Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:020/18
Data do Acordão:11/08/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:FUNDO DE RESOLUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTIDADES PÚBLICAS.
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário: I - A competência da Jurisdição Administrativa prevista no nº2 do artigo 4º do ETAF tem como pressuposto que se esteja perante litígios «nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligadas por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade»;
II - Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra este banco, o respectivo gestor de conta, o banco de transição e o «Fundo de Resolução», sendo pedida a condenação solidária de todos os réus, em que sejam imputados aos dois primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado e o «Fundo de Resolução» apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
Nº Convencional:JSTA000P23818
Nº do Documento:SAC20181108020
Data de Entrada:04/06/2018
Recorrente:A…….., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE BRAGA, GUIMARÃES – INST. CENTRAL – 2ª SECÇÃO CÍVEL – J3 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 20/18
I. Relatório

1. A…………. - devidamente identificada nos autos - intentou no Tribunal Judicial da Comarca da Braga [TJ] - Instância Central - Secção Cível de Guimarães - acção declarativa comum contra o BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., o NOVO BANCO, S.A., e FUNDO DE RESOLUÇÃO, pedindo a sua condenação solidária a verem «declarado nulo» o contrato de intermediação financeira em causa, e, em consequência, na restituição das quantias depositadas, no montante de 50.000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da celebração do contrato - 20.10.2012 - até efectivo e integral pagamento, bem como a ressarci-lo dos «prejuízos não patrimoniais» que lhe causaram, e que quantifica em 50.000,00€, com juros de mora desde a citação até pagamento efectivo.

2. A causa de pedir é complexa. No que concerne ao BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., e ao NOVO BANCO, S.A., a factualidade articulada e que integra a «causa de pedir» reflecte condutas que têm a ver com «contratos de depósito bancário» e de «intermediação financeira», que claramente situam os pedidos no âmbito da responsabilidade contratual e no domínio das relações jurídicas de direito privado, e, ainda, com «condutas alegadamente ilícitas» que o teriam induzido a celebrar o segundo tipo de contrato. Já no que respeita ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, o único fundamento invocado como causa de pedir é o de ser «accionista único do NOVO BANCO», e alegadamente o «responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados desse confisco». Afirma que tal ocorreu por força de medida de resolução que foi adoptada pelo Banco de Portugal [artigos 61º e 62º da petição inicial].

3. O TJ supra identificado, julgou procedente a excepção da sua incompetência absoluta, «em razão da matéria», para a preparação e julgamento dos autos, e absolveu os réus da instância [folhas 529 e seguintes dos autos].

Desta sentença foi interposto recurso, admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

4. Entretanto, o recorrente veio a desistir do pedido relativamente ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, pedindo, para além da respectiva homologação, que fosse dada sem efeito a sentença recorrida, por inutilidade superveniente, porque, diz, em virtude dessa desistência, já não subsiste a excepção de incompetência material.

A desistência do pedido quanto ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, veio a ser homologada [folha 617 dos autos].

5. O Tribunal da Relação de Guimarães [TR], para além de julgar improcedente a pretendida anulação da sentença, por alegada inutilidade superveniente, julgou improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida [folhas 659 e seguintes dos autos].

Considerou, o tribunal de apelação, que a responsabilidade civil extracontratual, que o autor imputa ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, era da competência dos tribunais da jurisdição administrativa, e, porque o autor pediu a condenação solidária dos réus, também em relação aos outros a acção não poderia prosseguir.

6. Não se conformando com o teor desta decisão, o autor dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ] - folhas 684 e seguintes dos autos.

Admitida a revista, e subindo os autos ao STJ, este, considerando o disposto no artigo 101º nº2 do CPC, procedeu à convolação do recurso de revista em recurso para o Tribunal de Conflitos, ordenando, em consequência, a remessa dos autos ao mesmo [folha 822 dos autos].

7. Recebidos os autos ao Tribunal de Conflitos, o Ministério Público pronunciou-se no sentido deste conflito ser resolvido mediante a atribuição da competência material para o litígio aos «tribunais da jurisdição comum» [folhas 836 a 839 dos autos].

8. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir, fixando-se em definitivo qual das jurisdições é a competente para julgar os autos.

II. Apreciação

1. A questão colocada a este Tribunal de Conflitos reconduz-se apenas a definir se a «competência em razão da matéria» para a apreciação do litígio vertido na acção em causa caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa, uma vez que duas instâncias da «jurisdição comum» já se pronunciaram pela competência da jurisdição administrativa [artigo 101º, nº2, do CPC].

