Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:01/05
Data do Acordão:06/29/2005
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANGELINA DOMINGUES
Descritores:PAGAMENTO.
REFORMA.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
Sumário:Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais, concretamente aos tribunais tributários, conhecer de acção na qual se pretende obter a condenação da Ré a regularizar os pagamentos das contribuições à Segurança Social, por forma a que a Autora venha a auferir reforma por velhice, correspondente aos efectivos anos de trabalho prestados e aos descontos sociais legais devidos à Segurança Social.
Nº Convencional:JSTA00062340
Nº do Documento:SAC2005062901
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DO TRABALHO DO FUNCHAL E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RL
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRIBUIÇÕES SEG SOC.
Legislação Nacional:LOFTJ99 ART18 ART22 ART64 ART78 ART85 ART87.
CONST97 ART63 ART211 ART212.
L 13/02 DE 2002/02/19 ART4.
ETAF84 ART3 ART4 ART5 ART8 ART51.
ETAF96 ART62.
ETAF02 ART4.
L 17/2000 DE 2000/08/08 ART14 ART60 ART63 ART73 ART112.
L 24/84 DE 1984/08/14 ART5 ART24 ART39 ART40 ART46.
L 32/02 DE 2002/12/20 ART4 ART22 ART45 ART48 ART78.
D 45266 DE 1963/09/23 ART169.
DL 348/80 DE 1980/09/03 ART5.
LOTJ77 ART66.
LOTJ87 ART66.
CPTRIB91 ART1.
CPPTRIB99 ART5.
LGT98 ART6.
LPTA85 ART18.
L 83/95 DE 1995/08/31 ART1 ART12.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC2/04 DE 2004/10/27.; AC TCF DE 1996/03/14 IN BMJ N455 PAG222.; AC TC 363/92 IN DR 2S DE 1993/04/08.; AC TC 2000/02/22 IN BMJ N494 PAG48.; AC STA PROC44068 DE 1999/10/13.; AC STA PROC31478 DE 1993/05/13.; AC STA PROC43973 DE 1999/03/23.; AC STJ PROC2673/02 DE 2003/02/05.; AC STJ DE 1978/06/06 IN BMJ N278 PAG122.
Referência a Pareceres:P PGR DE 1995/01/14 IN DR 2S DE 1995/08/18.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88-89.
FREITAS DO AMARAL LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG423.
ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL V1 PAG110.
SANTOS BOTELHO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO 3ED PAG13.
ILÍDIO DAS NEVES DIREITO DA SEGURANÇA SOCIAL PAG328-651.
SOUSA FRANCO FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FINANCEIRO V2 PAG77.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos

1.1. A... propôs, no Tribunal de Trabalho do Funchal, contra a República Bolivariana da Venezuela acção com forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a regularizar os pagamentos das Contribuições à Segurança Social, no montante global de 5.342.431$00 (26.647,93 euros), por forma a que a Autora, como beneficiária da Segurança Social, venha a auferir reforma por velhice, correspondente aos efectivos anos de trabalho prestados desde 1979 e os descontos sociais legais e devidos à Segurança Social.
Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 2 de Dezembro de 1979 para lhe prestar serviços de escritório e secretariado, tendo sido despedida por carta de 14.3.02.
Que a Ré procedeu ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas ao período de 1993 a 2000, mas não das contribuições relativas ao período de 1979 a 1992, tendo retido as verbas a tal destinadas.
1.2. A acção foi considerada procedente pelo Tribunal de Trabalho do Funchal e condenada a Ré no pedido.
1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de fls. 121 e segs, com fundamento na incompetência dos Tribunais de Trabalho (em razão de matéria), para conhecer da acção, por a mesma estar atribuída aos Tribunais Administrativos e Fiscais, absolveu a Ré da instância.
1.4. No Tribunal dos Conflitos, o Exmº Magistrado do Mº Público emitiu parecer no sentido de que deverá decidir-se o presente conflito, com a atribuição da competência, em razão de matéria, para o julgamento da acção em causa, aos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos Tribunais Tributários, na linha da orientação perfilhada no acórdão de 27.10.04, Conflito 2/04.
2. Obtidos os vistos dos Exmºs Conselheiros intervenientes no processo cumpre decidir.
2.1. Como resulta do antecedente relato, constitui objecto do presente processo decidir a questão da competência, em razão da matéria, sobre que se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa – julgando o Tribunal de Trabalho do Funchal incompetente, em razão de matéria, para conhecer da presente acção, por considerar competentes para o conhecimento destas acções os tribunais administrativos e fiscais – e fixar qual o tribunal competente para apreciar e decidir a acção em causa, dirimindo este conflito “impróprio” de jurisdição.
Sobre questão em tudo idêntica à dos presentes autos se pronunciou este Tribunal de Conflitos, no ac. de 27.10.04, conflito 2/04 (trata-se, inclusivamente, de acção intentada contra a mesma Ré, no mesmo T. de Trabalho do Funchal, cuja sentença foi também revogada pelo T. da Relação de Lisboa, com base nos mesmos motivos enunciados no acórdão proferido na presente acção, sendo também coincidentes as conclusões do recurso da agravante).
