Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:010/09
Data do Acordão:07/07/2009
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FERNANDO FRÓIS
Descritores:ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
DIREITO DE PREFERÊNCIA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - É competente para apreciar e decidir a acção de simples apreciação, que tem por fim obter a declaração da inexistência de um direito de preferência invocado no domínio de uma execução fiscal, a jurisdição administrativa e fiscal e, dentro desta, o tribunal tributário da área onde corre a execução.
II - É absolutamente irrelevante que a questão concreta agora sob litígio não seja materialmente uma questão fiscal, no sentido de que não se trata de um lítigio onde se discute uma relação jurídica fiscal, pois a competência do tribunal tributário, em sede de execução fiscal, decorre deste processo ter por objectivo primacial a cobrança coerciva de créditos tributários, ou seja, decorre ainda de uma relação jurídica de natureza fiscal ou administrativa.
Nº Convencional:JSTA00065876
Nº do Documento:SAC20090707010
Data de Entrada:05/20/2009
Recorrente:A... E B... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DE VIEIRA DO MINHO E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RG.
Decisão:DECL COMPETENTE TRIBUNAL TRIBUTÁRIO.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPC96 ART96 N1 ART107 N2.
CONST97 ART211 N1 N3.
ETAF84 ART3 ART62 N1.
ETAF02 ART49 N1 D.
CPPTRIB99 ART10 N1 ART97 N1 ART151 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC41403 DE 1996/10/03.; AC STAPLENO PROC41487 DE 1997/02/26.; AC STAPLENO PROC40427 DE 1998/02/02.; AC TC PROC372/94 IN DR IIS DE 1994/09/07.; AC TC PROC508/94 IN DR IIS DE 1994/12/13.; AC CONFLITOS PROC18/08 DE 2008/11/27.; AC STA PROC923/08 DE 2008/03/25.; AC CONFLITOS PROC7/08 DE 2008/05/27.; AC CONFLITOS PROC3/04 DE 2004/10/12.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VIII PAG563.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam neste Tribunal de Conflitos:
No Tribunal Judicial da comarca de Vieira do Minho, A… e B…, intentaram contra C…, acção com processo ordinário pedindo se declare que à Ré não assiste qualquer direito de preferência relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro, sob o nº 00563.
Fundamentam tal pedido, na seguinte alegação (síntese):
1 - O referido prédio, de que é titular da inscrição de propriedade “D…”, foi objecto de penhora na execução fiscal nº 0434-95/7000001.4, que corre seus termos pelo Serviço de Finanças de Terras de Bouro e em que aquela é executada.
2 – Promovida a venda judicial nessa execução, não houve propostas, pelo que se ordenou a venda por negociação particular.
3 – Os Autores fizeram a melhor proposta, tendo a Ré formulado proposta de montante inferior.
4 – A Ré pretendeu exercer o direito de preferência, na qualidade de proprietária confinante com o prédio penhorado, pretendendo destinar o prédio a construção.
5 – Entre Autores e Ré pende litígio, centrado na questão da preferência de que se arroga a Ré, conquanto no processo executivo, designadamente nos derivados recursos, se discuta somente, como somente se pode, a oportunidade do exercício de um tal direito no ensejo de uma venda judicial, pelo que se torna necessária a presente via judicial de apreciação negativa, para dirimir totalmente o pleito, pelo reconhecimento e declaração de que não existe o direito de preferência a que a Ré se arroga.
A Ré apresentou contestação na qual invoca – além do mais – a incompetência em razão da matéria, do tribunal judicial.
Foi proferido despacho saneador onde foi indeferido um requerimento da Ré a solicitar a suspensão da acção até estar decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga o pedido de anulação de venda formulado pelos Autores na execução fiscal.
Naquele despacho (saneador) foi ainda julgada não verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal judicial em razão da matéria.
A Ré interpôs recurso de agravo de ambas aquelas decisões e ambos os recursos foram admitidos.
Na sequência, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, concedendo provimento ao agravo respeitante á (in)competência absoluta do tribunal, decidiu julgar incompetente o tribunal judicial, declarando a extinção da instância, o que acarretou ficar prejudicado o conhecimento do outro recurso (respeitante ao pedido de suspensão da instância).
Desse acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, retiram-se os seguintes:
FACTOS:
1 - A Fazenda Nacional instaurou, em 1995, um processo de execução fiscal contra a sociedade “D…”, com sede em Braga, NIPC ….
2 – À ordem do referido processo de execução, foi penhorado o seguinte prédio rústico, pertencente à sociedade executada:
Prédio rústico denominado …, sito em Vidoeiro, a confrontar do norte com … (herdeiros), nascente com caminho, sul com a C…. e poente com a Estrada, com a área de 4.530 metros quadrados, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Vilar da Veiga, sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Terras do Bouro sob o nº …”.
