Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:026/18
Data do Acordão:12/06/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:PIRES DA GRAÇA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO.
Sumário:I - A competência da Jurisdição Administrativa prevista no nº 2 do artigo 4° do ETAF tem como pressuposto que se esteja perante litígios «nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligadas por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade»;
II - Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de ação instaurada por depositante em banco intervencionado, contra este banco, o respetivo gestor de conta, o banco de transição, o «Fundo de Resolução» e a CMVM, sendo pedida a condenação solidária de todos os réus, em que são imputados aos dois primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da atividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado, o «Fundo de Resolução» apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição, sem que quanto à CMVM sejam indicados fatos concretos.(*)
Nº Convencional:JSTA000P23933
Nº do Documento:SAC20181206026
Data de Entrada:04/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, LISBOA, INSTÂNCIA CENTRAL, 1ª SECÇÃO CÍVEL, JUIZ 4 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
RECORRENTE: A………...
RECORRIDOS: BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. E OUTROS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 26/18
Acordam no Tribunal dos Conflitos
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Como se refere no acórdão de 7 de Novembro de 2017, do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 7ª Secção - proferido no Proc. Nº 19033/16.9T8SLSB.L1- Apelação provinda do Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 4 - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em que são Recorrentes: A…………., e Recorrido: Banco Espírito Santo, S.A. - Em Liquidação, Banco de Portugal, Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e B……….., com os demais sinais dos autos:

A………… intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra o Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal, o Novo Banco, S.A., o Fundo de Resolução, a CMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e B……….., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar ao A. a quantia de €2.330.858,14, acrescida de juros vencidos desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A. e a apurar em sede de liquidação de sentença e dos vincendos a calcular desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória, tudo por responsabilidade civil dos R.R., enquanto intermediários financeiros e por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM. Mas caso assim se não entenda, deveria ser reconhecida a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma, nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os R.R. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de €2.330.858,14 acrescida de juros vencidos desde a data de utilização ilícita pelos R.R. das quantias monetárias do A., e a apurar em sede de liquidação de sentença, e dos vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento. Em qualquer dos casos pede ainda a condenação dos R.R. a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.
Para tanto, alega, em suma, e com interesse, que é um cidadão português emigrante na África do Sul desde 1963 e tornou-se cliente do BES em finais de 1999 ou princípios de 2000, altura em que passou a ser titular da conta n.º ……….., sedeada no departamento de Private Banking daquele Banco, também denominado por Sucursal Financeira Exterior - Madeira Branch.
Em 2003 ou 2004, o BES transferiu a posição do A. para o seu Private Bank sedeado na África do Sul, tendo-Ihe atribuído uma gestora de conta, a R. B……….
O A. depositava total confiança na sua gestora de conta, a qual sempre o aconselhou a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º R. lançava em carteira. No entanto, sempre transmitiu à gestora de conta que não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, ou seja, que apenas pretendia adquirir produtos com capital garantido e disponível para qualquer eventualidade. Ainda assim, a R. B………, na qualidade funcionária do BES, aplicou dinheiro do A. nos produtos financeiros que identificou no artigo 46º da petição inicial, no valor global de €2.330.858,14.
Em julho de 2014, o A. solicitou o resgate daqueles produtos financeiros e posteriormente o BES foi alvo de uma medida de resolução por parte do Banco de Portugal e, até ao momento, não foi reembolsado do capital investido naqueles instrumentos financeiros.
O A. foi enganado pelo BES, através da sua gestora de conta, quanto à natureza e características dos instrumentos financeiros que adquiriu, tendo aquele violado vários dos deveres que sobre si impediam enquanto intermediário financeiro, nomeadamente os deveres de informação.
Aquando da resolução do BES, foi criado o Novo Banco, enquanto banco de transição, para o qual foram transferidas as responsabilidades daquele primeiro, e cujo capital é inteiramente detido pelo 4º R., o Fundo de Resolução.
Sobre os 1º, 2º, 3º, 5º e 6º R.R. recaíam verdadeiros deveres de conduta de informação, diligência e lealdade, que por eles foram violados e determinam a sua responsabilidade civil que agora o A. pretende fazer valer.
O BES - Em Liquidação contestou, pugnando para que a instância seja, quanto a si, julgada extinta, nos termos do art. 277º, aI. e), do CPC, em consequência da deliberação tomada no dia 13 de julho de 2016 pelo Banco Central Europeu, que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, deliberação essa que, nos termos do n.º 2 do Art. 8º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25.10, produz os efeitos da insolvência.
Os demais R.R. contestaram a ação, defendendo-se por via de exceção e de impugnação.
Quer o Banco de Portugal, quer o Fundo de Resolução, quer a CMVM invocam a exceção dilatória consistente na incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, para tramitar e julgar a presente ação, considerado serem competentes para o efeito os tribunais administrativos.
O A., convidado para o efeito, respondeu pugnando pela improcedência das exceções, mormente da alegada incompetência absoluta.
Na sequência, não tendo nenhuma das partes deduzido oposição à não realização da audiência prévia, foi a mesma dispensada e proferido despacho-saneador sentença, que conhecendo da exceção de incompetência absoluta, julgou a mesma procedente e absolveu os R.R. da instância, por considerar que o tribunal competente para o julgamento da causa seria o Tribunal Administrativo.
É dessa decisão que é interposto o recurso que ora cumpre decidir, tendo o A. dela apelado, [...]
Na fundamentação desse acórdão se considerou:
[...]
Em conclusão, temos uma ação em que são demandados vários R.R. em conjunto, sendo que para a apreciação dos pedidos quanto a alguns dos R.R. são competentes os tribunais comuns e quanto a outros são competentes os tribunais administrativos. Quid Juris?
Estabelece o Art. 4.º n.º 2 do ETAF que:
«2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.» Em consequência, verifica-se uma situação de consunção da competência dos tribunais comuns pela dos tribunais administrativos, que assim prevalece sobre aquela.
[...]
[…] pode haver responsabilidade solidária em sentido próprio se considerarmos o disposto no Art. 497º do C.C.. Ao que acresce que deveremos atender ao interesse do A. em ver reconhecido numa única ação a co-responsabilidade de todos os R.R. que demandou.
Nessa medida, temos de reconhecer que podemos estar perante uma situação de solidariedade passiva que, nos termos do Art. 4º n.º 2 do E.T.A.F., obriga a que todo o litígio a que se reporta a presente ação tenha de ficar subordinado à jurisdição administrativa.
[...]
Deve assim manter-se a decisão recorrida que absolveu todos os R.R. da instância, por ser manifesta a incompetência dos Tribunais Cíveis para julgar a presente causa, atento ao disposto nos Art.s 64º, 96º al. a), 99º n.º 1, 278º n.º 1 al. a). 279º, 576º n.º 2, 577º al. a), 578º e 595º n.º 1 al. a) do C.P.C; Art.s 40º n.º 1 e 80º n.º1 da L.O.S.J.; e Art. 4º n.º 1 al. f) e n.º 2 do E.T.A.F..
Improcede a apelação, portanto, também nesta parte.


