preciosos não se encontre licenciada ou relativamente à qual não exista pedido de licenciamento em tramitação é uma medida provisória e cautelar, cuja justificação se encontra "em razões de salvaguarda de valores como o ambiente e a saúde, evitando os riscos derivados da conspurcação do meio ambiente e visando, em simultâneo, disciplinar uma matéria a que subjazem fins de outra natureza, v.g., económicos e regulatórios em que as componentes ambientais e humanas estão intrinsecamente associadas, dado os impactos adversos para a saúde pública de uma desregulação desse sector", tratando-se materialmente de um procedimento de jurisdição administrativa. E como bem destaca o Ministério Público no douto Parecer junto aos autos "são as entidades administrativas as competentes em primeira linha para, não só licenciar a atividade em referência, como também para fiscalizar e monitorizar a respetiva atividade". Aliás, caberá também a essa entidade licenciadora decidir da abertura das instalações e acesso aos bens que aí se encontram, como igualmente "fiscalizar e monitorizar a retirada do material, assegurando que tudo correrá dentro das normas de segurança sem prejuízo para o ambiente" (artigos 27.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro).

Deve, pois, ser a entidade licenciadora quem deverá decidir, atendendo designadamente aos interesses que legalmente defende, da abertura e do acesso às instalações e, caso os autorize para o efeito pretendido pelo Requerente, comunicar ao Tribunal que deu a mencionada autorização. Sem prejuízo, como sublinha o Acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 14/09/2017, de o Requerente "poder submeter a situação à sindicância Jurisdicional dos atos administrativos por parte dos Tribunais Administrativos e Fiscais".

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes, que constituem o Tribunal dos Conflitos, em declarar competente em razão da matéria, para conhecer e decidir a questão suscitada nos presentes autos a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo.

Sem custas.

Lisboa, 25 de outubro de 2018. – Júlio Manuel Vieira Gomes (relator) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges – António Bento São Pedro - António Leones Dantas - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.