Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:012/22
Data do Acordão:07/14/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
CONTRA-ORDENAÇÃO
URBANISMO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Decorre do entendimento firmado na jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos de que apenas a partir de 01.09.2016 compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de actos que aplicam coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo [cfr. arts. 4º, nº 1, al. l) do ETAF e 15º, nº 5 do DL nº 214-G/2015];
II - Sendo que o elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência em razão da matéria, consiste na data da apresentação em juízo, pelo MP, dos autos de contra-ordenação e do respectivo recurso, atendendo à data da remessa a juízo do processo de impugnação da coima nestes autos, é o Tribunal Judicial o competente em razão da matéria para o apreciar.
Nº Convencional:JSTA000P29792
Nº do Documento:SAC20220714012
Data de Entrada:04/05/2022
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA NORTE – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LOURES - JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
REQUERENTE: A..........., LDA
REQUERIDO: MUNICÍPIO DE LISBOA E MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
Em 11.05.2013, o Presidente da Câmara Municipal de Loures aplicou à arguida A……………., Lda, melhor identificada nos autos, uma coima no valor de €50.000,00, valor acrescido das respectivas custas do procedimento, por ter cometido a contra-ordenação prevista e punida pelos nºs 1 e 4 do art. 98º do DL nº 555/99, de 16/12, na redacção dada pelo DL nº 177/2001, de 4/6 [RJUE] - cfr. relatório de fls. 403 a 405 dos autos.
A arguida interpôs impugnação judicial daquela decisão, nos termos do artigo 59º do DL nº 433/82, de 27/10, recebido em 20.06.2013 nos serviços da Câmara Municipal de Loures.
Em 02.09.2013, o Ministério Público deu entrada em juízo, no Tribunal Judicial da Comarca de Loures, do referido recurso de impugnação judicial de contra-ordenação, nos termos constantes de fls. 407 dos autos, aqui dados por integralmente reproduzidos.
Em 23.09.2021, a Senhora Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 2 declarou aquele Juízo materialmente incompetente para conhecer do recurso de contra-ordenação, determinando a remessa dos autos ao TAC de Lisboa, por ser o materialmente competente, por a contra-ordenação em causa nos autos estar contemplada na al. l) do nº 1 do art. 4º do ETAF, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10 – cfr. fls. 539.
Decisão que transitou em julgado, conforme certidão daquele Tribunal de 16.12.2021.
Por despacho de 19.01.2022, o TAC de Lisboa declarou-se incompetente para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional, por, “(…), tal como resulta do disposto no artigo 15.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, a alteração operada, por este diploma, à redação da alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF – que conferiu, aos tribunais da jurisdição administrativa, competência para a apreciação dos litígios que tenham por objeto a impugnação de decisões da Administração Pública, que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas de direito do urbanismo – apenas tem aplicação aos processos entrados em juízo, desde o dia 01.09.2016.
Ora, no caso dos autos, conforme resulta da factualidade assente em 3) e 4), os autos de contraordenação foram apresentados no 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, no mês de setembro do ano de 2013, tendo aí sido distribuídos sob o n.º 2938/13.6TALRS, pelo que – sendo a data da propositura anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e ao dia 01.09.2016 – inexistem dúvidas de que a competência material para conhecer do objeto do presente processo pertence aos tribunais da Jurisdição comum.
Nesta conformidade, é de julgar verificada a exceção dilatória prevista no artigo 89.º, n.º 4, alínea a), do CPTA, sendo de declarar este Tribunal Administrativo de Círculo absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objeto dos presentes autos de contraordenação”.
E, por despacho de 22.02.2022, suscitou o conflito negativo de jurisdição entre o TAC de Lisboa e a Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures, tendo a decisão transitado em julgado.