Transcrever-se-á, pois, a fundamentação constante daquele douto aresto, com a qual inteiramente se concorda, e a que, pelo seu desenvolvimento, se torna inútil aditar algo mais.
2.2. «As regras delimitadoras da competência em razão da matéria dos Tribunais Comuns e dos Tribunais Administrativos e Fiscais
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São as leis orgânicas e estatutárias específicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunais a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.
Neste sentido, a competência dos tribunais, em geral, resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais (Vide Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", ed. de 1979, pp.88-89.).
As regras de competência judiciária "ratione materiae" são assim as atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais dispostos "horizontalmente" (Vide o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 114/2000, de 22 de Fevereiro (in BMJ 494/48).).
*
Vejamos como é perspectivada a questão da competência em razão da matéria dos tribunais comuns no âmbito da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 101/99 de 26 de Julho, pelos Dec. Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro, n.º 38/2003 de 8 de Março e n.º 105/2003 de 10 de Dezembro).
Conforme estabelece o art. 18º, n.º 1 da LOFTJ:
“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Este preceito está em consonância com o "princípio da plenitude da jurisdição comum" consagrado no art. 211º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Entre os tribunais judiciais a que se reporta a LOFTJ, encontram-se os Tribunais do Trabalho - cfr. os arts. 64º, 78º e 85º e ss.
A competência especializada do Tribunal do Trabalho encontra-se definida no art. 85°, desta Lei, norma de acordo com a qual, compete a estes tribunais conhecer, em matéria cível, entre outras:
" b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(...)
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
(...)
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;"
Verifica-se, do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no art. 18.º, n.º 1, que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.
Quanto à aplicação da lei no tempo neste âmbito, dispõe o art. 22º da LOFTJ que:
"1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa."
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Em matéria de competência dos tribunais administrativos e fiscais, a Lei Fundamental circunscreve a sua competência ao domínio das "relações jurídicas administrativas" - art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, com a redacção da revisão constitucional de 1989 (Lei Constitucional n.º 1/89 de 8.8.) e a numeração da revisão constitucional de 1997 (Lei Constitucional n.º 1/97 de 20.9).
Como ensina o Prof. Freitas do Amaral (In "Lições de Direito Administrativo", edição policopiada, p. 423.), a "relação jurídica de direito administrativo" é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração, perante os particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos, aos particulares, perante a administração.
É este o pano de fundo orientador da actuação legislativa no âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, sendo de salientar que a área do contencioso administrativo foi objecto de profundas e recentes alterações, encontrando-se neste momento já revogadas as leis delimitadoras de competência vigentes à data da propositura da presente acção.
Na verdade, a Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aprovou um novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (cfr. o art. 4º da Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro) e revogou, no seu art. 8º, o ETAF aprovado pelo DL nº 129/84 de 27 de Abril.
Contudo, através da disposição transitória contida no seu art. 4º, n.º 1, estabeleceu que as disposições do novo Estatuto "não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor”.
Assim, atendendo a que a petição inicial desta acção deu entrada na secretaria do Tribunal do Trabalho do Funchal em 24 de Setembro de 2002 (Conforme carimbo constante do rosto da petição inicial de fls. 2.), não há que entrar em linha de conta com as regras do contencioso administrativo actualmente em vigor, designadamente as constantes do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002 (e alterado pelas Leis n.ºs 4-A/2003 de 19 de Fevereiro e 107-D/2003 de 31 de Dezembro).
À data da propositura da acção, a competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos e Fiscais estava traçada pelo ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, de 27 de Abril (entretanto, também objecto de várias alterações).
De acordo com o art. 3º deste diploma:
"Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais".
No art. 4º do mesmo diploma, traçam-se os limites da jurisdição administrativa e fiscal, excluindo-se, designadamente, da mesma "as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa colectiva de direito público".
Relativamente à competência dos tribunais administrativos de círculo, o art. 51º, nº 1, al. f) conferia, a estes, a competência para o conhecimento das "acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido”.
Quanto aos tribunais tributários, também o art. 62º, n.º 1, al. m) do ETAF (na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 229/96 de 29 de Novembro) lhes conferia competência para o conhecimento das "acções para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal'.
No que diz respeito à aplicação da lei no tempo, nesta matéria, dispõe o art. 8º do ETAF, aprovado pelo DL nº 129/84, que:
"1 - A competência fixa-se no momento em que a causa se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta, se deixar de ser competente em razão da matéria e da hierarquia, ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa."
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Vistas as regras que delimitam as categorias de pleitos atribuídas a cada uma das ordens jurisdicionais em causa, retornemos ao caso "sub-judice".
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2.3. Os contornos da petição inicial
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Conforme constitui doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta e determina-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos (Vide Manuel de Andrade, in ob. cit., pp. 90 e ss., José Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil”, I, p. 110, José Manuel Santos Botelho in "Contencioso Administrativo Anotado e Comentado", 3" edição, 2000, pp. 13 e ss. e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 78.06.06 (in B.M.J. 278/122), de 98.02.12 (in CJ; Acs. do STJ; I p 263), de 2003.05.14 (proferido na Rev. n.º 414/03 da 4ª Secção), de 2003.10.01 (proferido na Rev. n.º 2059/03 da 4.ª Secção) e de 2004.01.14 (proferido na Rev. n.º 743/03 da 4.ª Secção), os Acs. do STA de 93.05.13 (Rec. n.º 31.478), de 96.05.28 (Rec. n.º 39.911), de 99.03.03 (Rec. n.º 40.222) e de 99.10.13 (Rec. n.º 44.068).).