3 – A venda do referido prédio foi deprecada à Repartição de Finanças de Terras de Bouro.
4 – A venda judicial, por propostas em carta fechada, com o valor base de 14.700.000$00, não se efectuou, devido à ausência de propostas.
5 – Em virtude desse facto, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Braga deu um parecer onde propôs que a venda fosse efectuada por negociação particular.
6 – O valor base da venda foi, então, de 7.500.000$00, tendo o prédio a área de 4.530 metros quadrados.
7 – Por ofício datado de 15 de Setembro de 2000, a Ré e os restantes donos dos prédios confinantes foram notificados para exercerem o direito de preferência.
8 – A Ré transmitiu ao encarregado da venda o seu propósito de exercer o direito de preferência, independentemente da proposta que também apresentou.
9 – Por ofício datado de 24 de Maio de 2001, a Ré foi notificada para comparecer no dia 12 de Junho de 2001 no Serviço de Finanças para, querendo, alterar a proposta apresentada, “tendo presente que a maior existente até hoje é de 11.000.000$00”.
10 – A 12 de Junho de 2001 foi aceite a proposta dos Autores (A… e B…), não obstante o protesto da Ré (C…) no sentido de exercer a preferência.
11 – Por ofício de 18 de Junho de 2001, foi comunicado á Ré que “por se tratar duma venda por negociação particular … não se aplica o disposto no artigo 896º …”.
12 – A C…, interpôs, para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, recurso do despacho que lhe negou a existência de direito de preferência, tendo sido decidido revogar-se a decisão recorrida para ser substituída por outra que não seja de indeferimento pela razão invocada.
13 – Em consequência, a Repartição de Finanças de Terras de Bouro reconheceu à Ré C… (C…) o direito de preferência, tendo, em 19 de Junho de 2002, notificado esta para proceder ao depósito da quantia nos termos constantes de fls. 238.
14 – A C… depositou o preço e liquidou a sisa.
15 – Os Autores interpuseram, para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, recurso do despacho de adjudicação do prédio à C….
16 – Nesse recurso os autores/recorrentes pedem, designadamente, se ordene que os autos aguardem decisão do recurso da sentença ou, se se entender, se ordene seja proferida nova decisão em que se atenda à natureza urbana do prédio.
17 – Da sentença supra referida em 12, proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, os autores recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo.
18 – Por sentença de 29 de Novembro de 2002 (cfr. fls. 196 e 197 dos autos), o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga revogou o despacho do Chefe da Repartição de Finanças, de 13 de Junho de 2002, que tinha adjudicado o prédio à C… (cfr. fls. 196 dos autos) com os seguintes fundamentos: “O autor da decisão se interpretou correctamente o despacho, actuou por forma que não se compagina com o seu teor. Efectivamente, como referem os recorrentes, no despacho não se fez mais do que revogar a decisão para ser substituída por outra (está subentendido de apreciação do requerimento da Empresa de 12 de Junho de 2001, em que se arguía certa nulidade) que não fosse de indeferimento pela razão nela (decisão) invocada. Em vez disso, na decisão adjudicou-se à Empresa. A decisão não pode, pois, manter-se, merecendo o recurso provimento”.
19 – Em relação ao recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, este Tribunal entendeu que a competência pertencia ao Tribunal Central Administrativo.
20 – O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 22 de Julho de 2003, anulou a sentença, tendo ordenado a ampliação da matéria de facto e que fosse produzida prova sobre os factos alegados pelas partes.
21 – O processo baixou ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, que ampliou a matéria de facto e decidiu nos moldes da primeira sentença proferida.
22 – Os ora Autores, sustentaram nas alegações que constam de fls. 219 a 221 dos autos, que não assistia à aqui Ré, o direito de preferência pelas razões invocadas na presente acção, conforme conclusões terceira e quarta, do seguinte teor:
“Não há lugar ao exercício do direito de preferência no âmbito da venda de bens penhorados por negociação particular, na qual, por força da tramitação prevista no artigo 905º do CPC, a venda é efectuada por meio de pessoa designada para o efeito que age como mandatário e negoceia directamente com os proponentes e celebra directamente a venda com o apresentante da melhor proposta” – conclusão terceira.
“Os actos absolutamente anómalos e irregulares praticados no processo – a convocatória para a reunião, a referida hasta pública, a adjudicação – de nenhum modo se enquadram no processamento da venda por negociação particular e desvirtuam-na como venda extrajudicial negociada e concluída directamente com o adquirente, constituindo actos que devem ser considerados inexistentes ou totalmente ineficazes, não podendo aceitar-se que a douta sentença recorrida tenha sancionado a prática de tais actos, designadamente para proporcionar a possibilidade do exercício de um direito de preferência que não é legalmente admissível na venda por negociação particular” – conclusão quarta.