Remetido o processo a este Tribunal dos Conflitos foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, de 4/9.
A Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deverá ser considerado o Juízo Local Criminal de Loures o tribunal competente para apreciar o recurso.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo Local Criminal de Loures, Juiz 2 e o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pela arguida, na Câmara Municipal de Loures, em 20.06.2013 e remetida pelo MP ao tribunal em 02.09.2013.
Entendeu o Juízo Local Criminal de Loures que, face à redacção dada pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10, ao art. 4º, nº 1, al. l), do ETAF, aquele tribunal criminal era incompetente, em razão da matéria, sendo competentes os tribunais da jurisdição administrativa.
Por sua vez o TAC de Lisboa para onde o processo foi remetido, considerou-se incompetente, por entender ser a competência daquele tribunal criminal já que a alteração que o DL nº 214-G/2015 introduziu à al. l) do nº 1 do art. 4º do ETAF - atribuindo aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para apreciação das impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo – só entrou em vigor em 01.09.2016, tendo o processo sido remetido a juízo pelo Ministério Público em 02.09.2013. Ou seja, a data da apresentação do processo a juízo era muito anterior à data da entrada em vigor do diploma que atribuiu a competência aos tribunais administrativos das contra-ordenações em matéria de urbanismo.
Vejamos.
Sobre esta matéria já se pronunciou este Tribunal dos Conflitos em vários acórdãos, v.g., de 01.06.2017, Conflito nº 5/17, de 28.09.2017, Conflito nº 26/17 e da mesma data, Conflito nº 24/17 e de 11.01.2018, Conflito nº 45/17de 12.04.2018, Conflito nº 07/18 (todos disponíveis in www.dgsi.pt.), uniformemente no sentido de que é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal pelo Ministério Público, que marca o momento em que a competência se fixa, e, que os tribunais administrativos apenas passaram a deter a competência para conhecer de contra-ordenações em matéria urbanística, derivando da al. l) do nº 1 do art. 4º do ETAF essa competência a partir da data da entrada em vigor dessa norma - em 01.09.2016 -, atento o que dispõe o art. 15º, nº 5 do DL nº 214-G/2015.
Assim, v.g., no acórdão proferido no Conflito nº 26/17 escreveu-se o seguinte:
«Nos termos do art.º 38.º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013), a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, salvo os casos especialmente previstos na lei, sendo também irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. Por sua vez o art.º 5.º, n.º 1, do ETAF, estabeleceu que “a competência os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”. Na ausência de qualquer regulamentação expressa no RGCO e no C.P.Penal, terá de se atender, com as necessárias adaptações resultantes da natureza do processo em causa, ao que dispõem os citados artºs. 38.º e 5.º, n.º 1 e considerar que o tribunal competente é o que teria competência no momento da propositura da causa.
A impugnação judicial da decisão administrativa que aplica uma coima é dirigida ao juiz que a irá conhecer, mas é apresentada à autoridade administrativa que proferiu essa decisão (art.º 59.º, nºs. 1 e 3, do RGCO).
Mesmo depois da apresentação da impugnação judicial, o processo continua sob a alçada da entidade administrativa, da qual pode nem sequer sair, pois esta tem a faculdade de revogar a decisão que aplicou a coima até ao momento do envio dos autos ao MP (art.º 62.º, n.º 2, do RGCO).
Após o envio dos autos pela autoridade administrativa, não ao tribunal competente, mas ao MP, cabe a este decidir se os faz presentes ao juiz, caso em que a decisão que aplicou a coima se converte em acusação (art.º 62.º, n.º 1, do RGCO) e se inicia a fase judicial do processo de contra-ordenação.
O legislador do RGCO distinguiu, assim, duas fases distintas do processo: a administrativa e a judicial. A primeira, inicia-se com a participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou mediante denúncia particular, enquanto a segunda só se inicia com a apresentação, pelo MP, dos autos ao juiz, acto que tem o valor de acusação.
Nestes termos, a interposição do recurso de impugnação judicial não é um acto praticado em juízo, pois sendo apresentado perante a autoridade administrativa e aí permanecendo até que seja enviado ao MP, insere-se na fase administrativa do processo de contra-ordenação.
Por isso, tal como se entendeu no recente Ac. deste Tribunal de 1/6/2017 - Conflito n.º 05/17, é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa.
Portanto, e uma vez que, no caso vertente, o processo só entrou em juízo após 1/9/2016 são os tribunais da jurisdição administrativa os competentes para o apreciar (art.º 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF, na redacção do DL n.º 214-G/2015).».
Assim, decorrendo do entendimento firmado na jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos de que apenas a partir de 01.09.2016 compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de actos que aplicam coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo [cfr. arts. 4º, nº 1, al. l) do ETAF e 15º, nº 5 do DL nº 214-G/2015], sendo que o elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência em razão da matéria, consiste na data da apresentação em juízo, pelo MP, dos autos de contra-ordenação e do respectivo recurso, atendendo à data da remessa a juízo do processo de impugnação da coima nestes autos, é o Tribunal Judicial, no caso – o Juízo Local Criminal de Loures, Juiz 2 - o competente em razão da matéria para o apreciar.

Pelo exposto, acordam em julgar que a competência para a referida impugnação judicial cabe ao Tribunal da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Loures – Juiz 2.
Sem custas.

Lisboa, 14 de Julho de 2022. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.