V-DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.”

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O A, inconformado interpôs recurso de revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, admitindo que o mesmo viesse a ser convolado em recurso para o Tribunal dos Conflitos, tendo juntado dois acórdãos proferidos pela 6ª Secção do mesmo Tribunal da Relação “que deliberaram no sentido de julgar competente para apreciar a causa o Tribunal Judicial Cível, relativamente aos R.R. BES, Novo Banco e B……….”.

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O Senhor Juiz Desembargador proferiu então despacho, donde consta:
Fls 758 e ss: Veio o A./Recorrente interpor “recurso de revista excecional” para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do Art. 672.º do C.P.C., do acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de fls 733 a 746 que confirmou a sentença recorrida, a qual, por sua vez, conhecendo de invocada exceção de incompetência absoluta, julgou a mesma por procedente e, em consequência, absolveu os R.R. da instância, por considerar que o tribunal competente para o julgamento da causa seria o Tribunal Administrativo.
Todos os Recorridos que contra-alegaram vieram invocar que o Tribunal competente para a apreciação do recurso interposto seria o Tribunal de Conflitos, nos termos do Art. 101.º n.º 2 do C.P.C., requerendo que o recurso seja por isso rejeitado ou convolado em Recurso para o Tribunal de Conflitos.
A fls 1139 e ss, o A. manteve o teor e alcance do recurso de revista excecional por si interposto. Mas caso fosse entendimento de que fosse convolado o mesmo em “Recurso para o Tribunal de Conflitos”, então requereu que fossem aproveitados todos os atos praticados pelo A
Cumpre apreciar.
Tendo em atenção a simplicidade da questão suscitada e por a mesma se reportar à correção do recurso interposto, nos termos do Art. 652.º n.º 1 al. a) e aI. c) do C.P.C., a competência para decidir está legalmente atribuída ao Relator.
Não se nos oferecem dúvidas sobre a aplicabilidade ao caso do disposto no Art. 101.º n.º 2 do C.P.C., porque a Relação decidiu julgar incompetente o tribunal judicial comum, porquanto a causa pertence ao âmbito da jurisdição administrativa, sendo que o propósito do recurso ora interposto é definir desde logo qual a jurisdição competente para julgar a causa. Logo, o tribunal competente para esse efeito é efetivamente o Tribunal de Conflitos.
[...]
Assim, ao abrigo das disposições legais referidas, julgamos dever convolar o “recurso de revista extraordinária” para “recurso para o Tribunal de Conflitos”, por força da aplicação ao caso do disposto no Art. 101.º n.º 2 do C.P.C., aproveitando-se os atos praticados pelas partes, nomeadamente as alegações de recurso apresentadas pelo A., que assim se consideram dirigidas ao Tribunal de Conflitos.
- Notifique.

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Quanto ao mais, a decisão é recorrível para o Tribunal de Conflitos (Art.s 101. n.º 2 e 629.º n.º 2 al. a) do C.P.C.), assistindo legitimidade ao Recorrente para dela recorrer (Art. 631.º do C.P.C), sendo o recurso agora convolado o próprio (Art. 101.º n.º 2 do C.P.C.), reconhecendo-se que foi apresentado tempestivamente (Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.). Pelo que se admite o Recurso para o Tribunal de Conflitos.
- Notifique e cumpra.”.