23 – Os aqui Autores interpuseram recurso da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo.
24 – Por acórdão proferido em 02 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente para conhecer do recurso, ordenando a remessa dos autos para o Tribunal Superior Norte, onde foi proferido, em 14 de Julho de 2005, acórdão no sentido de ser admissível o exercício da preferência.
25 – Na sequência, o bem penhorado foi vendido à Ré (cfr. fls. 136 e segs.).
26 – Os autores, por requerimento de 08 de Outubro de 2007, requereram no processo de execução fiscal, a anulação da venda, nos termos constantes de fls. 115 e segs.
Inconformados com esse acórdão da Relação de Guimarães, os Autores dele interpuseram recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 25 de Março de 2009, face ao estatuído no artigo 107º-2 do CPC, determinou a remessa do processo para o Tribunal de Conflitos pois, “ … Tratando-se de uma venda de um imóvel na jurisdição tributária e havendo que determinar qual a jurisdição competente – a dos tribunais judiciais ou a dos tribunais administrativos e fiscais – para decidir se alguém que se apresente a aí exercer o direito de preferência goza ou não desse direito, estamos perante a situação prevista no nº 2 do artigo 107º do CPC, segundo o qual “Se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal de conflitos” …”.
Neste Tribunal, o Exmº Magistrado do MºPº emitiu douto e muito bem fundamentado Parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido, julgando-se materialmente incompetente o tribunal judicial.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal dos Conflitos foi chamado a intervir para fixar qual a jurisdição competente para apreciar e decidir uma acção de simples apreciação que tem por fim obter unicamente a declaração da inexistência de um direito de preferência que fora invocado no domínio de uma execução fiscal.
Assim, o presente recurso visa a "prevenção de um conflito futuro", sendo certo que, para esse efeito, o poder decisório está legalmente cometido a este Tribunal, de harmonia com o preceituado no artigo 107º - 2, do CPC.
Face à jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores, nomeadamente deste Tribunal dos Conflitos, a competência em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função da relação material controvertida, tendo em conta os termos em que é formulada a pretensão dos Autores, incluindo os seus fundamentos.
Como ensina o Prof. Manuel de Andrade, a competência do tribunal "afere-se pelo quid disputatum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid de cisum".
Feitas estas considerações, cumpre relembrar a configuração da pretensão dos Autores, tal como foi formulada na petição inicial:
- Um prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro foi objecto de penhora em execução fiscal a correr termos no Serviço de Finanças, tendo sido nesse contexto, mais precisamente em sede de venda por negociação particular, que, por um lado, os Autores apresentaram a melhor proposta e, por outro, a Ré invocou ser titular de um direito de preferência, manifestando o propósito de aí exercer esse mesmo direito.
- Os Autores vieram pedir ao Tribunal que declarasse que à Ré não assiste qualquer direito de preferência relativamente ao prédio acima identificado.
Dispõe o artigo 211.°, n. ° 1, da CRP que "Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais".
Por seu turno, estatui o artigo 212.°, n° 3, da referida Lei Fundamental que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais". Decorre dos citados preceitos constitucionais que os tribunais administrativos e fiscais são hoje os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, isto é, apresentam-se com uma área própria, uma reserva de jurisdição, que espelha o seu núcleo essencial, ainda que algumas matérias possam ser pontualmente atribuídas, por lei especial, a outra jurisdição.
Tal doutrina está, aliás, plasmada em dezenas de acórdãos quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional ­ - cfr. Acórdãos do STA de 03.10.96 (Pleno), rec. 41.403, de 26.02.97 (Pleno), rec. 41 487, de 2.02.98 (Pleno), rec. 40247, e de 27.02.2003, rec. 285/03, e Acórdãos do TC, proc.372/94, DR 07.09.94, proc. 347/97, DR 25.07.97, e proc. 508/94, DR 13.12.94.
A nível infra-constitucional, deparamo-nos com o estabelecido no artigo 3.° do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 124/84, de 27 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro (entretanto revogado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004, de harmonia como disposto no artigo 9.° da Lei n04-A/2003, de 19 de Fevereiro), segundo o qual «incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais».
E acrescenta o artigo 62º, alínea i), do referido Estatuto: «compete aos tribunais tributários de 1ª instância conhecer das questões e incidentes que se suscitem nos processos de execução fiscal para cujo conhecimento não sejam competentes os serviços de administração fiscal.» Sendo certo que, de acordo com o disposto no artigo 10°, nº 1, f), do CPPT, aos serviços da administração tributaria cabe instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº 1 do artigo 151º do presente Código»
A nível infra-constitucional, o artigo 49.°, n.O 1, do ETAF, aprovado Lei n.o 13/2002, de 19 de Fevereiro (em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, em conformidade com o disposto no artigo 9.° da Lei n04-A/2003, de 19 de Fevereiro) estabelece: «Compete aos tribunais tributários conhecer: ( ... ) d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal».
