Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:04/05
Data do Acordão:05/18/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
ASSOCIAÇÃO DE BENEFICIÁRIOS DA OBRA DE FOMENTO AGRÍCOLA DO BAIXO MONDEGO.
TAXA.
ACÇÃO DECLARATIVA.
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:Compete aos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários, conhecer de acção na qual se pretende a declaração de inexigibilidade de taxas de conservação e exploração, impostas por associação de beneficiários de obra de fomento hidroagrícola, e a condenação desta ré a restituir ao autor os montantes correspondentes a taxas por este anteriormente pagas.
Nº Convencional:JSTA00063158
Nº do Documento:SAC2006051804
Data de Entrada:05/11/2005
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RC.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
DIR PROC TRIBUT CONT IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
Legislação Nacional:LOFTJ99 NA REDACÇÃO DO DL 105/03 DE 2003/12/10 ART18 ART22.
CONST97 ART211 ART212.
L 13/02 DE 2002/02/19 ART8.
L 107-D/03 DE 2003/12/31 ART4.
ETAF96 ART3 ART51 ART62.
DRGU 84/82 DE 1982/11/04 ART4.
DL 269/82 DE 1982/07/10 ART49 ART66 ART67 ART69 ART90.
Jurisprudência Nacional:AC TC 114/2000 IN BMJ N494 PAG48.; AC TCF PROC2/04 DE 2004/10/27.; AC STA PROC43973 DE 1999/03/23.; AC STA PROC26369 DE 1993/10/06.; AC STA PROC47383 DE 2001/05/29.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88-89.
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA PAG55-56.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Tribunal de Conflitos:
1. A…, melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal de Conflitos, ao abrigo do disposto no art. 107, nº 2 do CPCivil, de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, confirmando despacho do Mmo Juiz do tribunal Judicial da Figueira da Foz, julgou os tribunais judiciais incompetentes, em razão da matéria, para decidir de uma acção declarativa que o recorrente aí propôs contra a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego.
Apresentou alegação, com as seguintes conclusões:
A) as quantias que a R. cobrou ao A. referem-se a Facturas relativas a comparticipação em despesas com reparações, limpezas, etc.;
B) a R. pretende cobrar as mesmas ao A. em virtude de alguns membros da Direcção da associação de Proprietários do Campo do Frade, de que o A. faz parte – e a qual, antes, efectuava esses trabalhos –, terem “pedido a integração” na R.;
C) a R. ainda não pode cobrar taxas de conservação e de exploração, nos termos legais, porque a Obra ainda não chegou ao Campo do Frade e só após, quando fornecer água, é que a lei lhe dá o poder de cobrar essas taxas;
D) portanto, é ilicitamente que, para cobrança coerciva, a R. utiliza as execuções fiscais, cujo acesso lhe é dado para outros fins, claramente expressos na lei;
E) como tal, os actos que o A. impugna na presente acção são actos de gestão privada;
F) em consequência, era – e é! – ao tribunal comum e não ao tribunal administrativo ou fiscal (na primeira instância, a fls. 136, fala-se no fiscal e a fls. 137 no administrativo) que incumbe a decisão da questão;
G) Deve, por isso, ser revogado o douto acórdão do tribunal da Relação de Coimbra que confirma o despacho da 1ª instância que decidiu pela incompetência do tribunal comum, declarando, em definitivo, que a competência para dirimir a presente questão pertence ao tribunal comum.
Pelas razões expostas, impetrando o douto suprimento de V. Exas. E suplicando pelas deficiências do patrocínio, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, declarando competente o tribunal comum, mande prosseguir o processo, assim se fazendo
JUSTIÇA!
Não houve contra-alegação.
A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu o seguinte
PARECER
Afigura-se-nos que o presente recurso, destinado a fixar o tribunal competente, não merece ser provido.
