Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:039/14
Data do Acordão:11/25/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:GARCIA CALEJO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDICÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18293
Nº do Documento:SAC20141125039
Data de Entrada:07/17/2014
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL E O TRIBUNAL JUDICIAL DE PAREDES (1ºJUÍZO CIVEL) - AUTOR: A....... - RÉU: B.........
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:

A…………. SA, com sede na………., nº…., …………., requereu contra B…………., como injunção, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de 122,75 €, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta este pedido dizendo que é uma sociedade comercial anónima e se dedica ao serviço público de fornecimento de água e drenagem de águas residuais, sendo que no exercício da sua actividade prestou serviços contratados com o R.. Este, apesar de instado para o efeito não pagou a quantia em dívida.

Citado o requerido, deduziu oposição, defendendo-se por excepção sustentando a incompetência material do Tribunal Judicial de Paredes (A dedução desta excepção é patentemente incongruente, já que a acção não interposta no Tribunal Judicial de Paredes mas sim no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel). e a sua absolvição da instância.

Foi proferido despacho saneador, onde o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel se julgou incompetente em razão da matéria e absolveu o R. da instância.


Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Paredes, foi aí proferido despacho em que se declarou também o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da matéria do pleito, tendo-se absolvido a R. da instância.

Suscitada a resolução do conflito pelo Ministério Público, foram os autos remetidos à Relação do Porto que, por sua vez, os remeteu a este Tribunal de Conflitos.


O M.P. pronunciou-se no sentido de atribuir a competência para apreciar o pedido em causa a jurisdição fiscal.

Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.


II- Fundamentação:

Como ponto prévio, diremos que nos encontramos perante um conflito negativo de jurisdição, já que os supra-indicados tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinaram o conhecimento da causa (art. 110º nº 1 do Novo C.P.Civil).

A questão que importa apreciar e decidir consiste, assim, em saber se para a apreciação do pedido formulado é competente a jurisdição administrativa e fiscal ou a jurisdição comum.

A questão debatida nos autos tem vindo a ser recorrentemente apresentada para decisão neste tribunal de conflitos, tendo este tribunal decidido, de forma reiterada, que os tribunais competentes para a decisão são os tribunais administrativos e fiscais.

Em todos os conflitos a A. é uma sociedade anónima de direito privado mas concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e o pedido deduzido é no sentido de os demandados serem condenados no pagamento do serviço contratado.

Porque nos autos nada de novo é suscitado e porque não se vê qualquer razão para alterar a jurisprudência firmada, remete-se para o acórdão deste Tribunal de Conflitos de 19-6-2014 onde estava em causa uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos e em que era igualmente A., A…………. S.A., designadamente na parte em que se afirma:

Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida [...]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A. é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos. No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8º). E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma. Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”. Donde resulta que, no caso em análise, a A., enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido. Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o artº 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo. Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais. Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção. Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06. Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que: “No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”. Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais,através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF».

Também o acórdão de 26-6-2014, em caso idêntico, referiu:

“No caso concreto em apreço, a autora é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Paredes e nessa medida, atua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área. Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79. Concluímos e tendo em atenção ao disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais acima mencionado, que a presente ação é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, assumindo a natureza de uma questão de natureza fiscal”.
Dada que a fundamentação destes acórdãos, além de certa, é clara e cabal, consideramos inútil a repetição de argumentação, pelo que nos limitaremos a remeter para esses fundamentos.
Sobre a mesma situação ver ainda o acórdão deste Tribunal de Conflitos de 5-6-2014, onde são referenciados outros arestos decididos (sempre) em sentido idêntico, todos em www.dgsi.pt/jcon.nsf.


Pode-se assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º nº 1, alínea c), do ETAF.


III- Decisão:

Por tudo o exposto, declara-se os tribunais tributários os competentes para conhecer da presente acção.

Sem custas.
Lisboa 25 de Novembro de 2014. - Ernesto António Garcia Calejo (Relator) - Maria Fernanda dos Santos Maçãs - Hélder João Martins Nogueira Roque - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - José Francisco Fonseca da Paz .