Efectivamente, não obstante a desistência do pedido do autor quanto ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, a verdade é que a ser a competência dos tribunais da jurisdição administrativa esta fixou-se «no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente» [artigo 5º, nº1, do ETAF].

Importa, pois, e não obstante essa desistência, já homologada nos autos, decidir a questão da competência material que vem suscitada em termos de pré-conflito.

2. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo [artigo 202º da CRP], sendo que cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211º, nº1, da CRP; 64º do CPC; e actual 40º, nº1, da Lei nº62/2013, de 26.08], e aos tribunais administrativos a competência para julgar as causas «emergentes de relações jurídicas administrativas» [artigos 212, nº3, da CRP, 1º, nº1, do ETAF].

Assim, na sequência das normas constitucionais e legais, e tal como vem sendo entendido, aos tribunais judiciais, ou da chamada jurisdição comum assiste uma competência genérica e residual, pois são competentes para «todas as causas» que «não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

Os tribunais administrativos, por seu turno, não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95].

A cada uma destas duas jurisdições, comum e administrativa, caberá, portanto, um determinado «quinhão» do poder jurisdicional que, em bloco, pertence aos «tribunais», sendo que o mesmo é determinado essencialmente em função das matérias versadas nos diferentes litígios carentes de tutela jurisdicional.

E, como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos [por todos, AC STA de 27.09.2001, Rº47633; AC STA de 28.11.2002, Rº1674/02; AC STA de 19.02.2003, Rº47636; AC Tribunal de Conflitos de 02.07.2002, 01/02; AC Tribunal de Conflitos de 05.02.2003, 06/02; AC Tribunal de Conflitos de 09.03.2004, 0375/04; AC Tribunal de Conflitos de 23.09.04, 05/05; AC Tribunal de Conflitos 04.10.2006, 03/06; AC Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, 05/07; AC Tribunal de Conflitos de 03.03.2011, 014/10; AC Tribunal de Conflitos de 29.03.2011, 025/10; AC Tribunal de Conflitos de 05.05.2011, 029/10; AC Tribunal de Conflitos de 20.09.2012, 02/12; AC Tribunal de Conflitos de 27.02.2014, 055/13; AC do Tribunal de Conflitos de 17.09.2015, 020/15; AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14].

A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].

3. No presente «pré-conflito», ambas as instâncias dos tribunais da «jurisdição comum» fizeram apelo às seguintes normas do actual ETAF:

Artigo 4º do ETAF - Âmbito da jurisdição

1- Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a:

[…]

f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto da alínea a) do nº4 do presente artigo;

[…]

2- Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligadas por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.

[…]

4. Não há dúvida de que o autor alicerça o «pedido» formulado na sua petição inicial em responsabilidade contratual e em responsabilidade extracontratual. Para ele, não foi cumprido o contrato de depósito bancário celebrado com o «Banco Espírito Santo», e é nulo o contrato de intermediação financeira aí também com ele celebrado, pois que foi induzido a tal por conduta ilícita desse réu, que não agiu com a exigida lealdade e transparência. O autor considera que perante ele, em função deste último tipo de responsabilidade, deve responder solidariamente o réu «Novo Banco», porque sucedeu ao «Banco Espírito Santo», e o «Fundo de Resolução» porque por ele passa a possibilidade de pagar os montantes e os juros que peticiona - artigos 153º-B, 153º-C, e 145-AB, do «Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras» (RGICSF) aprovado pelo DL nº298/92, de 31.12, na sua actual redacção].

Nos termos desse artigo 153º-B do RGICSF, «O Fundo de Resolução, […] é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio», e segundo o artigo seguinte, o 153º-C, «[…] tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145º-AB, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas».

Sobressai do diploma que o criou - DL nº31-A/2012, de 10.02 - que toda a actividade do «Fundo de Resolução» se move dentro da «aplicação e execução das medidas de resolução» que são tomadas pelo Banco de Portugal, e que é financiado por entidades privadas que se encontram «obrigatoriamente vinculadas a participar e contribuir» para ele.

É esta, pois, a estrutura da presente causa, o desenho jurídico da pretensão, tal como o autor a introduz em juízo, e é esta também, e em síntese, a natureza e a finalidade da entidade pública inicialmente também demandada, e que gera a polémica em torno da competência da jurisdição comum ou da administrativa.