A definição da competência dos tribunais administrativos tem a sua sede no art.º 212°, n° 3, da CRP, e, também, neste caso, no artº 3° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) estabelecido pelo DL n° 129/84, de 27.04, aqui aplicável.
Nos termos daquele preceito da Lei Fundamental "compete aos tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas", sendo que corresponde a este dispositivo o referido artº 3° daquele ETAF.
Por sua vez, o artº 51°, n° 1, alínea h), deste mesmo diploma, dispõe que "compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública ...". Conforme tem vindo a ser reiteradamente afirmado por este Tribunal dos Conflitos e pelo STA, a competência em razão da matéria afere-se em função dos termos em que a acção é proposta – cfr, a título de exemplo, o acórdão do T. Conflitos de 91.01.31 (AD 361), e, os acórdãos do STA de 93.05.13 (proc. n° 31478), de 96.05.28 (proc. n° 39911), de 99.03.03 (proc. n° 40222), de 99.03.23 (proc. n° 43973), de 99.10.13 (proc. n° 44068) e de 2000.09.26 (proc. n° 46024).
Escreve Vieira de Andrade que "só interessam à justiça administrativa as relações jurídicas administrativas públicas, ou seja, aquelas que são reguladas por normas de direito administrativo" e "que se devem considerar relações jurídicas públicas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido"( In Direito Administrativo e Fiscal, 1997, p. 55.).
Ora, assume estas características a relação jurídica que está na base do litígio, no caso em análise.
Através da acção interposta pretende o autor, ora recorrente, além do mais:
- A devolução, por parte da ré, da importância que lhe foi paga pelo autor, a título de taxas de conservação e de exploração;
- A condenação da ré a devolver ao autor a quantia que se mostrar devida por danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.
Funda esse pedido no facto de a ré, criada no âmbito da obra de fomento hidroagrícola efectuada pelo Estado, ter vindo a cobrar ao autor importâncias indevidas, a título de pretensas taxas de exploração e de conservação, sem que em Campo de Frade – onde se situam os prédios rústicos do autor – exista qualquer obra dessa natureza, e, consequentemente, sem que os prédios do autor tenham recebido qualquer benefício decorrente de obra de aproveitamento hidroagrícola.
Por força de Portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, de 88.08.29, publicada no DR II série, de 88.09.15, foi a ré Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego reconhecida como pessoa colectiva de direito público.
A sua constituição teve em vista atribuir-lhe, além do mais, a tarefa de assegurar a exploração e conservação das obras de fomento hidroagricola ou das partes destas que lhes fossem entregues – cfr artº 4°, alínea b), do Regulamento das Associações de Beneficiários estabelecido pelo Decreto Regulamentar n° 84/82, de 04.11, entretanto revogado por força do DL n° 86/2002, de 06.04, ao revogar o artº 90° do DL n° 269/82, de 10.07, que previa essa regulamentação.
Para efeitos de pagamentos das despesas da exploração e conservação das obras, foi-lhe atribuído o poder de cobrar uma taxa aos respectivos beneficiários, susceptível de ser cobrada coercivamente pelos tribunais de execuções fiscais, de harmonia com os artºs 66°, 67°, 68° e 69°, do DL n° 269/82, e, com o artº 4°, alíneas g) e h), 49° e 50°, do citado Regulamento.
Frise-se que o regime que foi alterado pelo citado DL n° 86/2002 manteve-se em vigor até à celebração dos contratos para efectivação do novo regime, de concessão, num prazo máximo de três anos, nos termos do respectivo artº 104°, nºs 1 e 2.
Ora, não é difícil concluir que o diferendo aqui em causa surgiu numa relação em que um dos sujeitos, a ré na acção – pessoa colectiva regulada pelo direito público – se substituiu ao Estado-colectividade, prosseguindo a satisfação de um interesse público, munida de poderes de autoridade, praticando, por essa via, actos de gestão pública.