É perante os termos em que é estruturada a petição inicial que se afere se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na ordem jurisdicional comum ou na ordem jurisdicional administrativa e fiscal.
Esta a questão que nos ocupa, não cabendo a este tribunal apreciar os demais pressupostos processuais que deverão estar preenchidos para possibilitar a apreciação do mérito da causa (designadamente o interesse processual e a legitimidade das partes), nem as condições de procedibilidade do pedido formulado (designadamente a verificação de excepção peremptória suscitada pela ré na contestação), pois que esta questão da competência em razão da matéria (a única que nos ocupa) precede logicamente a apreciação jurisdicional pelo tribunal competente de tais questões essenciais.
O juízo a formular, quanto à competência, tem que ser elaborado, independentemente até da idoneidade do meio processual utilizado (Neste sentido, o Ac. do STA de 99.03.23 (Rec. n.º 43.973).), bem como da verificação dos demais pressupostos de que a lei faz depender a apreciação do mérito da causa e da verificação das condições de provimento desta.
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A presente acção foi intentada pela A. A... contra a República Bolivariana da Venezuela.
Em fundamento da mesma, a A. invoca que esteve ao serviço da R., entre 1977 e 13 de Novembro de 2001, e que a R. apenas procedeu ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas aos anos de 1993 a 2000, estando por pagar as contribuições relativas aos anos de 1977 a 1992, situação esta que priva a A., futuramente, de auferir da Segurança Social pensão de reforma ajustada aos seus efectivos anos de trabalho.
O pedido nela formulado traduz-se na condenação da Ré a regularizar os pagamentos das contribuições à Segurança Social entre 1977 e 1992, no montante global de € 134.330,19, por forma a que a A., como beneficiária n.º 034262888 da Segurança Social, venha a auferir reforma por velhice, correspondente aos efectivos anos de trabalho prestados desde 1977.
Como a A. precisa nas alegações de recurso (fls. 129 e ss. dos autos.), o direito violado decorre do art. 60º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, e doutras que a precederam que prevêem a obrigatoriedade das entidades patronais contribuírem para os regimes da Segurança Social, obrigação esta que se constitui com o início da actividade profissional do trabalhador, e o que a A. pede é que a R. seja compelida a regularizar a situação contributiva perante a previdência.
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2.4. A relação jurídica contributiva
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Vejamos o enquadramento normativo da obrigação que a A. diz impender sobre a R. - obrigação de pagamento das contribuições relativas às retribuições pagas à A. pelo exercício das suas funções nos anos de 1977 a 1992 - e que pretende ver apreciada e reconhecida pelo tribunal.
De acordo com o art. 24º da Lei n.º 24/84, de 14 de Agosto (Lei de Bases da Segurança Social):
"1 - Os beneficiários e, quando for caso disso, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para o financiamento do regime geral.
2 - As contribuições são determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações ou equiparadas, na parte em que não excedam o montante indicado na lei.
3- As contribuições dos trabalhadores por conta da outrem devem ser descontadas nas respectivas remunerações e pagas pela entidade empregadora juntamente com a contribuição própria".
Na Lei n.º 27/2000, de 8 de Agosto (que revogou a Lei n.º 28/84), o art. 60º estatui a propósito da obrigação contributiva nos seguintes termos:
“1 - Os beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para os regimes de Segurança Social.
2 - A obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o inicio do exercício de actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, sendo os termos do seu cumprimento estabelecidos no Quadro do respectivo regime de Segurança Social."
A propósito da responsabilidade pelo pagamento das contribuições, estabelece o art. 62º que:
"As entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das contribuições por si devidas e das cotizações correspondentes aos trabalhadores ao seu serviço devendo descontar, nas remunerações a este pagas, o valor daquelas cotizações".
Na lei actual - Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (que revogou a Lei n.º 27/2000), o art. 45º, relativo à obrigação contributiva, estabelece no seu n.º 1 que:
"1 - Os beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para os regimes de Segurança Social"
A propósito da responsabilidade pelo pagamento das contribuições, estabelece o n.º 1 do art. 47º que;
"As entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das contribuições por si devidas e das quotizações correspondentes aos trabalhadores ao seu serviço, devendo descontar, nas remunerações a este pagas, o valor daquelas quotizações".
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Como decorre destes preceitos (E resultava já do regime instituído pelas Leis n.ºs 2.115, de 18 de Junho de 1962, e 2.120, de 19 de Julho de 1963, que antecedeu o consagrado pela citada Lei n.º 28/84.), a contribuição é uma prestação pecuniária que consubstancia o objecto de uma verdadeira obrigação, a que corresponde um direito por parte da Segurança Social, estabelecendo-se entre o contribuinte e a instituição de Segurança Social uma relação jurídica contributiva.
Resulta, ainda, que os titulares da obrigação contributiva são os trabalhadores e as entidades patronais e que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, há uma obrigação unitária de pagamento das contribuições a cargo da entidade patronal.
