Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:015/16
Data do Acordão:10/20/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. TRIBUNAL COMPETENTE.
Sumário:Cabe à jurisdição administrativa a apreciação de acção de condenação do Estado fundada em enriquecimento sem causa emergente de uma relação jurídico - administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P21031
Nº do Documento:SAC20161020015
Data de Entrada:04/28/2016
Recorrente:A....., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE LISBOA, MOITA, INSTÂNCIA LOCAL,SECÇÃO CÍVEL J1 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:

1.

1.1. A…….., residente no Barreiro, propôs nos tribunais judiciais acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português – Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo a sua condenação ao cumprimento da obrigação de restituir tudo quanto obteve à sua custa, com fundamento no seu enriquecimento sem causa, ou seja, o correspondente às importâncias já penhoradas sobre o seu crédito, equivalentes à totalidade da quantia exequenda no âmbito de processo de execução fiscal.
Os fundamentos da acção, conforme sintetizados, no essencial, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, são os seguintes:
No âmbito de um processo de execução fiscal instaurado contra o pai da A…, nos Serviços de Finanças do Barreiro, foi ordenada a penhora dum crédito de rendas fundado em contrato de arrendamento comercial dum prédio;
À data, o executado havia doado à filha a sua quota, correspondente a ¼ indiviso do imóvel;
O acto de doação encontrava-se registado a favor da A…., ainda assim, a Autoridade Tributária promoveu a penhora das rendas, sem prévia notificação dos proprietários, tendo a arrendatária cumprido o despacho;
Apesar de a A. ter dado conhecimento da alteração da titularidade do prédio às Finanças, solicitando o cancelamento da penhora e a restituição das quantias indevidamente recebidas, a Autoridade Tributária nada fez, permitindo a liquidação integral da quantia exequenda, no montante de 13.314,27€;
A A. reagiu mediante embargos de terceiro, mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou procedente a excepção de intempestividade e considerou caducado o direito de acção da embargante;
Pretende a A. e ora recorrente a restituição da indicada quantia e juros de mora com fundamento no enriquecimento sem causa, por entender que, no caso concreto, a lei não lhe faculta outro meio de ser indemnizada ou restituída.

1.2. O Réu contestou e suscitou, desde logo, a incompetência absoluta do tribunal judicial, por entender que a causa de pedir não se coadunava com o instituto do enriquecimento sem causa, podendo, sim, configurar responsabilidade civil, para cuja apreciação eram competentes os tribunais administrativos.

1.3. A Autora replicou, opondo-se à excepção.

1.4. O Tribunal da Comarca de Lisboa – Moita – Instância Local – Secção Cível, decidiu: «Julga-se verificada a exceção da incompetência (absoluta) em razão da matéria dos juízos de instância local cível da comarca de Lisboa, sediados no tribunal da Moita, estabelecendo essa competência no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) sediado em Almada» (fls. 201/210).

1.5. A Autora não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Lisboa.

1.6. Por acórdão daquele Tribunal de 03.12.2015 (fls. 292/304), foi negado provimento ao recurso.

1.7. De novo discorda a Autora, apresentando recurso para este Tribunal dos Conflitos, insistindo em que a sua acção deve ser vista à luz do instituto do enriquecimento sem causa, e não do da responsabilidade civil, pelo que compete aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos a sua apreciação.

1.8. O Estado defende a confirmação do julgado.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. A factualidade a atender é a que se apresentou no relato.

2.2. Na acção, a Autora pede a condenação do Réu restituir-lhe o que obteve à sua custa, correspondente às importâncias já penhoradas e liquidadas, equivalentes à totalidade da quantia exequenda no âmbito de processo de execução fiscal.

A controvérsia quanto ao tribunal competente tem-se centrado em que a Autora considera que a sua acção é fundada exclusivamente em enriquecimento sem causa, sendo, por isso, na sua óptica, competentes os tribunais judiciais, e o Réu e as instâncias têm entendido que o que está em causa é a responsabilidade civil extracontratual do Estado, para cuja apreciação são competentes os tribunais administrativos.
Para o que interessa à definição da jurisdição competente, a discussão não se encontrará totalmente bem situada.
Quer se dê razão à Autora, na sua reiterada sustentação de que só funda a acção em enriquecimento sem causa, não em responsabilidade civil, quer se dê razão às instâncias, a competência caberá sempre à jurisdição administrativa e fiscal.
A competência dos tribunais administrativos para as acções de responsabilidade civil extracontratual do Estado é matéria que não se encontra sequer em discussão; já quanto ao enriquecimento sem causa, encurtando razões, remetemos para o acórdão proferido neste mesmo Tribunal, em 17.9.2015, processo 4/15:
«O enriquecimento sem causa está, actualmente, previsto no CPTA como um dos litígios que seguem a forma da acção administrativa comum – art. 37º, 2, al. i) do CPTA [Nota: agora, artigo 37.º, 1, m)]. Esta previsão mostra que o legislador entende que pode haver situações de enriquecimento sem causa, cuja relação jurídica deva ser qualificada como uma relação jurídica administrativa.
O enriquecimento sem causa será uma relação jurídica administrativa se a actividade prosseguida pela Administração, através da qual viu o seu património enriquecido à custa do património do empobrecido, for uma actividade no exercício do Direito Público.
No caso da actividade que gerou o enriquecimento não ser uma actividade no exercício do Direito Público, então, essa relação jurídica não é uma relação jurídica administrativa.
A esta luz a actividade prosseguida pelo Estado, no âmbito de um processo judicial é indiscutivelmente de Direito Público e, portanto, a relação jurídica através da qual a autora pretende ver reconhecido um direito de crédito (ser-lhe restituída a quantia com que o Estado enriqueceu sem causa) é uma relação jurídico-administrativa».

Ora, tal como no caso apreciado nesse acórdão, também aqui a actividade prosseguida pelo Estado foi-o no âmbito de um processo de Direito Público, na circunstância, de um processo de execução fiscal; deve aplicar-se, por isso, a mesma jurisprudência.
Deste modo, tal como nesse, não tem razão a recorrente ao sustentar a competência dos tribunais judiciais, antes tem-na o acórdão recorrido.

3. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Sem custas.

Lisboa,20 de Outubro de 2016. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator)António Leones DantasTeresa Maria Sena Ferreira de SousaGabriel Martim dos Anjos CatarinoAlberto Acácio de Sá Costa ReisMaria da Graça Machado Trigo Franco Frazão.