Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:023/05
Data do Acordão:10/12/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLIVEIRA BARROS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
CITAÇÃO.
CÔNJUGE.
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES.
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00063519
Nº do Documento:SAC20061012023
Data de Entrada:11/16/2005
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LOUSA E O TAF
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO COMPETÊNCIA TAF COIMBRA - TRIBUNAL JUDICIAL DE LOUSÃ.
Decisão:DECL COMPETENTE TRIBUNAL JUDICIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART151 N1 ART166 ART220.
CONST97 ART212.
ETAF02 ART4 ART49 N1 D.
LGT98 ART103.
CCIV66 ART1770 ART1771.
CPC96 ART96 N2 ART1406.
Jurisprudência Nacional:AC RC DE 1984/12/18 IN CJ ANOIX T5 PAG99 PAG100.; AC STJ DE 1998/04/16 IN BMJ N476 PAG305.
Referência a Pareceres:P PGR 53/62 DE 1962/10/25 IN BMJ N120 PAG181.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIII PAG563 PAG564.
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL N94 II A.
ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG207 PAG222.
LOPES CARDOSO MANUAL DOS INCIDENTES DA INSTÂNCIA 2ED PAG10.
SALVADOR COSTA OS INCIDENTES DA INSTÂNCIA 4ED PAG10-PAG12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

A… requereu em 3/3/2005 no Tribunal Judicial da comarca da Lousã a instauração de inventário para separação de meações.

No processo assim iniciado, foi no seguinte dia 17 proferido despacho liminar que, com fundamento, em termos de facto, em que se tratava de processo com carácter acidental relativamente a processo de execução a correr termos na Repartição de Finanças da Lousã, e louvando-se, em termos de direito, no art.151°, n°1°, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ordenou a remessa do processo ao tribunal tributário de 1ª instância territorialmente competente.

Em despacho de 23/5/2005, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra declinou a competência em razão da matéria dessa ordem jurisdicional para conhecer daquele processo, indeferiu liminarmente, nos termos dos arts. 16° CPPT e 234°-A CPC, o requerimento inicial do mesmo, e, na falta de declaração formal, expressa, da sua própria incompetência material por parte do tribunal judicial referido, ordenou que os autos aguardassem por 14 dias a contar do trânsito dessa decisão que a requerente do inventário requeresse a remessa do processo ao Tribunal Judicial da Lousã, nos termos do art.18°, n°1°, CPPT - o que esta efectivamente fez em 25/5/2005.

Foi então proferido nesse Tribunal, em 6/6/2005, despacho, por igual transitado em julgado (cfr. o certificado a fls.68), que, desta vez expressamente, declinou, invocando os arts.66°, 96°, 101º, 102°, 103° e 105° CPC, a sua competência em razão da matéria para conhecer do processo aludido, atribuindo-a aos tribunais tributários de 1ª instância.

O requerimento da instauração do inventário pretendido foi, por isso, indeferido liminarmente.

Em 24/6/2005 a requerente do inventário requereu, ao abrigo do art.117°, n°1°, CPC, ao Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra a resolução de conflito de jurisdição assim gerado, que como tal ajustadamente qualificou.

Autuado esse requerimento como relativo a conflito de competência, o relator a que esses autos foram distribuídos, reportando-se ao disposto nos arts.115°, n°1°, e 116°, n°1°, 1ª parte, CPC, conjugado, este, com os arts.33°, al.b), a contrario, e 36°, al.d), Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ - Lei n°3/99, de 13/1, republicada em anexo à Lei n°105/2003, de 10/12), e 59°, § 2°, do Regulamento do Tribunal de Conflitos, julgou, com invocação ainda de acórdão deste mesmo Tribunal de 27/2/75, publicado nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo n°172, 303, ser ao Tribunal de Conflitos que cabe resolver o conflito em questão, ordenando, consoante art.117°, n°2°, CPC, a remessa dos autos a este Tribunal.

Ouvidas as autoridades em conflito (arts.118° e 119° CPC ), nada vieram dizer.

Observado o disposto no art.120°, n°1°, CPC, o M°P°, com referência aos arts.209°, n°1°, e 212° da Constituição, e 115°, nºs 1° e 2°, e 116°, n°1°, CPC, pronunciou-se no sentido da atribuição ao tribunal judicial da competência para proceder à separação de bens pretendida.

Louvou-se para tanto no disposto nos arts.151°, n°1°, e 166° CPPT e 18°, n°1°, LOFTJ e nas razões indicadas no despacho do Senhor Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra. Aditou ter essa solução respaldo na doutrina, citando Jorge Lopes de Sousa, “ CPPT Anotado “, 4ª ed., 956-957.

Colhidos os vistos legais, importa decidir. Assim:

Na tese da Senhora Juíza da comarca da Lousã, está-se perante incidente de processo de natureza fiscal, atípico, visto que não referido no art. 166° CPPT. Daí a competência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, conforme art.151°, n°1°, CPPT.

Fundamentou essa posição em que o processo de inventário em questão deriva de execução fiscal pendente na Repartição de Finanças da Lousã em que foi penhorado bem comum do casal, constituindo incidente só surgido depois da citação efectuada nesse processo nos termos do art. 220° CPPT.

Do conhecimento dos tribunais tributários as questões relativas a tais processos, a partir dessa citação, “todo o processo emerge duma relação jurídica tributária, que, neste caso, significa, salvo o incidente de separação judicial de bens, a responsabilização do cônjuge por dívidas tributárias do outro” ; e “todo o incidente é regulado, num primeiro momento, pela legislação processual fiscal”, o que indicia ser essa a jurisdição competente, conforme art.151°, n°1°, CPPT.