Para aferir da competência material de uma ou outra destas jurisdições, apenas isto interessa. A seu tempo, o tribunal que for competente apreciará, e decidirá, de acordo com o regime jurídico que deva ser aplicado aos factos provados.

5. Ora, a respeito desta questão de competência material pronunciou-se já este Tribunal de Conflitos, em acórdãos muito recentes [ver AC de 22.03.2018, in Conflito nº56/17; AC de 22.03.2018, in Conflito nº50/17; AC de 17.05.2018, Conflito nº52/17], tendo sido abordada assim [citamos o primeiro dos acórdãos referidos]:

«Da análise da petição inicial apresentada constata-se uma causa de pedir plurifacetada - que tem o seu eixo principal nos factos que são imputados ao Réu Banco BES e ao seu trabalhador […].

É a esses Réus que a Autora imputa factos violadores dos seus direitos enquanto depositante naquela entidade bancária dos quais faz decorrer a obrigação de indemnização dos prejuízos sofridos.

A acção instaurada fundamenta-se, assim, na prática de factos dados como ilícitos pela Autora, por violadores de deveres contratuais inerentes ao depósito bancário, ou à mediação financeira, neste caso à revelia da sua vontade enquanto titular dos capitais depositados naquele banco e objecto das operações de investimento levadas a cabo, factos esses dos quais faz decorrer a obrigação de indemnizar.

A este eixo principal segue-se um plano derivado visando o alargamento da responsabilidade dos dois primeiros Réus ao terceiro e quarto, terminando a Autora por pedir a condenação solidária dos quatro Réus pelo pagamento das indemnizações pelos danos sofridos.

Contudo, a Autora não imputa ao NOVO BANCO ou ao FUNDO DE RESOLUÇÃO qualquer envolvimento na prática dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar dos dois primeiros Réus.

Estes dois Réus são demandados, relativamente ao NOVO BANCO, porque, de acordo com a autora, este teria sucedido nos direitos e obrigações do Banco BES, e se recusou a devolver o dinheiro que a Autora tinha depositado no Banco BES, e que aquele banco teria usado o seu dinheiro à sua revelia e das obrigações que o oneravam enquanto instituição bancária.

É a recusa por parte do NOVO BANCO em devolver o dinheiro que tinha sido depositado no Banco BES e a qualidade de sucessor daquele banco que lhe é imputada, que, na óptica da petição inicial justificam a condenação solidária deste Banco no pagamento das indemnizações pedidas.

Por outro lado, e no que se refere ao FUNDO DE RESOLUÇÃO, o alargamento da responsabilidade é estruturado pela Autora no facto de aquele ser o único accionista do NOVO BANCO S.A., sendo igualmente o responsável máximo pelas relações jurídicas retiradas ao BES e entregues ao NOVO BANCO S.A. por força da supra aludida medida de resolução adoptada pelo Banco de Portugal.

Deste modo, nos termos da acção instaurada, não é imputada ao FUNDO qualquer intervenção nos factos ilícitos atribuídos aos dois primeiros Réus, pedindo-se a sua condenação solidária com os restantes, apenas com base naquela titularidade do capital do Novo Banco.

Por outro lado, nada decorre da petição inicial, em termos factuais, ou meramente jurídicos, que suporte a afirmação, ali feita, de que o FUNDO é o responsável máximo pelas relações jurídicas retiradas ao BES e entregues ao Novo Banco.

Além disso, nada se retira da petição sobre a forma como o FUNDO se tornou dono do capital do NOVO BANCO, tudo se resumindo em esclarecer se tal detenção, em qualquer contexto, permite fundamentar uma responsabilização solidária daquele Fundo pela reparação dos danos que são imputados aos primeiros Réus, o que é questão a resolver apenas nos termos do direito privado, nada tendo a ver com responsabilidade civil de entidades públicas.

Acresce que não são impugnadas pela autora as deliberações do Banco de Portugal relativas à resolução do BES, e não é possível decidir a competência para o conhecimento do litígio com base na imputação às partes da intenção de impugnação dessas deliberações, como se faz no despacho exarado no Tribunal Judicial da Guarda, à revelia da forma como a Autora configura os termos em que quer ver discutido o litígio na petição inicial.

A verdade é que, na ausência dessa impugnação, tais deliberações são vinculativas para os Tribunais judiciais, como para quaisquer outras autoridades, havendo que extrair desses factos as consequências devidas.

