Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:047/18
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. CONTRA-ORDENAÇÃO URBANÍSTICA.
Sumário:A jurisdição comum é a competente em razão da matéria para conhecer de impugnação judicial que, no âmbito do processo de contra-ordenação urbanística aplicou ao arguido uma coima, pelo facto da referida impugnação judicial dessa decisão ter sido apresentada, pelo Ministério Público, à distribuição, como acusação, antes do início da vigência da norma prevista no artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF na redacção do DL nº 214-G/2014 de 02/10.
Nº Convencional:JSTA000P24589
Nº do Documento:SAC20190523047
Data de Entrada:10/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE SANTARÉM – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE OURÉM E O TAF DE LEIRIA.
RECORRENTE: A………., LDA, e B……….., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OURÉM
Recorrido 2:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO 47/18
Acordam no Tribunal de Conflitos

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

A…………, Ldª, e B…………, S.A., devidamente identificados nos autos, interpuseram recurso da decisão administrativa proferida pelo Município de Ourém, que condenou a primeira recorrente no pagamento de uma coima no montante de 1.500,00€ e de 240.000,00€, parcialmente suspensa pelo prazo de um ano na quantia de 238.500,00€, pela prática de contra-ordenação prevista no artº 98º, nº 1, al. a) do RJUE e de contra-ordenação prevista no artº 37º, nº 3, al. a) do RJREN e que condenou a segunda recorrente no pagamento de uma coima no montante de 24.000,00€, pela prática de contra-ordenação prevista no artº 37º, nº 3, al. a) do RJREN, parcialmente suspensa pelo prazo de um ano na quantia de 23.000,00€.


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Os presentes autos foram remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Ourém - e apresentados (serviços do Ministério Público) em 27.06.2016 – cfr. fls. 299 dos autos em processo físico.

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O recurso foi recebido pela Mmª Juíz no dia 11.07.2016 – cfr. fls. 304 dos autos em processo físico.

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Em sede de recurso da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Ourém – foi, por decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 10.04.2018, declarada a incompetência material dos tribunais comuns para conhecer o objecto dos autos e, nessa sequência, ordenada a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

Este, por seu turno, por decisão proferida em 25.09.2018, veio igualmente a declarar-se incompetente em razão da matéria, tendo para o efeito e, em síntese, consignado que, sendo a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa - data da apresentação pelo Ministério Público dos autos de contra-ordenação - o que ocorreu em 27.06.2016, data em que ainda não se encontrava em vigor a norma do artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, com as alterações introduzidas pelo DL nº 214-G/2015 de 02.10, impõe-se a conclusão de que o TAF é incompetente para julgar o presente recurso, cabendo a competência ao tribunal judicial.


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Atenta as duas decisões em confronto, já transitadas, por despacho oficiosamente proferido no TAF de Leiria em 23.10.2018, foi suscitada a resolução do presente conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Ourém e o TAF de Leiria, dado que ambas declinaram a competência própria para conhecer dos presentes autos.

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O Exmº Procurador-Geral neste Tribunal dos Conflitos emitiu parecer no sentido de serem competentes para decidir a presente contra-ordenação, os tribunais comuns, dado que quando o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição para o Tribunal, em 27.06.2016, ainda não estavam vigentes as alterações ao artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, que só entraram em vigor em 01.09.2016.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

2. A factualidade com relevo para a resolução do conflito a decidir e que resulta dos autos, é a supra referida em sede de relatório.


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A questão a dirimir no presente conflito de jurisdição consiste em saber se são os tribunais comuns ou os tribunais administrativos os competentes para conhecer de um recurso de impugnações judiciais em que a decisão de aplicação das coimas por parte da autoridade administrativa data de 03/05/2016, a impugnação data de 15.06.2016 [Processos de contra-ordenação nºs 103/2014 e 50/2015] e a remessa desta a Tribunal pelo Ministério Público data de 27.06.2016.

E atingimos um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição comum e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, decisões que, mutuamente, declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.

O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Também o artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, na redacção do DL 214-G/2015 de 02/10, em vigor desde 01.09.2016, dispõe que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a “impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que aplique, coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.

A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.

Cientes no entanto da causa de pedir e do pedido formulado nos presentes autos, e das datas relevantes, tudo indica que a competência para dirimir o litígio cabe à jurisdição comum, pois, em Conflitos semelhantes já foram resolvidos pelo Tribunal de Conflitos que, de forma unânime decidiu que, para efeitos de determinação da competência para a apreciação do recurso definida pelo artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, na redacção introduzida pelo artº 15º nº 5 do DL nº 214-G/15 de 02.10, em vigor a partir de 01.09.2016, o que vale é a data da apresentação a juízo do recurso interposto, independentemente da data da instauração do processo contra-ordenacional.

Por outro lado, tendo em consideração que a competência do tribunal se fixa no momento da propositura da causa [cfr. artº 5º, nº 1 do ETAF], sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, há que, no caso, determinar em que data se considera proposta a acção, em face do disposto no artº 59º do DL nº 433/82 de 14/09 de onde resulta que a decisão administrativa é susceptível de impugnação judicial através do recurso de impugnação interposto pelo arguido e apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias, devendo constar de alegações e conclusões, após o que os autos são enviados ao Ministério Público que os tornará presença ao juiz, valendo este acto como acusação.

Ora, sobre esta questão, já se pronunciou por diversas vezes este Tribunal de Conflitos – v.g. entre outros, Conflitos 05/17 e 26/17 de 01.06.2017, Conflito 26/17 e 24/17 de 28.09.17, 22/17, 35/17, 39/17, 42/17, 34/17 e 33/17 todos de 09.11.2017 – todos no sentido de que é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa.

Concluindo, a jurisdição comum é a competente em razão da matéria para conhecer das presentes impugnações judiciais que, no âmbito do processo de contra-ordenação aplicou aos arguidos as coimas supra referidas, uma vez que a impugnação judicial dessa decisão foi apresentada, pelo Ministério Público, à distribuição como acusação em 27/06/2016, ou seja antes do início da vigência da norma prevista no artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF prevista no DL nº 214-G/2014 de 02/10.

Por outro lado, mesmo que a decisão administrativa fosse possível de ser enquadrada [que não é] como contra-ordenação ambiental [isto porque a recorrente “A……….” para além de sancionada pela prática de contra-ordenação por violação de normas constantes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Dl nº 555/99 de 16.12, foi também sancionada pela prática de contra-ordenação fundada na violação de normas constantes do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional aprovado pelo DL nº 166/2008 de 22.08, na redacção dada pelo DL nº 96/2013 de 19.07, a verdade é que, inexiste, no entanto, qualquer menção à violação de prescrições do plano municipal ou do plano intermunicipal e da medida e contornos dessa eventual violação], também neste caso, o Tribunal de Conflitos tem entendido que estas matérias não são da competência da jurisdição administrativa – cfr. Acórdão do TC de 26.10.2017, in proc. nº 43/17


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3. Pelo exposto, resolvendo o presente conflito de jurisdição, os Juízes neste Tribunal dos Conflitos decidem declarar competentes, em razão da matéria, para conhecer e decidir a presente impugnação, os Tribunais Comuns.

Sem custas

Lisboa, 23 de Maio de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Joaquim António Chambel Mourisco – Jorge Artur Madeira dos Santos – Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António José dos Santos Oliveira Abreu.