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Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se, em síntese, da seguinte forma:
“A matéria aqui a dilucidar incide sobre um “conflito negativo de jurisdição” suscitado entre a Instância Central Cível de Lisboa, 1ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com decisão em sede de recurso do Tribunal da relação de Lisboa, e os Tribunais Administrativos e Fiscais.
Em suma, importa esclarecer e decidir se, para a análise e decisão da matéria em discussão é competente a jurisdição comum (cível) ou a jurisdição Administrativa e Fiscal (administrativo).
[...]
A acção instaurada fundamenta-se, assim, na prática de factos dados como ilícitos pelo Autor, por violadores de deveres contratuais inerente ao depósito bancário, ou à mediação financeira, neste caso à revelia da sua vontade enquanto titular dos capitais depositados naquele banco e objecto das operações de investimento levadas a cabo, factos esses dos quais faz decorrer a obrigação de indemnizar;
Mas também, em termos solidários e e em actuação simultânea na complexidade das causas, às omissões de cumprimento de deveres legais que imputa ao BdP e à CMVM.
Já quanto ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, nos termos da acção instaurada, não lhe é imputada qualquer intervenção nos factos violadores de normativos legais atribuídos aos restantes Réus, pedindo-se a sua condenação solidária com os restantes, apenas com base naquela titularidade do capital que já supra referimos.
Além disso, quanto ao Fundo de Resolução, a PI aponta conteúdos que se resumem a esclarecer se tal detenção do capital, em qualquer contexto, permite fundamentar uma responsabilização solidária daquele Fundo pela reparação dos danos que são imputados aos primeiros Réus, o que é questão a resolver apenas nos termos do direito privado, nada tendo a ver com responsabilidade civil de entidades públicas.
[...]
C) SOLUÇÕES
1. No que toca à questão jurídica do Fundo de Resolução subscrevemos por inteiro a doutrina dos Acórdãos do tribunal de Conflitos (22/3/18 e 17/5/18) a que já fizemos referência e, por essa banda, a haver apenas o Fundo de Resolução - entidade de direito público -, na posição de Réu, o processo caberia aos tribunais comuns, como também, nesses arestos foi decretado.
2. Todavia, no caso concreto que ora nos ocupa, o A desenha, na PI, um esquema em que, por violação/omissão de cumprimento de deveres legais de supervisão, ao BdP e à CMVM também se pede que, solidariamente entre si e com os restantes quatro Réus, sejam condenados ao ressarcimento dos danos invocados pelo A.
3. Importa, pois, apurar se é aplicável ao caso o comando normativo do artº 4º/2 do ETAF.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 17/5/18: “Sublinhamos que o legislador exige - «devam)} - no nº2 do artigo 4º do ETAF, norma que aqui é primacialmente chamada à lide, para efeito de aferir a competência dos tribunais da jurisdição administrativa, que na petição inicial tenham sido articulados factos que permitam, primo conspectu, fundamentar a imputação de responsabilidade solidária às entidades públicas e particulares que nela são demandadas. Não basta, para tal, a mera invocação, «oca de factos», dessa mesma responsabilização solidária, como acontece no presente caso.”
Daqui retemos que importa que o A. elenque factos que fundamentem a imputação de responsabilidade solidária às entidades públicas e particulares demandadas. E, isso, a nosso ver, o A. faz - de forma minimalista - mas o suficiente para se compreender em termos normais.
Outra coisa é saber se os factos são suficientes ou adequados ao objetivo da Acção (condenação solidária), mas essa é questão para o tribunal competente, tramitando o processo, avaliar e decidir no momento próprio e não, nesta fase em que se discute que jurisdição é a competente para o conhecimento da matéria dos autos.
Concordamos, em absoluto com a formulação do Acórdão do Tribunal de Conflitos supra citado: mostra-se necessário articular factos que fundamentem a imputação de responsabilidade solidária dado que, a nosso ver, tal representa a lógica legislativa na conjugação da norma com o efeito sistémico e pragmático de funcionamento do sistema. E dever-se-á excluir, por menos correcta, a leitura mais restrita, que obriga à existência de litisconsórcio passivo necessário para permitir accionar o mecanismo do artº 4/2 do ETAF.
D) JURISDIÇÃO COMPETENTE
Decorre de tudo o que vem de ser exposto que, no caso concreto dos presentes autos, é aplicável o comando normativo do artº 4/2 do ETAF e, dado que são demandados solidariamente entidades privadas e públicas, duas destas (BDP e CMVM), justamente por lhes ser imputada a ausência de cumprimento dos deveres legais de supervisão, portanto, do não exercício das suas funções legais de carácter público, de tal arte que não só não terão prevenido as condutas dos outros Réus (BES e gestora de Conta), segundo o A., de características não transparentes e enganosas, como terão passado, no espaço público, afirmações ou condutas que terão dado credibilidade e respaldo ao Réu BES.
Porque assim é ponderando a doutrina dos Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 22/3/18 e 17/5/18, que se subscreve, quanto à posição jurídica, nesta relação, do Fundo de Resolução, será de considerar - atenta a aplicabilidade ao caso da norma do nº 2 do artº 4º do ETAF - que a jurisdição competente é a administrativa.
Nestes termos, considera-se que deverão ser os Tribunais Administrativos e Fiscais a conhecer da matéria dos autos.”