Assim, a relação jurídica contributiva, filiada embora na relação laboral, não se confunde com ela, e concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral, dado que apenas incide sobre um dos sujeitos passivos, a entidade empregadora, a quem cabe a liquidação e pagamento das contribuições, mesmo na parte respeitante ao trabalhador (Vide o Ac. do STJ, de 2003.02.05 (proferido na Revista n.º 2673/02 da 4ª Secção) e Ilídio das Neves, in "Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva", 1996, p.328.).
Como se refere no Ac. do STJ de 2003.02.05, no âmbito desta relação jurídica contributiva, a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico (Embora, como se decidiu no citado Ac. do STJ, de 2003.02.05- e do mesmo modo nos Acs. do STJ, 2003.10.29 (proferido na Revista n.º 2468/03 da 4ª Secção), de 2003.06.24 (proferido na Revista n.º l696/03 da 4ª Secção) - a violação da lei nesta área possa atingir o trabalhador e fazer incorrer a entidade empregadora em responsabilidade civil nos termos dos arts. 483° e ss. do CC, desde que reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil (culpa e nexo de causalidade entre o facto ilícito do cálculo e pagamento por defeito das contribuições e o abaixamento das prestações da Segurança Social percebidas pelo trabalhador).
É perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente, tendo poderes para intervenções coactivas, que as entidades empregadoras têm que cumprir a sua obrigação contributiva.
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Além disso, é importante ter presente que as contribuições para a Segurança Social se inscrevem no universo das imposições financeiras públicas, ou seja, constituem prestações pecuniárias estabelecidas ou impostas por lei a favor de organismos do Estado ou de instituições investidas de autoridade pública que têm a seu cargo a realização de acções necessárias à efectivação do direito à Segurança Social, constitucionalmente reconhecido (Art. 63° da Constituição da República Portuguesa.), com o fim imediato de obter meios ou recursos destinados ao financiamento das acções de protecção social (Vide Ilídio das Neves, in ob. cit., pp. 353 e ss.).
Em face das grandes semelhanças que existem entre as contribuições para a Segurança Social e os impostos - pois quer umas quer outros constituem imposições financeiras devidas a entidades de direito público, têm um carácter forçado e têm uma finalidade financeira colectiva (atribuição de prestações sociais) - tem-se acentuado o carácter tributário das contribuições do regime geral da previdência (Vide o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 363/92 publicado no Diário da República II, de 93.04.08.).
Embora seja questão discutida na doutrina, a da natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social (Havendo quem perspective de forma dualista as contribuições dos trabalhadores como "prémios de seguro" e as das entidades patronais como "impostos", cindindo uma realidade jurídica que é estruturalmente unitária (como p. ex. Braz Teixeira) e havendo quem perspective as contribuições unitariamente como prémios de seguro (como p. ex. Alberto Xavier e Pessoa Jorge), ou como imposições tributárias (como p. ex. Sérvulo Correia e Sousa Franco). Fazendo uma análise exaustiva das teses dualistas e monistas dos autores citados nestes texto, vide Ilídio das Neves, in ob. cit, pp. 358 e ss.), a jurisprudência recente do STA (O Ac. do STA de 2002.06.05 (disponível na base de dados do ITIJ) considera as contribuições para a Segurança Social como receitas tributárias ou parafiscais e considera competentes os tribunais tributários de 1ª. instância para apreciar a impugnação dos actos que se relacionem com a liquidação de tais contribuições. Também o recente Acórdão do STA de 2004.02.11 (disponível no mesmo sítio), aludindo ao entendimento generalizado da jurisprudência do STA, realça a natureza tributária das contribuições devidas à Segurança Social, atendo o carácter da sua fonte legal e o facto de se tratar de um imposição unilateral não sancionatória, considerando terem natureza tributária os litígios entre a administração e os particulares a propósito dos pressupostos do pagamento dessas contribuições, o que exclui a competência dos tribunais administrativos para a respectiva apreciação, uma vez que a partir da Lei n.º 4/86, que alterou várias disposições do ETAF, as "questões fiscais" ficaram excluídas da competência dos tribunais administrativos, atribuindo-se em exclusivo o seu conhecimento aos tribunais fiscais e à secção de contencioso tributário do STA - art.s 32°, n.º l, al. c), 33°, n.º l, al. c), 41º, n.º l, al. b) e 42°, n.º l, al. b) do ETAF.) e alguma doutrina (Vide Ilídio das Neves, pp. 366 e ss.) têm sugerido ser mais aceitável a tese da parafiscalidade.
De acordo com esta tese, as contribuições para a Segurança Social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas (dos quais se distinguem quanto aos objectivos, à estrutura jurídica e à própria cobrança (Aqui se destacando a possibilidade do pagamento voluntário retroactivo de contribuições prescritas (e, por isso, exigíveis coercivamente).), mas imposições parafiscais.
Os tributos parafiscais apresentam, em geral, as características dos impostos (patrimonialidade, obrigatoriedade, afectação a entidades públicas), mas o seu regime jurídico contém particularidades, mais ou menos importantes, em vários domínios, designadamente, quanto às suas finalidades, forma de criação e modificação, bem como natureza dos organismos públicos em cujo benefício são atribuídos (Vide Sousa Franco, in "Finanças Públicas e Direito Financeiro", II, p 77.).
