Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:018/14
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SOUSA LEITE
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
ACÇÃO DE HONORÁRIOS.
Sumário:- O estatuído no art. 76°, n.° 1 do CPC constitui uma regra respeitante à determinação da competência territorial do tribunal, cuja aplicação se mostra condicionada à competência em razão da matéria do órgão jurisdicional onde pende o processo em que foram prestados os serviços cuja cobrança vem exigida.
- A apensação da referida acção de honorários não pode, portanto, ocorrer, no caso daquele último tribunal pertencer à jurisdição administrativa, tramitando, então, tal processo, no tribunal pertencente à jurisdição comum, que se mostre territorialmente competente.
Nº Convencional:JSTA00068856
Nº do Documento:SAC20140709018
Data de Entrada:03/18/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3 JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VALONGO E O TAF DE PENAFIEL
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO TCIV VALONGO TAF PENAFIEL.
Decisão:DECL COMPETENTE TCIV VALONGO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC13 ART109 N1 ART85 N1 ART35 ART36 ART66 ART672 N1 ART677.
ETAF02 ART4.
LOFTJ99 ART26 N1.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC027/03 DE 2004/05/12.; AC TCF PROC019/08 DE 2008/11/27.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG89.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO VOLI PAG204.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos
I – A………………., advogada, instaurou, em 16/01/2013, no tribunal judicial da comarca de Valongo a presente acção de honorários, em que peticionou a condenação de B………………., notária, no pagamento da quantia de € 3.673,40, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal e desde a data de vencimento do referido pagamento, quantitativo este correspondente aos honorários devidos pelos serviços por aquela a esta prestados em aconselhamento jurídico, na elaboração e apresentação em juízo dos articulados da acção que, com o n.° 1058/10.0TBVLG, correu termos no 3º juízo do tribunal judicial de Valongo, na representação da mesma em dois processos disciplinares instaurados pelo Instituto dos Registos e Notariado e Ordem dos Notários e na apresentação de denúncia, em nome da Ré, na Autoridade da Concorrência.
Na contestação que apresentou, a demandada veio alegar ter já procedido ao pagamento dos honorários que se mostram ser os ajustados aos serviços que lhe foram prestados pela A.
Em despacho, de seguida proferido, o magistrado judicial titular do processo declarou o tribunal da comarca de Valongo territorialmente incompetente para a acção, por tal competência se radicar no tribunal da causa onde foram prestados os serviços cujo pagamento vem peticionado, devendo, consequentemente, a presente acção correr termos por apenso ao processo acima identificado, pelo que, por tal motivo, foi ordenada em 08/11/2013 a remessa dos presentes autos para apensação àqueles.
Ora, no indicado processo n.° 1058/10.0TBVLG, que, em virtude do tribunal comum onde o mesmo havia sido instaurado se ter declarado incompetente em razão da matéria, tinha sido remetido ao TAF do Porto, e, posteriormente, por este ao TAF de Penafiel, foi, então, proferida sentença em 29/04/2011, na qual teve lugar a absolvição da instância da aqui Ré, uma vez que aquele último tribunal se declarou incompetente em razão da matéria, em consequência de ter radicado a competência para a acção nos tribunais comuns.
Apensos os presentes autos ao processo pendente no TAF de Penafiel, a magistrada titular do processo proferiu, de seguida, despacho, no qual, e ao abrigo do estatuído nos arts. 109, n.º 2 e 111º do NCPC, veio suscitar a fixação, por este Tribunal dos Conflitos, da jurisdição competente para o julgamento da presente acção de honorários.
No parecer que proferiu, o Exmº Procurador-Geral Adjunto junto do STA pronunciou-se no sentido do deferimento de tal competência aos tribunais judiciais e, no caso em análise, ao TJC de Valongo.
Por jubilação do relator a quem o processo fora distribuído, o mesmo foi objecto de distribuição ao ora relator.
Tendo havido lugar à dispensa de vistos, cumpre decidir.
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II – Dado que os factos a ter em linha de consideração para a decisão a proferir se circunscrevem aos que se mostram já enunciados no antecedente relatório, torna-se despicienda de toda e qualquer relevância prática a reiteração da sua enunciação, pelo que, assim, e desde já, para os mesmos se remete.
Temos, pois, que a questão a dirimir no conflito que vem suscitado, se traduz na determinação da jurisdição - comum ou administrativa -, onde deve tramitar a presente acção de honorários, uma vez que, quer o Tribunal Judicial da Comarca de Valongo, quer o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel se atribuem, reciprocamente, competência para tal, denegando a própria – art. 109°, n.° 1 do NCPC.