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Cumprida a tramitação processual e, após vistos, seguiu o processo para julgamento
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Cumpre apreciar e decidir:

O Artigo 101.º nº 2, do Código de Processo Civil (CPC) - (art.º 107.º CPC 1961), sobre a Fixação definitiva do tribunal competente, dispõe no seu nº 2: “Se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal dos Conflitos”.
Como já referia Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs 323 e segs: a propósito do referido art. 107º, nº 2, do CPC anterior: «O recurso a que alude o artº 107º nº 2 não é um meio de solução do conflito existente, mas de prevenção de conflito futuro, através de uma decisão que defina, com força de caso julgado material, fora da acção em que seja proferida, a “competência”(...)»
E, referia o mesmo Autor (ibidem, p. 324) em comentário ao texto de 1939: “sob o ponto de vista pragmático custa a admitir que proferida uma decisão, com trânsito em julgado, no sentido de que determinada causa é da competência dos tribunais de certa espécie e categoria, o tribunal perante o qual venha depois a acção a ser proposta, em obediência ao caso julgado, tenha ainda o poder de se declarar incompetente. Espetáculo pouco edificante e situação desairosa”.
O referido artº 101º do CPC actual, na sequência do artº 107º, nº 2, do CPC, anterior garante o exercício do direito ao recurso para o Tribunal dos Conflitos na situação ali indicada, onde se integra a dos autos.

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De harmonia com o artº 202º da Constituição da República Portuguesa (CRP):
“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”

O artº 211º da Lei Fundamental estabelece no seu nº 1 que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Consagra-se a regra geral de jurisdição, ou jurisdição regra, incumbida aos tribunais judiciais, mas, sem prejuízo de áreas atribuídas a outras ordens judiciais, em que a jurisdição deixa de ser exercida pelos tribunais comuns.
Solução esta contemplada na lei ordinária -v. artº Artigo 64.º do CPC (art.º 66 CPC 1961) “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”

O artº 212º da CRP referindo-se aos tribunais administrativos e fiscais determina no nº 3 que: - “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham, por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”.
Assim também o artigo 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, que dispõe:
“1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”
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“Competência dum tribunal é a medida da sua jurisdição.”
“Leis de competência são as que fixam a medida da jurisdição dos diversos tribunais” - Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, 1976, p. 44.
“Sendo a função jurisdicional uma actuação de normas materiais ou substantivas - como que uma aproximação da Lei e da Vida, e encontrando-se o direito substantivo cindido em diversos ramos por necessidades de especialização, é consequência lógica que aplicação contenciosa de cada um deles, pertença ao sector específico da organização jurisdicional. A jurisdição apresentar-se-á, pois, pluralizada em diferentes formas. (...).
Preside a essa diferenciação a diversidade do seu objecto.”- Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, Coimbra, p.s 15 e 16.
Como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, revista, 2010, pág. 125: “a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado (cfr. acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25 de Janeiro de 2007, Processo nº 19/06, do TCA Sul de 12 de Fevereiro de 2009, Processo nº 3501/08, e de 5 de Março de 20089, Processo nº 3480/08).”

Conforme artº 552º do CPC, (art 467.º do CPC de 1961), entre os vários requisitos da petição inicial, petição com que propõe a acção, deve o autor:
(...)
d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
e) Formular o pedido;

Se o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, a causa de pedir é o facto jurídico que está na base da pretensão.
“Na verdade, uma mesma acção, destinada à obtenção de uma certa providência com determinado conteúdo, pode ser apresentada ao juiz baseada em factos diversos. A causa de pedir parece-nos, assim, como o elemento causal do poder de acção, e, ao mesmo tempo, como algo de composto, na medida em que concorrem para a sua integração vários elementos. Nela intervém também o interesse em agir.” - Artur Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, Coimbra,1981, p. 204, 205.
Aduz ainda o mesmo Autor: - “Não deve, pois partir-se de uma noção única preconcebida de objecto do litígio e da causa de pedir. Há que adoptar de uma e de outra o conceito mais adequado aos fins próprios de cada instituto.
São estas soluções que estão mais de acordo com as necessidades do processo e mais de harmonia com uma interpretação de tipo não conceptualista.”
E, mais adiante:
“Não se entenda, porém, que a causa de pedir seja em si mesma objecto da acção; - é-o apenas para o efeito do pedido, ou seja, nos limites da pretensão deduzida em juízo.” (ibidem., p. 211).
Ensina Manuel A. Domingues de Andrade - Noções elementares de Processo Civil, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, Nova edição Revista e Actualizada, pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra Editora, Limitada, 1976, p. 111:
“Noção de causa de pedir. “É o acto ou facto jurídico (simples ou complexo), mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer. (...) Esse direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir.
A causa de pedir e os fundamentos ou razões de facto invocados pelo autor. Estes fundamentos são pontos de facto com função instrumental (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que é a causa de pedir (facto jurídico). Tendem a demonstrar a realidade da causa petendi.”
Ao expor os factos e razões de direito que servem de fundamento à acção, o Autor, tem “de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstracta.”