Cremos, pois, que o litígio que opõe o autor à ré emerge de uma relação que o inclui na jurisdição administrativa, nos termos do artº 212°, n° 3, da CRP, e, dos artºs 3° e 51°, n° 1, alínea h), do mencionado ETAF.
Pelas razões expostas, somos de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
Cumpre decidir.
2. A questão que se discute nos presentes autos é a da competência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais para julgar a acção que o autor, ora recorrente, propôs contra a ré Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego, pedindo que se declare não lhe serem exigíveis quaisquer quantias a título de taxas de conservação, exploração ou qualquer outro e se condene a ré a devolver, por terem sido indevidamente exigidas e pagas, as taxas anteriormente cobradas pela mesma ré ao autor recorrente.
Vejamos, pois.
Como observa o acórdão deste Tribunal de Conflitos, de 27.10.04-Conflito nº 2/04, citado no acórdão de 29.6.05-Conflito nº 1/05, são as leis orgânicas e estatutárias específicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunais a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.
Neste sentido, a competência dos tribunais, em geral, resulta da medida da jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Ed. de 1979, pp 88/89).
As regras de competência judiciária “ratione materiae” são, assim, atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais dispostos “horizontalmente” (ac. TC nº 114/2000, de 22 de Fevereiro, in BMJ 494/48).
Sobre a competência em razão da matéria dos tribunais comuns, dispõe a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei nº 101/99, de 26 de Julho, pelos DL nº 323/2001, de 17 de Dezembro, nº 38/2003, de 8 de Março, e nº 105/2003, de 10 de Dezembro) que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» (art. 18, nº 1).
Este preceito está em consonância com o «princípio da plenitude da jurisdição comum» consagrado no art. 211, nº 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Do modo como se encontra enunciada a regra geral estabelecida no citado art. 18, nº 1 da LOFTJ que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão submetida à apreciação do tribunal.
De notar, quanto à aplicação da lei no tempo, neste âmbito, dispõe o art. 22 da LOFTJ que «1 – A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. 2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa».
Por outro lado, e no que respeita aos tribunais administrativos e fiscais, o art. 212, nº 3 da Constituição da República, com a redacção da revisão constitucional de 1989 (Lei Constitucional de nº 1/89, de 8.8) e a numeração da revisão constitucional de 1997 (Lei Constitucional de nº 1/97, de 20.9), circunscreve a respectiva competência ao domínio das «relações jurídicas administrativas e fiscais».
Na falta de clarificação legislativa do conceito constitucional de relação jurídica administrativa, deve entender-se que tem o sentido tradicional de relação jurídica administrativa, correspondente a relação jurídica pública, «em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» – J.C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 55/56.
É este o quadro orientador da definição legal da competência dos tribunais administrativos e fiscais, devendo ter-se presente que, recentemente, a área do contencioso administrativo foi objecto de profundas alterações, achando-se hoje revogadas as leis delimitadoras de competência vigentes à data da propositura da acção a que respeitam os autos.
Com efeito, a Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, aprovou um novo estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (cf. art. 4º da Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro) e revogou, no seu art. 8, o ETAF aprovado pelo DL 129/84, de 27 de Abril.
Todavia, pela disposição transitória contida no seu art. 4º, nº 1, estabeleceu que as disposições do novo Estatuto «não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor».
Assim sendo, e dado que a petição inicial da acção deu entrada na secretaria do Tribunal Judicial da Figueira da Foz em 12 de Maio de 2003, como se vê pelo carimbo constante do rosto da petição inicial de fls. 2, não há que entrar em linha de conta com as regras do contencioso administrativo actualmente em vigor, designadamente as constantes do ETAF aprovado pela citada Lei nº 13/2002.
À data da propositura da acção, a competência jurisdicional dos tribunais administrativos e fiscais estava traçada pelo ETAF, aprovado pela Lei nº 129/84, de 17 de Abril.
E, de acordo com o art. 3º deste diploma «Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais».