Isto é, como escreve Ilídio das Neves (In ob cit., p366.), são "imposições financeiras sociais com algumas características técnicas e jurídicas idênticas ou semelhantes às que são próprias das imposições tributárias, mas com objectivo específico (protecção social), regime financeiro autónomo e um quadro normativo bastante particular".
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Estes os contornos da obrigação que se extraem das normas reguladoras da relação jurídica contributiva.
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2.5. A evolução histórica das leis delimitadoras de competência jurisdicional em matéria de Segurança Social
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As competências jurisdicionais para a apreciação das matérias do Direito da Segurança Social foram sendo perspectivadas ao longo do tempo, pelo legislador, de modo diverso (Vide numa análise histórica exaustiva até 1996, Ilídio das Neves, in ob. cit., pp. 632 e ss., e o Ac. do Tribunal dos Conflitos de 1996.03.14 (in BMJ 455/222).).
Assim, na vigência plena da Lei n.º 2.115, a competência jurisdicional para a decisão dos conflitos, no domínio da obrigação contributiva, entre as entidades patronais e as instituições de previdência social, estava atribuída aos Tribunais de Trabalho - arts. 169º e ss. do Dec. n.º 45.266, de 23 Set. 1963, e CPTT aprovado pelo DL n.º 45.497, de 30 Dez. 1963.
Os Tribunais do Trabalho estavam, então, organicamente integrados no Ministério das Corporações e da Previdência Social e não integravam a organização judiciária comum.
O D.L. n.º 511/76, de 3 de Julho, completado e alargado pelo DL n.º 348/80, de 3 de Setembro, introduziu uma ruptura neste quadro de competências jurisdicionais, em determinadas matérias, relativas à obrigação contributiva (declaração de início de actividade, identificação de beneficiários, declaração de tempos de trabalho e de retribuições, pagamento de contribuições, juros e multas).
Estas competências passaram a ser atribuídas aos chamados tribunais das contribuições e impostos (serviços de justiça fiscal) (No sentido de que o Tribunal do Trabalho (no âmbito do processo de transgressão) não deve conhecer da parte do auto de transgressão relativa a contribuições em dívida para a Segurança Social face ao disposto no DL n.º 511/76, art. 46° da Lei n.º 28/84 e art. 233°, n.º 2, al. c) do CPTrib., vide o Ac. do STJ de 1997.04.09 (proferido no Proc. n.º 8/97 da 4ª Secção).).
Este DL n.º 348/80, de 3 de Setembro, dispôs expressamente no seu art. 5º, n.º 1 que:
"Compete aos tribunais fiscais o conhecimento das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e os respectivos contribuintes".
Entretanto, a Lei n.º 82/77 de 6 de Dezembro (LOTJ) integrara os Tribunais do Trabalho na ordem dos tribunais comuns e, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 348/80, de 3 de Set., limitou a competência dos Tribunais do Trabalho em matéria cível na al. i) do art. 66º, às "questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários ou contribuintes, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros".
O DL n.º 449/82, de 13 de Nov., incumbiu também os tribunais fiscais do conhecimento das questões entre instituições de previdência e os trabalhadores independentes, considerando estes como "contribuintes" para efeitos de aplicação do disposto no art. 5º, n.º 1 do DL n.º 348/80.
A Lei n.º 28/84 (art. 46º) confirmou esta orientação, submetendo à intervenção dos tribunais de contribuições e impostos, as execuções para cobrança coerciva de contribuições (Pois que incluiu no âmbito do direito da Segurança Social o regime sancionatório contraordenacional introduzido pelo DL n.º 433/82, limitando a intervenção do tribunal ao caso em que os interessados recorressem da decisão da entidade administrativa que aplicou a coima. Com o DL n.º 64/89, que formalizou a previsão da lei n.º 28/84 nesta matéria, os Tribunais do Trabalho recuperaram competências na área da Segurança Social, em matéria de recurso de contraordenação.).
Em conformidade, a LOTJ, aprovada pela Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, reproduziu no seu art. 66º, al. i) a redacção do anterior art. 66º, al. i), mas retirando-lhe as expressões "ou contribuintes" e aditando-lhes as expressões "sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais".
O CPTributário (DL n.º 154/91, de 23 de Abril) veio introduzir uma modificação ainda mais profunda, neste domínio, ao abranger no seu âmbito de aplicação (art. 1º) os processos relativos ao "exercício dos direitos tributários de natureza parafiscal, em tudo o que não seja estabelecido em leis especiais".
Neste contexto, não oferece dúvidas a aplicação integral às contribuições para a Segurança Social, enquanto receitas parafiscais, do Título III do CPTributário, relativo ao processo judiciário tributário, que compreende as acções para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (art. 165º) (Vide Ilídio das Neves, in ob. cit., p. 370.).