De acordo com o artigo 10°, nº 1, alínea f), do CPPT: aos serviços da administração tributária cabe instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº 1 do artigo 151º do presente Código»
Ora, nos termos do aludido artigo 151°, nº 1, do CPPT: «Compete ao tribunal tributário de 1ª Instância da área onde correr a execução, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução fiscal.
Acrescentando o nº 2: «o presente artigo não se aplica quando a execução fiscal deva correr nos tribunais comuns, caso em que cabe a estes tribunais o integral conhecimento das questões referidas no número anterior.»
Ora, se é certo que, de harmonia com o artigo 97.°, n. ° 1, do CPPT, o processo judicial tributário compreende, além do mais, «a oposição, os embargos de terceiros e outros incidentes e a verificação de créditos» [alínea o)], impõe-se concluir desta interminável sequência normativa que todos os incidentes jurisdicionais suscitados em processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças são da competência dos tribunais tributários da respectiva área.
Tal significa que em processo tributário vigora também o princípio geral plasmado no artigo 96°, nº 1, do CPC, segundo o qual «o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa», reflectindo a máxima accessorium sequitur principali - cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 27 de Novembro de 2008, Processo nº 18/08.
Neste domínio, interessa chamar à colação a doutrina inserta em inúmeros acórdãos quanto à noção de "incidente", que tem sido entendido como "uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo" (Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 563).
«Assim, cabem neste conceito de incidentes, não só os incidentes típicos previstos no CPPT (embargos de terceiro, habilitação de herdeiros e apoio judiciário, indicados no art. 166º), mas também todos os incidentes atípicos, que não estão expressamente indicados neste Código para o processo de execução fiscal por não terem a natureza de incidentes, mas por não se pretender introduzir-lhes qualquer especialidade ou atribuir-lhe o regime processual especifico previsto na lei para o respectivo incidente atípico.
Na verdade, qualquer ocorrência que perturbe a tramitação normal do processo cabe no conceito jurídico de incidente e a circunstância de não existirem especialidades que justifiquem a qualificação e regulamentação como incidentes típicos não retira a essas ocorrências o carácter perturbador da tramitação normal que justifica o enquadramento no conceito de incidente.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Março de 2008, Proc. nº 923/08, e do Tribunal dos Conflitos de 27 de Maio de 2008, Proc. nº 07/08.
Por outro lado, não podemos esquecer que é «absolutamente irrelevante que a questão concreta agora sob litígio (. . .) não seja materialmente uma questão fiscal, no sentido de que não se trata de um litígio onde se discute uma relação jurídica fiscal (...). É que a competência do tribunal tributário, em sede de execução fiscal, decorre deste processo ter por objectivo primacial a cobrança coerciva de créditos tributários (...), ou seja, decorre ainda de uma relação jurídica de natureza fiscal ou administrativa. (...).
De resto, nem poderia ser de outra maneira, sob pena de intromissão de juízes de uma jurisdição, na competência de juízes de outra jurisdição autónoma.» cfr. Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 12 de Outubro de 2004, proc. nº 03/04.
E não é necessário recorrer à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, uma vez que o referido artigo 151°, nº1 do CPPT, em plena sintonia com o artigo 49°, nº 1, alínea d), do ETAF, atribui expressamente ao tribunal tributário competência para conhecer de qualquer incidente de natureza jurisdicional, suscitado em execução fiscal.
Em suma, dir-se-á que, atento o princípio constitucionalmente consagrado da tutela jurisdicional efectiva, os tribunais administrativos e fiscais apresentam-se hoje como tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, o que implica terem os meios processuais adequados para dar satisfação às pretensões formuladas pelos administrados em processos da sua competência, pelo que as normas processuais administrativas e tributárias devem ser interpretadas em conformidade com esse princípio constitucional (ainda que, para esse efeito, e a título subsidiário, seja necessário recorrer à aplicação das normas do processo civil).
Face ao que se deixa exposto, não restam dúvidas que a jurisdição competente para apreciar a pretensão formulada pelos Autores junto do Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho é a jurisdição administrativa e fiscal e, dentro desta, os tribunais tributários.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em declarar competente para apreciar e decidir a acção de simples apreciação, que tem por fim obter a declaração da inexistência de um direito de preferência invocado no domínio de uma execução fiscal, a jurisdição administrativa e fiscal e, dentro desta, o tribunal tributário da área onde corre a execução.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Julho de 2009. – Fernando Manuel Cerejo Fróis (relator) - Maria Angelina Domingues – Lázaro Martins de Faria – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Jorge Henrique Soares Ramos - Rosendo Dias José.