O Supremo Tribunal de Justiça debruçou-se já sobre tal questão, assentando a sua linha argumentativa no sentido de que a competência para a impugnação das Resoluções do Banco de Portugal relativas ao BES cabia à jurisdição administrativa e que não tendo tais resoluções sido impugnadas, atenta a sua natureza, os Tribunais judiciais lhes devem obediência».

E este aresto, depois de citar o nº2 do artigo 4º do ETAF - citado aqui no anterior ponto 3 - prossegue assim a sua apreciação jurídica:

«A competência da jurisdição administrativa emergente desta norma tem como pressuposto as situações de responsabilidade solidária entre entidades públicas e privadas pela reparação de danos para cuja produção tenham conjuntamente contribuído, ou que tenham assumido contratualmente a obrigação de reparação desses danos.

Como diz ALBINO AROSO, «esta regra visa dar resposta a dificuldades que se vinham suscitando na jurisprudência administrativa, quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de acções de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objecto do litígio» e prossegue, este autor, referindo que «a situação paradigmática de corresponsabilidade ou de responsabilidade concorrente em consequência de uma entidade pública e um particular terem contribuído para a produção do mesmo dano é aquela em que se configure a concorrência de culpas entre o ente público, enquanto dono da obra, e um concessionário ou empreiteiro, em relação a danos resultantes da execução de obras públicas».

No caso dos autos a única entidade pública demandada é na verdade do Fundo de Resolução que é demandado apenas com base na titularidade do capital do Novo Banco.

O Fundo, tal como se referiu, é titular do capital do Novo Banco, devido à resolução do Banco BES, que é da responsabilidade do Banco de Portugal, que não é parte no processo, e a petição é completamente omissa sobre os termos em que o Fundo se tornou dono do capital do Novo Banco, não sendo igualmente impugnada a deliberação do Banco de Portugal relativa à Resolução.

Acresce que não é imputada ao Fundo qualquer intervenção nos factos ilícitos imputados aos dois primeiros Réus, factos esses em que a Autora fundamenta o pedido de indemnização.

A Autora limitou-se, assim, a dizer que o Fundo era titular do capital do Novo Banco, e, com base nesse facto, pede a condenação solidária do mesmo no pagamento dos prejuízos que lhe foram provocados pelos outros Réus.

Ora, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513º do Código Civil, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes.

Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário demonstrar os factos de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária.

Deste modo, independentemente da natureza pública do Fundo, sendo o mesmo demandado apenas por ser titular do capital de um banco de transição - Novo Banco - sem ser posta em causa de qualquer forma o modo como essa titularidade foi constituída, nomeadamente sem a impugnação das deliberações do Banco de Portugal, do qual resulta, e sem que sejam imputados ao Fundo quaisquer factos de que possa decorrer a sua responsabilidade solidária nos prejuízos sofridos pela autora, não pode afirmar-se que a acção assim instaurada vise a efectivação de responsabilidade civil de um ente público e, em consequência, que tal acção deva ser julgada pela jurisdição administrativa.

Impõe-se, pois, a atribuição aos Tribunais Judiciais da competência para dirimir o litígio, aliás, nos termos em que a autora o pretendia ver decidido».

7. Assumimos aqui, por inteiro, a fundamentação acabada de citar, para efeitos de decisão do presente pré-conflito, já que é em tudo idêntico ao conflito que foi objecto desse acórdão.

Sublinhamos, a terminar, que o legislador exige - «devam» - no nº2 do artigo 4º do ETAF, norma que aqui é primacialmente chamada à lide, para efeito de aferir a competência dos tribunais da jurisdição administrativa, que na petição inicial tenham sido articulados factos que permitam, primo conspectu, fundamentar a imputação de responsabilidade solidária às entidades públicas e particulares que nela são demandadas. Não basta, para tal, a mera invocação, «oca de factos», dessa mesma responsabilização solidária, como acontece no presente caso.

Resulta do exposto que, no presente caso, a competência material para julgar a acção intentada por A………. cabe aos tribunais da jurisdição comum.

IV. Decisão

Em face do exposto, decidimos revogar a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães no tocante à competência material da jurisdição administrativa, e atribuímos aos tribunais judiciais tal competência para conhecer do objecto desta acção.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Novembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Olindo dos Santos Geraldes – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Hélder Alves de Almeida – António Bento São Pedro – António Pedro de Lima Gonçalves.