Tal assim apesar de não incluído nos incidentes típicos referidos no art.166° CPPT, mas por se tratar de incidente atípico, dado constituir ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo, visto que determina a suspensão da execução fiscal até à sua decisão.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra discorreu-se, em suma, e bem que em ordem diversa, como segue:

O âmbito da jurisdição fiscal encontra-se definido nos arts.212° da Constituição e 4° e 49° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de que decorre que compete aos tribunais fiscais pronunciar-se apenas sobre as relações jurídicas fiscais.

Entende-se como questão fiscal a que emerge duma resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto das relações jurídicas com tal objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas.

O inventário para separação de meações que emerge duma execução fiscal não integra uma questão fiscal, mas sim uma questão privada entre cônjuges.

Esse inventário para partilha dos bens comuns do casal destina-se a garantir os interesses dum cônjuge contra os encargos do outro.

O Estado intervem nele nos mesmos termos que qualquer outro credor do cônjuge executado.

Tornado necessário por os processos de execução fiscal, apesar de terem carácter judicial, correrem termos, conforme art.103° da Lei Geral Tributária, nos serviços das finanças, o art.151° CPPT visa apenas regular as questões de competência adentro do processo de execução fiscal - não também as questões de competência entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa e fiscal.

Trata-se, nesse preceito, de separar as águas num processo em que participam, em momentos distintos, um órgão administrativo e um órgão judicial, competindo àquele praticar actos de natureza não jurisdicional e a este dirimir as questões de natureza jurisdicional suscitadas no processo de execução fiscal.

O inventário para separação de meações não faz parte dos incidentes típicos da execução fiscal previstos no art. 166° CPPT, nem é um incidente atípico, pois não se trata de ocorrência extraordinária que interfira com o andamento normal do processo, constituindo, isso sim, questão prejudicial que determina a suspensão da execução fiscal até à sua decisão no tribunal competente.
Finalmente:

Uma vez que, como se vê dos arts.1770° e 1771° C.Civ., o inventário para separação de meações se destina a produzir efeitos também fora da execução de que depende, e como bem assim resulta do art.96°, n°2°, CPC, que afasta o caso julgado material quando a decisão da questão incidental importe violação dessas regras, as regras de competência absoluta obstam à apensação determinada no art.1406° CPC.

Vejamos então:

Um dos critérios de repartição do poder jurisdicional no plano interno é, como se sabe, o do objecto do litígio. A instituição de diversas espécies de tribunais e a definição da respectiva competência em razão da matéria ou objecto da causa, ou seja, da natureza da relação substancial pleiteada obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes, desde logo, uma maior garantia de acerto ou perfeição da decisão.(Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil” (1976), 94-II-a), Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 207 (n°66) e 222).

O art.49°, n°1°, al.d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei n°13/2002, de 19/2, comete, nomeadamente, aos tribunais tributários a competência para conhecer dos incidentes e das oposições. Segue-se, deste modo, regra clássica, segundo a qual accessorium sequitur principali.

Na definição de Mortara, subscrita por Alberto dos Reis, “Comentário “, III, 563 (v. também 564), transcrita em Ac. STJ de 24/1/89, BMJ 383/521, o incidente é uma forma processual secundária que apresenta o carácter de episódio ou acidente em relação ao processo da acção (no caso, executiva fiscal) (V. também, ARC de 18/12/84, CJ, IX, 5°, 99-III e 100, 2ª col. ; desenvolvidamente, Parecer da PGR n°53/62, de 25/10/62, no BMJ 120/181 ss; e, mais recentemente, Ac. STJ de 16/4/98 , BMJ 476/305-I).

Inumeráveis as questões que podem surgir no decurso das causas e de que a discussão se reveste de carácter incidental, a grande maioria constitui objecto de incidentes inominados ou atípicos; outras são assunto de incidentes perfeitamente definidos e assim intitulados - incidentes nominados, típicos (Transcreveu-se enunciado de Lopes Cardoso, “Manual dos Incidentes da Instância ”, 2ª ed. (1965), 10. V. também Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância ”, 4ª ed. (2006), 10 a 12).

Posto que têm por objecto questão que não é a questão fundamental da causa, visando, antes, questões secundárias ou acessórias, enxertadas na questão principal, os incidentes constituem ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide - ou, na expressão dos tribunais referidos, ocorrências extraordinárias que perturbam o movimento normal do processo.

Destinada a separação de meações pretendida a salvaguardar o património dum dos cônjuges da responsabilização por dívida do outro, opera-se em processo especial, de inventário, autónomo e com tramitação específica. E conquanto, é certo, apenas eventual, e determinante da suspensão da execução, mas prevista que, na realidade, se encontra na própria regulamentação do processo executivo, bem, afinal, não se vê como considerar a dedução do pedido de separação das meações como ocorrência extraordinária, estranha ou anormal.

Por outro lado, determinada a competência material pela vocação específica das diversas espécies de tribunais, bem, de facto, não se vê também como incluir na própria dos tribunais tributários a de proceder a inventário para separação de meações.

Como assim conforme com a boa razão a solução propugnada pelo M°P°, decide-se declarar o Tribunal Judicial da comarca da Lousã o competente para levar a efeito o inventário para separação de meações em questão.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Outubro de 2006. Manuel Oliveira Barros (relator) –António Fernando Samagaio – Manuel Maria Duarte Soares – Fernando Manuel Azevedo Moreira – Carlos Alberto Bettencourt de Faria – Rosendo Dias José.