Atendendo a que a aplicação do contencioso tributário às situações em que está em causa a relação jurídica contributiva, sem qualquer especificidade que atentasse nas particularidades das contribuições para a Segurança Social, vg. os objectivos sociais inerentes ao sistema, poderia não ser adequada, foi-se defendendo ter razão de ser uma jurisdição própria para o contencioso da Segurança Social (Vide Ilídio das Neves, in ob. cit., p. 639 e 651, defendendo a reforma dos Tribunais do Trabalho, melhorando a sua orgânica, simplificando a sua rede de procedimentos e prevendo formas de intervenção das instituições de Segurança Social em actos processuais de natureza marcadamente administrativa.), com garantias de adequada especialização no direito da Segurança Social, bem como de utilização de meios processuais harmonizados.
O legislador não deu contudo qualquer passo nesse sentido aglutinador.
Para atender às necessidades de celeridade e agilização de mecanismos e procedimentos tendentes à efectivação da cobrança coerciva das contribuições, criou com o D.L. n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, as secções de processos competentes para a execução de dívidas à Segurança Social, mas mantendo como quadro legislativo de fundo o existente para o procedimento e processo tributários.
Este D.L. n.º 42/2001 - que no seu preâmbulo afirma pretender aplicar ao sistema de solidariedade e segurança social o disposto no Código de Procedimento e de Processo Tributário - traça a competência do tribunal tributário de 1ª instância (art. 5º) e afirma ser aplicável ao processo de execução de dívidas à Segurança Social, além da legislação específica da Segurança Social, a Lei Geral Tributária e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (art. 6º).
Por outro lado, a Lei n.º 28/84 qualificou como pessoas colectivas de direito público as instituições de Segurança Social e introduziu a competência dos tribunais administrativos, ao estabelecer no seu art. 40º, n.º 1, que:
"Todo o interessado a quem seja negada uma prestação devida ou a sua inscrição no regime geral poderá recorrer para os tribunais administrativos, a fim de obter o reconhecimento dos seus direitos."
Por isso, tem a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos e do Supremo Tribunal de Justiça considerado que compete aos tribunais administrativos de círculo o conhecimento dos litígios entre as instituições da Segurança Social e os respectivos beneficiários, que tenham por objecto a negação de uma prestação devida, quer se trate de negação total da prestação, quer de divergência quanto ao seu montante (Vide os Acs. do Tribunal dos Conflitos de 2003.05.13 e de 97.07.01 (ambos disponíveis da base de dados do ITIJ), o citado Ac do Tribunal dos Conflitos de 1996.03.14 (in BMJ 455/222) e os Acs. do STJ de 2002.03.06 (proferido na Rev. n.o 3359/01 da 4ª. Secção) e do STA de 1997.06.12 (também disponível na base de dados do ITIJ)).
O ETAF, aprovado pelo DL n.º 129/84, enuncia no n.º 1 do art. 51º, as competências dos tribunais administrativos de circulo, prevendo-se na al. f) as acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido e na al. j) os recursos e acções pertencentes ao contencioso administrativo para que não seja competente outro tribunal (O art. 18° da LPTA (DL n.º 267/85 de 16 de Julho) prevê uma área específica de distribuição de processos nos tribunais administrativos de circulo para "os processos de contencioso da segurança social".).
Resulta desta evolução legislativa que, enquanto numa primeira fase os Tribunais do Trabalho abarcavam todas as competências jurisdicionais em matéria de Direito da Segurança Social, o legislador passou a recorrer, de forma crescente, à jurisdição fiscal no âmbito da obrigação contributiva e, posteriormente, a recorrer à jurisdição administrativa no âmbito da obrigação prestacional da Segurança Social.
Verificou-se, assim, uma intervenção crescente da jurisdição tributária em conflitos emergentes da relação jurídica contributiva (que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, se efectiva como relação jurídica bilateral, entre a entidade empregadora e a instituição da Segurança Social).
E verificou-se, também, uma intervenção crescente da jurisdição administrativa nos conflitos emergentes da relação jurídica prestacional (que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, se estabelece entre o beneficiário e a instituição da Segurança Social).
Esta crescente intervenção das jurisdições administrativa e tributária nos conflitos relacionados com a matéria do Direito da Segurança Social, encontra a sua explicação, consoante as relações jurídicas em causa, nas seguintes circunstâncias:
- Quanto à relação jurídica prestacional (que se estabelece entre o beneficiário e a instituição), na circunstância de a actividade da instituição da Segurança Social se inscrever na actividade administrativa indirecta do Estado (sujeita às regras de Direito Administrativo);
- Quanto à relação jurídica contributiva (que se estabelece entre o contribuinte e a instituição da Segurança Social), na natureza parafiscal da obrigação contributiva.
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2.6. A atribuição de competência para a apreciação deste pleito à ordem jurisdicional administrativa e fiscal
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Chegados a este ponto, e perante as regras legais enunciadas, que fixam a medida de jurisdição, quer dos tribunais administrativos e fiscais, quer dos tribunais de trabalho, enquanto tribunais de competência especializada dentro da ordem dos tribunais judiciais comuns (Vide o ponto 2.2., supra.), é inquestionável que a presente acção - cujo objecto é a relação jurídica contributiva, da qual emerge uma obrigação da ré (enquanto sujeito passivo da obrigação) perante a Segurança Social - versa sobre matéria que é da competência dos tribunais fiscais.