No art. 4º do mesmo diploma, traçam-se os limites da jurisdição administrativa e fiscal, dela se excluindo, designadamente, as «questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa colectiva de direito público» [nº 1/f)].
Relativamente à competência dos tribunais administrativos de circulo, o art. 51, nº 1, conferia-lhes a competência para o conhecimento «h) Das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso», ressalvando o nº 3 do mesmo preceito que tal competência «não abrange as matérias respeitantes ao contencioso fiscal».
Quanto aos tribunais tributários, também o art. 62, nº 1, do ETAF (red. DL nº 229/96, de 29 de Novembro) lhes conferia competência para o conhecimento «m) Das acções para reconhecimento de direitos de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal».
No que diz respeito à aplicação da lei no tempo, dispõe o art. 8º do mesmo ETAF, aprovado pela Lei nº 129/84, que «1- A competência fixa-se no momento em que a causa se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. 2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o tribunal a que a causa estava afecta, se deixar de ser competente em razão da matéria e da hierarquia, ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.»
Vistas as regras que definem as categorias de pleitos atribuídas a cada uma das ordens jurisdicionais em causa, retornemos ao caso sub judice.
3. Como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, a competência em razão da matéria é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta e determina-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Neste sentido, veja-se o citado acórdão de 27.10.04, que vimos seguindo, e a demais jurisprudência e doutrina nele referenciadas.
É perante os termos em que é estruturada a petição inicial que se afere se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua pretensão se enquadra na ordem jurisdicional comum ou na ordem jurisdicional administrativa e fiscal.
Esta a questão que nos ocupa, não cabendo a este tribunal apreciar os demais pressupostos processuais que deverão estar preenchidos para possibilitar a apreciação do mérito da causa (designadamente o interesse processual e a legitimidade das partes), nem as condições de procedibilidade do pedido formulado, pois que esta questão da competência em razão da matéria (a única que nos ocupa) precede logicamente a apreciação jurisdicional pelo tribunal competente de tais questões essenciais.
O juízo a formular, quanto à competência, tem de ser elaborado, independentemente até da idoneidade do meio processual utilizado (Neste sentido, o acórdão do STA, de 23.3.99-Rº 43 973.), bem como da verificação dos demais pressupostos de que a lei faz depender a apreciação do mérito da causa e da verificação das condições de provimento desta.
Ora, a presente acção foi intentada contra a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego.
A fundamentar a mesma acção, o autor, ora recorrente, alega que essa obra de fomento hidroagricola, justificativa das taxas que lhe vêm sendo liquidadas e cobradas, ainda não abrange os terrenos de que é proprietário, não lhe sendo, por isso, exigíveis tais taxas de exploração e conservação.
O pedido formulado é, em síntese, o de que se declare a inexigibilidade das quantias que lhe foram e vêm sendo cobradas e se condene a ré, por enriquecimento sem causa, na devolução dos montantes correspondentes às taxas abusivamente liquidadas e cobradas, bem como no pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, na quantia que se mostrar devida, a liquidar em execução de sentença.
Na petição (nºs 20º a 24º), refere o autor, como direito violado, os arts 66, nº 1, 67., nº 1 e 68, do DL 269/82, de 10 de Julho, actualizado pelo DL 86/2002, de 6 de Abril, que prevêem o pagamento, pelos beneficiários de obras de fomento hidroagrícola, de taxas de conservação e exploração em função do volume de água utilizado, bem como a respectiva cobrança, a partir da disponibilização da água para regra, que, segundo defende o autor, ainda não aconteceu, nos terrenos de que é proprietário.
A ré Associação de Beneficiários da Obra e Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego foi reconhecida como «pessoa colectiva de direito público», por Portaria, de 29.8.88, do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, publicada no DR, II Série, de 15.9.88, nos termos do DR 84/82, de 4 de Novembro, que estabeleceu a disciplina jurídica das associações de beneficiários de obras de fomento hidroagrícola, conforme o previsto no art. 90 daquele DL 269/82.