Por outro lado, não pode olvidar-se o disposto no Artigo 30.º do CPC. (art.º 26.º CPC 1961)
I - O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
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Examinando a petição inicial dela resulta que:
A……….., id. nos autos, interpôs na comarca de Lisboa Instância Central, acção declarativa de condenação com processo comum, contra:
1. Banco Espírito Santo, S.A.;.
2. Banco de Portugal;
3. Novo Banco, S.A.;
4. Fundo de Resolução;
5. CMVM- Comissão de Mercado de Valores Mobiliários;
6. B………;

Todos devidamente id. nos autos, alegando, em suma:

O Autor é cliente do 1º Réu desde o final do ano de 1989 e início do ano de 2000.
A relação existente entre o Autor e o 1º Réu materializa-se na existência da conta bancária nº ……….. de que o Autor é titular.
O A. depositava a quase totalidade do seu dinheiro e das suas poupanças.
Ao Autor foi atribuída uma Gestora de Conta, a Senhora B………., a 6ª Ré. Todos os assuntos relacionados com aquela conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas sempre foram tratados pelo A. com a 6ª R.
Foi a 6ª R que sempre aconselhou o A a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º R lançava em carteira.
E foi sempre a 6ª R quem aconselhou o A. em que momento deveria comprar e vender cada um dos produtos financeiros que eram como depostos a prazo, da titularidade do 1º R e por isso eram totalmente garantidos pelo Banco -1º R. e que sempre que necessitasse do seu dinheiro, era só telefonar-lhe a ela, e que o mesmo estaria na sua conta à ordem em 2 ou 3 dias, sem quaisquer delongas.
O Autor aplicou o dinheiro depositado no 1º R, na compra dos produtos que actualmente constam da sua Carteira de Títulos Custódia, designadamente os identificados no artº 46º da petição inicial, aqui por reproduzidos, tendo assim o A. investido o montante total e € 2.330.868,14 naqueles produtos financeiros,
O 1º R e a 6ª R sabiam que o Autor apenas queria confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso.
Ainda assim aplicaram aquele dinheiro do A. em produtos que sabiam não ser abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósito, nem tão pouco que ofereciam a segurança pedida pelo A., usando o dinheiro dele à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco.
A 6ª R sempre garantiu ao A. que iria receber o seu dinheiro, garantindo o reembolso
O A apresentou requerimentos de resgaste de seus produtos, vindo em determinada altura a obter uma resposta de que “(...) face à situação actual do Grupo Espírito Santo não temos liquidez disponível, neste momento para executar as ordens que nos enviou. Não podemos nesta fase confirmar a data para a liquidação deste processo, sendo que estamos a fazer todos os possíveis esforços para resolver a situação.”
O 1º R foi alvo de uma medida de resolução pelo 2º R (o BdP)
E logo após aquela medida, em 19 de Agosto de 2014 [volvido quase um mês e meio sobre a data da de apresentação dos seus requerimentos de pedido de reembolso, o Autor recebeu uma carta do 3º R (NB), na qual por referência aos títulos ESCOM MINING, ESCOM INC, ESCOM SER.E e ES TOURISM, garante ao A. que a situação [pedido de reembolso do A] esta a ser analisada com o 2º R (BdP),
Mas mais tarde o Autor recebeu do 3º R. (o Novo Banco) uma outra carta mediante a qual aquele R tenta desobrigar-se do pagamento daqueles produtos, por alegadamente não estarem incluídos na medida de transmissão que originou a sua constituição enquanto instituição financeira.
Facto é que o Autor foi enganado durante todos estes anos de relação (de confiança) com o 1º R, por este e pelos seus intervenientes directos como é a 6ª
Que, sabe agora, o instrumentalizaram e usaram ilicitamente as suas poupanças monetárias para financiar a actividade não financeira do Grupo Banco Espírito Santo.
De facto, apenas quando o 3º R (NB) recusou reembolsar o A. de todos os seus “depósitos”, e a sua solicitação,
É que o A. percebeu que durante todos aqueles anos, o 1º R. e a 6ª R. usaram o seu dinheiro contra as suas indicações e vontade expressas, ou seja,
O A. sempre afirmou que não queria o seu dinheiro “depositado” em produtos de qualquer risco, e confiou na resposta que aqueles RR. lhe davam de que o capital “colocado” naqueles produtos era totalmente garantido pelo 1º R.
Percebeu assim o Autor que foi durante anos, usado e enganado por aqueles RR.
Além disso, impor ainda referir que
No produto do Espírito Santo Internacional PLC, no valor de 250.000 USD (que é um produto BESI / HAITONG), o A. nunca foi informado para efeitos de poder cancelar o título quando a PT foi vendida para a Altice e o título ficou na OI brasileira.
Sendo por esta razão,
Que a ora Ré CMVN está a investigar essa operação, pois também aqui existiu absoluta falta de informação, para além de este produto era investido em outras três empresas, desconhecendo-se, e por isso é um caso de polícia, saber para onde vai o dinheiro dessas outras empresas que não estão em aparentes dificuldades...