Com efeito, o que a A. pretende nesta acção é que a R. seja condenada a proceder ao pagamento das contribuições à Segurança Social devidas nos anos de 1777 a 1992, ou seja, pretende que a R. cumpra a sua obrigação contributiva.
É esta a estrutura da relação jurídica material, em debate, segundo a versão apresentada pela autora em juízo.
A obrigação contributiva tem, como se viu, natureza "parafiscal".
Tendo em atenção o supra exposto, quanto à transferência gradual de competências do âmbito da jurisdição dos Tribunais do Trabalho para a jurisdição Administrativa e Fiscal, tendo em atenção o disposto nos arts. 3º e 62º, n.º 1 al. m) do ETAF aprovado pelo DL n.º 128/84 de 27 de Abril (na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 229/96 de 29 de Novembro) (O qual é aplicável em virtude da disposição transitória constante do art. 4° da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro (alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003 de 19 de Fevereiro e 107-D/2003 de 31 de Dezembro) que aprovou o novo ETAF. Diga-se que este novo ETAF contém uma regra de atribuição de competência aos tribunais tributários com o mesmo conteúdo do art. 62°, n.º 1, al. m) do ETAF revogado (a al. c) do art. 49° atribui aos tribunais tributários competência para conhecer das "acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal") e que, na regra geral do seu art. 4°, n.º 1, inclui no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais "a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal".), e uma vez que a presente acção - em face da alegação da autora e do modo como fundamenta o seu pedido - se destina a obter o reconhecimento de um interesse legalmente protegido em matéria parafiscal, a apreciação do litígio inscreve-se na competência jurisdicional dos tribunais tributários.
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Invoca a A recorrente, sustentando a tese da competência do Tribunal do Trabalho, que, se os serviços da Segurança Social não acautelaram o seu interesse junto da Ré, tal não a impede de assegurar os seus direitos junto dos tribunais (o Tribunal do Trabalho do Funchal) através desta acção, que configura como acção popular cível, nos termos do art. 52º da CRP e dos arts. 1º e 12º, n.º 2 da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto (Relativa ao Direito de Participação Procedimental e Acção Popular.).
Não se questiona que a recorrente tenha assegurada a "garantia judiciária", como princípio fundamental do sistema de Segurança Social (Esta garantia foi assegurada nas sucessivas Leis da Segurança Social: arts. 5°, n.º 7, 39°, 40° e 46° da Lei n.º 28/84, arts. 14°, 63°, 73° e 112° da Lei n.º 17/2000 e arts. 22°, 48° e 78° da Lei n.º 32/2002.), na pretensão que formula, nem alguma vez se afirmou que lhe esteja vedado o acesso aos tribunais para ver apreciados os direitos que se arroga.
O que se considera é que (independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e da procedibilidade da pretensão da autora), atenta a matéria sobre que versa a presente acção, a ordem jurisdicional competente para a sua apreciação não é aquela em que se incluem os Tribunais do Trabalho, mas a ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
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(…)
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Deve salientar-se que, apesar de esta operação positiva de subsunção da matéria sobre que versa a presente acção, às regras delimitadoras da competência jurisdicional da ordem dos tribunais administrativos e fiscais, ser decisiva quanto à atribuição da competência a estes para o conhecimento do litígio, também de modo negativo - pelo não preenchimento das diversas hipóteses em que a lei atribui competência em razão da matéria à jurisdição laboral, enquanto jurisdição especializada - se conclui não ser competente para o conhecimento da presente acção o Tribunal do Trabalho.
Na verdade, da análise dos arts. 18º e 85º a 87º da LOFTJ, resulta que aos Tribunais do Trabalho compete julgar as causas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais (art. 18º), mas que estejam mencionadas na sua área de competência especializada (arts. 85º a 87º).
Ora nenhuma das alíneas do art. 85º relativas à competência cível se mostra preenchida no caso "sub-judice".
Concretamente, a al. b) acima transcrita não está preenchida, uma vez que a presente acção não versa sobre "questões emergentes de relações de trabalho subordinado".
É este o núcleo essencial das questões submetidas à apreciação dos tribunais do trabalho, núcleo este que é completado por sucessivos núcleos de alargamento a problemas conexos, de maneira cada vez mais mediata, com este núcleo fundamental.
Por isso deve considerar-se que esta alínea se reporta apenas aos litígios directamente relacionados com o nascimento, a vida e a morte do contrato e não a quaisquer outros, a não ser que expressamente referenciados nas demais alíneas do preceito (que alargam a competência a questões bem delimitadas que têm atinências com a relação de trabalho, mas não emergem directamente dela) (No sentido de que as questões emergentes da relação laboral a que se reporta a al. b) deverão ser consideradas apenas as que são conteúdo essencial dessa relação, ou seja, aquelas que respeitam a direitos e deveres recíprocos, a ela inerentes, daqueles que aí são partes, vide o Av. do STJ de 2000.05.03 (in CJ, Acs. do STJ, II, p. 39).).
Pelos motivos já explicitados, não tem obviamente a ver com o núcleo essencial do contrato de trabalho a obrigação contributiva da entidade empregadora perante a Segurança Social.