Entre outras, são atribuições da ré, definidas no art. 4 do indicado DR 84/82, «b) Assegurar a exploração e conservação das obras de fomento hidroagrícola …» e «d) Realizar trabalhos complementares destinados às aumenta a utilidade da obra…», competindo-lhe, para tanto, «f) Elaborar em cada ano o orçamento das suas receitas e despesas para o ano seguinte …», «h) Fazer directamente a cobrança das taxas de exploração e conservação…», recorrendo, se necessário, às execuções fiscais, conforme o previsto no nº 5 ( Artigo 69º
Afixação dos mapas da taxa de conservação e exploração

5 – Na falta de pagamento voluntário das taxas de conservação e de exploração no prazo de 30 dias contados do termo do prazo para reclamações, serão cobradas coercivamente pelos tribunais das execuções fiscais, revertendo ainda a favor da respectiva entidade responsável pela conservação e exploração, 50% dos juros de mora devidos.) do art. 69 do citado DL 269/82.
Assim, como bem considerou o recorrido acórdão da Relação de Coimbra, a ré, entidade de direito público, actuou na prossecução de um interesse público definido por lei (DL 269/82), munida de poderes de autoridade e praticando actos de gestão pública.
Pelo que, diversamente do que defende o autor recorrente, o litígio que o opõe à ré Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego emerge de uma relação jurídica administrativa.
O que, desde logo, afasta a competência dos tribunais judiciais para o conhecimento da acção em causa (arts 18, nº 1 LOFTJ, 212, nº 3 CRP e 3 ETAF 84).
Para além disso, importa ainda notar que o referido litígio resulta da exigência, feita pela ré, do pagamento de quantias que, nos termos legais (vd. arts. 66 (Artigo 66º
Taxa de conservação

2 – A taxa de conservação destina-se exclusivamente a cobrir custos de conservação das infra-estruturas …) e 67 (Artigo 67º
Taxa de exploração

2 – A taxa de exploração destina-se exclusivamente a cobrir os custos de gestão e exploração da obra, incluindo os custos de utilização da água …), do DL 269/82), se destinam à satisfação dos encargos com a conservação, gestão e exploração da obra de fomento hidroagrícola, em que, por lei (art. 49 ( Artigo 49º
Participação das associações de beneficiários
Determinada a elaboração do projecto de execução de uma obra dos grupos I, II e III, a DRA em cuja área de jurisdição se situe a maior parte dos terrenos a beneficiar, em conjunto com a IHERA, apoiará a constituição de uma associação de beneficiários e promoverá a sua audição nas componentes do projecto que lhe digam directamente respeito), DL 269/82 e art. 4, DR 84/82, cit.), a mesma ré participa, no prosseguimento do interesse público do desenvolvimento agrícola da região correspondente à respectiva área de intervenção.
Estamos, assim, perante questão fiscal, sendo que, como tal, devem entender-se, conforme o entendimento repetidamente afirmado na jurisprudência (vd., entre outros, os acs. STA, de 8.9.93-Rº 36 624, de 18.3.97-Rº 34 327, de 29.3.01-Rº 47165 e de 29.5.01-Rº 47383.), «todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas» – Ac. STA, de 6.10.93 – Rº 26 369 (Ac. DR de 15.10.96, 4792.
Pelo que, face às disposições dos citados artigos 51, nº 3 e 62, nº 1, al. m) do ETAF 84, deve concluir-se, em suma, que o conflito deve decidir-se atribuindo a competência para o julgamento da acção em causa à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários.
3. Por tudo o exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em declarar competentes para conhecer da presente acção os tribunais administrativos e fiscais.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Maio de 2006. – Adérito da Conceição Salvador Santos (relator) – Fernando Azevedo Ramos – Fernando Manuel Azevedo Moreira – Manuel José da Silva Salazar – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – José António Carmona da Mota