Importa ainda dizer, que há um e-mail proveniente do 1.º R. a dizer que o título de Espírito Santo international PLC, no valor de 300.000 USD (que é um produto BESI/ HAITONG), a informar o A. que o risco do produto era o mesmo que o do BESI,
Em 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal, 2º R., decidiu-se pela aplicação da medida de resolução ao 1º R., criando assim o Novo Banco, o 3º R, cujo capital social é inteiramente detido, pelo 4º R., o Fundo de Resolução.
Assim nasceu, no nosso mercado financeiro e das instituições de crédito, o 3º R. (que é à semelhança do 1º R. uma “empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria.”- nos termos do DL nº 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF];
Com aquela medida, o 2º R. decidiu pela transferência da gestão de um conjunto de activos, passivos e elementos extra patrimoniais que se encontravam sob domínio do 1º R. (BES) para o 3º R., o Novo Banco.
E (re) determinando mais tarde a quem, de entre o 1º R e o 3º R., cabe a tutela de alguns daqueles elementos extra patrimoniais, activos e passivos, no uso do poder de retransmissão que detém, e através das deliberações conhecidas como “Perímetro”, “Contingências” e “Retransmissão”.
Assim, com aquele acto de resolução e de selecção de activos proveitosos, o 2º R decidiu transferir a esmagadora maioria do património do 1º R (BES) para o 3º R (Novo Banco),
Deixando contudo um conjunto de activos sob a gestão do 1º R, que estando grandemente desvalorizados, encontram-se registados também com as devidas imparidades.
Tal significa que com aquela decisão de Resolução o 2º R (BdP) determinou genericamente que os activos de real valor, e que poderão responder sobre os credores do 1º R, fossem transferidos para o 3º R,
Sem que contudo, como se verá, grande parte dos créditos que incidiam sobre o 1º R à data daquela medida tenham sido igualmente transferidos.
Deixando assim para um conjunto de credores um património desvalorizado e certamente insuficiente para a total satisfação daqueles.
Sucede contudo que, em 11 de Julho de 2014, dias antes de se decidir pela resolução do 1º R., o 2º R emite o seguinte comunicado:
“Em face do comportamento especialmente adverso no mercado de capitais nacional decorrente da incerteza latente sobre a situação financeira do Banco Espírito Santo, S.A. (BES), o Banco de Portugal esclarece que, tendo em conta a informação reportada pelo BES e pelo seu auditor externo (KPMG), o BES detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) sem pôr em causa o cumprimento dos racios mínimos em vigor.
[...]
Não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES, pelo que os seus depositantes podem estar tranquilos.”
O 1º R. sempre assumiu que criou expectativas de liquidez na sua malha de clientes de retalho (por oposição a clientes institucionais), e de entre os quais se encontra o A.
Já depois daquela medida de resolução, facto é também que, o 2º R (BdP) e 3º R (Novo Banco), tem perpetrado um conjunto de actos em que não só assumem uma obrigação de reembolso daqueles produtos,
Bem assim como criam um quadro de “intenções” junto dos credores como o A., aguardando certamente manter as relações comerciais com o mesmo, que decerto lhes interessará,
E criando assim um quadro de expectativa de que será criada uma solução, com vista a inibir a generalidade dos credores como o A. a não reclamar judicialmente os seus direitos.
Assim, note-se que é facto que não obstante o uso e (re)uso daqueles poderes de retransmissão legalmente atribuídos ao 2º R. (BdP) por via do art. 145º-Q do DL nº 298/92 de 31 de Dezembro [RGICSF],
Em momento algum a rubrica contabilista “Provisão” constituída pelo 1º R, em momento anterior à medida de resolução, consta dos itens excluídos e elencados no Anexo 2 à Deliberação do 2º R de 3 de Agosto de 2014.
O que leva a crer que aquela obrigação de reembolso também terá, então sido transferida para o 3º R, não deixando de ser singular que a mesma não conste do Relatório de Contas Consolidado do mesmo à data da sua constituição,
O que apenas resulta na pergunta já pública que todos nós fazemos, onde está o dinheiro dos credores do 1º R, como é o dinheiro do Autor (7).
Mas mais,
É ainda naquilo que se tem por uma assunção de obrigação de reembolso conjunta do 2º R. (BdP) e do 3º R. (NB) que, na presente acção, se enquadra, também a Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do 2º R. (BdP) de 14 de Agosto de 2014,
E na qual o 2º R. recomenda ao 3º R., a adopção de medidas para a tomada de “operações de pagamento de compensações, exclusivamente por razões comerciais, a cliente de retalho detentores de títulos de dívida de entidades do Grupo Espírito Santo […]”.
Temos assim que, todos os RR. supra mencionados, na medida das suas atribuições praticaram um conjunto de actos e declarações públicas que levaram o Autor a acreditar que iria em curto espaço de tempo obter o reembolso daqueles produtos,
Que apenas agora sabe serem produtos que afinal não se encontrava em tempo algum garantido o seu reembolso, tal como lhe fora “vendido”,
Não se pode negar a importância e as obrigações que as declarações daqueles RR., criam no nosso quadro social, e no cidadão médio,