Também a al. i) do art. 85º LOFTJ - que atribui competência para o conhecimento das "questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais" - não se mostra integrada pois, desde logo, a presente acção não versa sobre um litígio entre a trabalhadora e uma qualquer instituição de Segurança Social.
A questão submetida à apreciação judicial não se reporta à relação jurídica prestacional (entre a beneficiária e a Segurança Social) mas à relação jurídica contributiva (entre a entidade empregadora contribuinte e a Segurança Social).
Contudo, mesmo relativamente à relação jurídica prestacional, a crescente intervenção dos tribunais administrativos no âmbito da Segurança Social, agora definida em razão da natureza jurídica da instituição (sendo certo que a Lei n.º 28/84 transformou as instituições de Segurança Social em serviços do Estado, embora integrados na administração indirecta), determinou um alargamento da competência do contencioso administrativo neste âmbito (Cfr. a este propósito da intervenção dos tribunais administrativos em matéria de relação jurídica prestacional no âmbito da Segurança Social, os arts. 73° da Lei n.º 17/2000 e 78° da Lei n.º 32/2002.).
Como se faz notar no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 1995.07.14, "a alínea i) do artigo 64º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (com igual redacção ao actual art. 85°, i), da Lei n.º 3/99, de 13.01), confere aos tribunais de trabalho uma competência residual para conhecer das questões de natureza cível entre as instituições de segurança e seus beneficiários, na medida em que não sejam da competência dos tribunais administrativos e fiscais." (In DR. II série de 18 de Agosto de 1995.)
Também no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 14 de Março de 1996 (Conflito n.º 296), se sublinhou que "a partir da Lei n.º 28/84, em vez de se considerar determinante a natureza sucedânea da relação de segurança social face à relação laboral para justificar a confiança do contencioso da segurança social aos tribunais de trabalho, entendeu-se atribuir relevo decisivo à natureza pública das instituições de segurança social e retirar daí as devidas consequências quanto à determinação da ordem dos tribunais chamada a intervir na matéria".
Daí a orientação jurisprudencial, praticamente uniforme, no sentido de que são competentes para o conhecimento dos litígios relativos à relação jurídica prestacional, entre as instituições de Segurança Social e os respectivos beneficiários (por se tratar de relações reguladas pelo direito administrativo, em que uma das partes é uma pessoa colectiva de direito público), os tribunais administrativos (Vide a jurisprudência citada na nota 28.).
Finalmente a al. o) do aludido art. 85º, ao atribuir competência à jurisdição laboral para o conhecimento das "questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente", se mostra afastada desde logo por na presente acção não ser formulado qualquer outro pedido para além do pedido de condenação da ré no pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas ao período compreendido entre 1977 e 1992.
Mas, ainda que na presente acção tivesse sido formulado um pedido para o qual o Tribunal do Trabalho fosse directamente competente, entendemos que a questão colocada pela autora na petição inicial desta acção não se inscreve nas questões a que se reporta esta norma extensiva de competência dos Tribunais do Trabalho.
A relação jurídica contributiva estabelece-se, tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, mas não emerge de qualquer relação conexa com a relação de trabalho.
Aliás não faria sentido que o legislador - a considerar serem conexos com o contrato de trabalho os vínculos entre os sujeitos do contrato de trabalho (trabalhador ou entidade empregadora) e a Segurança Social - simultaneamente, atribuísse aos Tribunais de Trabalho, na al. o) competência para o julgamento das questões emergentes desses vínculos, se já na al. i) se incluía a competência para o julgamento das questões entre um dos sujeitos do contrato e a Segurança Social.
Se as questões entre os trabalhadores ou entidades empregadoras (de um lado) e a Segurança Social (de outro) fossem de considerar "emergentes de relações conexas com a relação de trabalho" naqueles termos, não faria qualquer sentido o alargamento tímido (em face da parte final do preceito, que ressalva a competência dos tribunais administrativos e fiscais) constante da al. i).
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É pois de concluir que:
perante a orientação do legislador no sentido de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de sectores do direito diferentes, de acordo com a natureza das matérias das causas;
perante as regras delimitadoras da competência jurisdicional, em matéria de Segurança Social, que denotam uma crescente intervenção das jurisdições administrativa e tributária nos conflitos relacionados com a matéria do Direito da Segurança Social;
atendendo a que a matéria do Direito da Segurança Social vem sendo perspectivada de acordo com o Direito Tributário (a relação jurídica contributiva) e de acordo com o Direito Administrativo (as demais relações jurídicas, vg. a que se processa entre os cidadãos e o Estado, baseada num direito subjectivo à protecção social);
o "conflito" deve decidir-se atribuindo competência para o julgamento desta acção à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários.»
É esta orientação, de que nenhuma razão se vê para divergir, que aqui se reitera.
3. Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal de Conflitos em julgar o Tribunal de Trabalho do Funchal incompetente, em razão de matéria, para conhecer da acção intentada pela Autora contra a República Bolivariana da Venezuela, considerando competentes para o conhecimento da pretensão em causa os Tribunais Administrativos e Fiscais.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Junho de 2005. – Angelina Domingues (relatora) – Custódio Pinto Montes – Rosendo José – Sousa Peixoto – Gonçalves Pereira – Costa Reis.