Assim, e como vem sendo pacificamente considerado na doutrina e na jurisprudência, para a determinação da competência jurisdicional em razão da matéria, deve atender-se aos fundamentos invocados pelo respectivo autor para a acção (causa de pedir), bem como à pretensão, que, pelo mesmo, é formulada em juízo (pedido) – Noções do Prof. Manuel de Andrade, pág. 89 e Acórdãos do STJ de 12/02/2002, de 15/01/2004, de 27/01/2004, de 18/03/2004, de 13/05/2004, de 13/03/2008 e de 10/04/2008, entre outros.
Ora, na situação aqui em causa, a acção instaurada tem por objecto o ressarcimento da A, no que respeita aos honorários devidos pela actividade por si desenvolvida no exercício do mandato forense que lhe foi conferido pela Ré, serviços esses prestados nomeadamente num processo que teve o seu epílogo no foro administrativo.
Com efeito, e se é certo, que, relativamente à acção de honorários, o legislador consagrou o princípio do foro instrumental, uma vez que, quanto às acções com tal natureza é para tal competente o tribunal da causa onde o serviço foi prestado, devendo aquela acção ser apensa a esta última – art. 76°, n.° 1 do CPC, normativo vigente à data da instauração da acção aqui em questão -, todavia, da localização de tal princípio, na parte da codificação processual relativa à competência territorial dos tribunais judiciais - secção IV do capítulo III do Livro II -, pode concluir-se, atenta a circunstância da sua não inserção na secção respeitante à competência em razão da matéria, que, ao mesmo, se mostra de todo em todo alheia a definição da competência material do tribunal – secção I do mesmo capítulo e livro -, já que “o artigo 76º pressupõe necessariamente que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários, e, partindo deste pressuposto, atribui-lhe também competência, em razão do território, para a mesma acção. Se o pressuposto falha, como no caso do mandato perante um tribunal administrativo, fiscal, etc, cessa a disposição do artigo” – Comentário do Prof. Alberto dos Reis, vol. 1º, pág. 204.
Porém, e ainda que na situação aqui e ora em causa, e como, aliás, já anteriormente se aludiu, no processo onde foram prestados os serviços a que se reportam os honorários que vêm peticionados, haja sido proferida decisão, já devidamente transitada em julgado, na qual o foro administrativo foi considerado incompetente em razão da matéria para a tramitação da referida acção, o que desde logo precludiria, em absoluto e sem mais, a competência de tal foro para a tramitação dos presentes autos como um apenso daquele processo principal, também, e por outro lado, há que referir, que, constituindo o mandato judicial um contrato de direito civil - arts. 35° e 36° do CPC -, atento o âmbito da competência jurisdicional estabelecida para os tribunais do foro administrativo no art. 4° do ETAF, sempre a estes estaria vedada tal competência relativamente às acções de honorários respeitantes a mandato forense exercido em acção tramitada naquele indicado foro, como aliás vem sendo decidido por este Tribunal dos Conflitos – vide Acórdãos de 12/05/2004 no Proc. 027/03, de 27/11/2008 no Proc. 019/08 e recensão jurisprudencial dos mesmos constante.
Temos, portanto, que, perante o apontado circunstancialismo, para a determinação da competência material para a tramitação da presente acção de honorários se terá, então, de lançar mão do princípio geral da competência residual dos tribunais comuns - arts. 26°, n.° 1 da LOFTJ (Lei n.° 52/2008, de 28/08) e 66°, 672°, n.° 1 e 677° do CPC -, da aplicação do qual decorre, por seu turno, que, para a efectivação da referida tramitação, seja territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Valongo, comarca esta onde se localiza o domicílio da Ré - art. 85°, n.° 1 do CPC.
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III – Atento o exposto, decide-se o presente conflito de jurisdição, no sentido de considerar competente para a acção de honorários a que se reportam os autos, a jurisdição comum, e, no âmbito desta, o Tribunal da comarca de Valongo.
Sem custas.
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SUMÁRIO

- O estatuído no art. 76°, n.° 1 do CPC constitui uma regra respeitante à determinação da competência territorial do tribunal, cuja aplicação se mostra condicionada à competência em razão da matéria do órgão jurisdicional onde pende o processo em que foram prestados os serviços cuja cobrança vem exigida.
- A apensação da referida acção de honorários não pode, portanto, ocorrer, no caso daquele último tribunal pertencer à jurisdição administrativa, tramitando, então, tal processo, no tribunal pertencente à jurisdição comum, que se mostre territorialmente competente.

Lisboa, 09 de Julho de 2014. – José Joaquim de Sousa Leite (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – António Artur Rodrigues da Costa – António Bento São Pedro – Armindo dos Santos Monteiro – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.