*
Do supra exposto, como é fácil concluir, a acção funda-se no incumprimento de um contrato de depósito bancário celebrado com o 1º R através de abertura de conta onde o A. depositava a quase totalidade do seu dinheiro e das suas poupanças, sendo sempre todos os assuntos relacionados com a mesma conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas tratadas pelo A. com a 6ª R, que era funcionária do 1º R e nessa qualidade gestora da conta do A, que sempre aconselhou o A. a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1º R lançava em carteira e sempre garantiu o seu reembolso pelo 1º R., sendo que o 1º R por, ou por via da 6ª R não celebrou qualquer contrato de intermediação financeira com o A.
O 1º R foi alvo de uma medida de resolução pelo 2º R com a qual criou o 3º R, e para o qual transferiu o acervo patrimonial de activos e passivos e elementos extra patrimoniais, cujo capital foi inteiramente detido pelo 4º R (o Fundo de Resolução), criando expectativas de liquidez e reembolso, sendo que sobre todos os Réus recaíam deveres de conduta de informação, diligência e lealdade, nomeadamente deveres de supervisão incumbidos aos 2º e 5º R, cujo incumprimento se repercute na co-responsabilidade na obrigação de devolução dos montantes investidos, atendendo ao facto de os produtos investidos não serem, a final, liquidáveis à vista, e com aquele comportamento os RR privaram o A. de disponibilidade dos seus fundos, causando-lhe assim, um dano por via do seu património financeiro colocado sob a gestão daqueles RR.

Como bem explicita o Ministério Público em seu Parecer:
“A acção instaurada fundamenta-se, assim, na prática de factos dados como ilícitos pelo Autor, por violadores de deveres contratuais inerente ao depósito bancário, ou à mediação financeira, neste caso à revelia da sua vontade enquanto titular dos capitais depositados naquele banco e objecto das operações de investimento levadas a cabo, factos esses dos quais faz decorrer a obrigação de indemnizar;
Mas também, em termos solidários e em actuação simultânea na complexidade das causas, às omissões de cumprimento de deveres legais que imputa ao BdP e à CMVM.
Já quanto ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, nos termos da acção instaurada, não lhe é imputada qualquer intervenção nos factos violadores de normativos legais atribuídos aos restantes Réus, pedindo-se a sua condenação solidária com os restantes, apenas com base naquela titularidade do capital que já supra referimos.
Além disso, quanto ao Fundo de Resolução, a PI aponta conteúdos que se resumem a esclarecer se tal detenção do capital, em qualquer contexto, permite fundamentar uma responsabilização solidária daquele Fundo pela reparação dos danos que são imputados aos primeiros Réus, o que é questão a resolver apenas nos termos do direito privado, nada tendo a ver com responsabilidade civil de entidades públicas.”
“O A. desenha, na PI, um esquema em que, por violação/omissão de cumprimento de deveres legais de supervisão, ao BdP e à CMVM também se pede que, solidariamente entre si e com os restantes quatro Réus, sejam condenados ao ressarcimento dos danos invocados pelo A.”

*
O artº 4º, nº 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, dispõe: - “Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.”

Como resulta do acórdão proferido no proc. nº 056/17, de 22 de Março de 2018, do Tribunal dos Conflitos (www.dgsi.pt):lncumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma ação instaurada por depositante em banco intervencionado, contra aquele banco, o respetivo gestor de conta, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os Réus, em que sejam imputados aos dois primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da atividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado e o Fundo de Resolução apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.”

ln casu, foi ainda demandada a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários
Porém, embora tenham sido demandadas entidades públicas e particulares e venha pedida a condenação solidária dos Réus, não basta, pedir ao Tribunal que condene solidariamente os Réus, sendo necessário demonstrar os factos de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária.

Ora, não resulta da configuração factual da relação jurídica explanada pelo A, que as demandadas entidades públicas e particulares se encontrem entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, e de que forma concorreram em conjunto para a produção dos mesmos danos, sendo que não consta a existência de contrato de seguro de responsabilidade, celebrado entre si.

A solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513º do Código Civil, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes.

Como assinala a decisão recorrida:
“No caso, o A. invoca na sua petição inicial estarmos perante uma ação que visa o exercício do direito a indemnização emergente de responsabilidade civil, tendo em atenção as normas de imputação de responsabilidade emergentes do Código de Valores Mobiliários (v.g. os Art.s 304º-A e 321º do CVM).
Mas concretizando a factualidade alegada, resulta que, quanto ao Banco de Portugal o A. limita-se a invocar que o mesmo aplicou a medida de resolução ao BES e a consequente transmissão dos ativos e passivos deste para o Novo Banco (artigos 80º, 99.º a 101.º, 105.º da petição inicial), para além de publicamente proferir declarações, no quadro da confiança na manutenção e solvabilidade e estabilidade do BES, que vão no sentido de assumir que os clientes desse banco vão ser reembolsados, no que o A. tem acreditado, sentindo-se agora ludibriado (artigos 111º a 118º, 126.º, 133.º a 139.º da petição inicial). Mas depois sempre afirma que não se poderão esquecer os deveres de supervisão que competem ao 2.º R. (BdP) de que resultará a sua corresponsabilização pela obrigação de devolução dos montantes investidos, recorrendo, segundo crê, aos montantes sob tutela do 4.º R. (Fundo de Resolução) e não obstante o dever de indemnizar desse Fundo, que resulta do Art. 145º-H n.º 16 do Dec.Lei n.º 298/92 de 31/12, caso se verifique que o A. ficou prejudicado com a aplicação da medida de resolução (dI:. artigos 150º e 151.º da petição inicial). Nada mais é alegado quanto a estes dois R.R..
Já relativamente à CMVM, que é o 5.º R., o A. só alega que a mesma está a investigar a operação relativa ao produto BESI, no quadro da operação da venda da PT para a Altice (artigo 92º da petição inicial) e que a mesma violou deveres de informação, diligência e lealdade. Em conjunto, aliás, como os demais R.R. (artigo 152º da petição inicial).
[...].
Assim, o Banco de Portugal é chamado à liça essencialmente por ter aplicado a medida de resolução e fazer declarações públicas de que resultaria a sua corresponsabilização pelas obrigações do BES, recorrendo aos fundos sob gestão do Fundo de Resolução.
O Fundo de Resolução é demandado, porque gere esses “fundos” e porque, em qualquer caso, terá que responder pela obrigação de indemnização se se verificar que a aplicação da medida de resolução ao BES causou mais prejuízos que os resultantes da insolvência desse banco.
A CMVM é demandada não sabemos muito bem porquê... Dado que não percebemos que deveres de informação, diligência ou lealdade violou, já que a petição inicial não o esclarece.”

*
Deste modo, independentemente da natureza pública do Fundo, sendo o mesmo demandado apenas por ser titular do capital de um banco de transição - o Novo Banco, sem ser posta em causa de qualquer modo, a forma como essa titularidade foi constituída, nomeadamente sem a impugnação das deliberações do Banco de Portugal do qual resulta e sem que sejam imputados ao BdP, ao Fundo, ou à CMVM quaisquer factos de que possa decorrer a sua responsabilidade solidária nos prejuízos sofridos pelo autor, não pode afirmar-se em bom rigor, que a acção assim instaurada vise a efectivação de responsabilidade civil de um ente público, em solidariedade com outros. E, por conseguinte, que tal acção deva ser julgada, sem mais, pela jurisdição administrativa.

Fica-se sem saber o âmbito factual concreto dos 3º, 4º e 5º RR se agiram como intermediários financeiros, e em que termos, se decorrente ou não de celebração de contrato de intermediação financeira com o A., ou com algum dos Réus, (o A formula, subsidiariamente pedido de anulação do contrato), se se encontram vinculados solidariamente com os 1º, e 2ª RR aos factos alegados na petição inicial que alegadamente obrigam ao pagamento das indemnizações peticionadas por força de intermediação financeira ou vícios formais dessa intermediação.

Como se referiu o acórdão de 17 de Maio de 2018, proc. nº 052/17, deste Tribunal
“Sublinhamos, a terminar, que o legislador exige - «devam» - no nº 2 do artigo 4º do ETAF, norma que aqui é primacialmente chamada à lide, para efeito de aferir a competência dos tribunais da jurisdição administrativa, que na petição inicial tenham sido articulados factos que permitam, primo conspectu, fundamentar a imputação de responsabilidade solidária às entidades públicas e particulares que nela são demandadas. Não basta, para tal, a mera invocação, «oca de factos», dessa mesma responsabilização solidária, como acontece no presente caso.”

Como salienta o Ministério Público em seu Parecer: “mostra-se necessário articular factos que fundamentem a imputação de responsabilidade solidária dado que, a nosso ver, tal representa a lógica legislativa na conjugação da norma com o efeito sistémico e pragmático de funcionamento do sistema. E dever-se-á excluir, por menos correcta, a leitura mais restrita, que obriga à existência de litisconsórcio passivo necessário para permitir accionar o mecanismo do artº 4/2 do ETAF.”
Não basta a alegação de factos genéricos ou conclusivos para que possa dar-se como assente o vínculo jurídico de solidariedade justificativo da aplicação do artº 4º nº 2, do ETAF
Impõe-se, por isso, a atribuição aos Tribunais Judiciais a competência para dirimir o litígio, nos termos em que o autor o configura,

*

Termos em que, decidindo:
Acorda-se no Tribunal dos Conflitos em dar provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, julgam competente a jurisdição comum - tribunais judiciais - para decidir o pleito como vem configurado pelo A.

Sem custas
Elaborado e revisto pelo relator

Lisboa, 6 de Dezembro de 2018. - António Pires Henrique da Graça (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Manuel Bernardo Domingos - José Francisco Fonseca da Paz - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos - António Bento São Pedro.