Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
| Processo: | 013/10 |
| Data do Acordão: | 03/10/2011 |
| Tribunal: | CONFLITOS |
| Relator: | FREITAS CARVALHO |
| Descritores: | CONFLITO DE JURISDIÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL ESTADO COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS |
| Sumário: | Diz respeito à organização judiciária administrativa e não à especifica função de julgar a falta de realização de diligências de investigação sobre uma queixa crime que está na base de pedido de indemnização. Tal acção é da competência dos tribunais administrativos. |
| Nº Convencional: | JSTA00066864 |
| Nº do Documento: | SAC20110310013 |
| Data de Entrada: | 06/11/2010 |
| Recorrente: | O MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A 1ª VARA CÍVEL DE LISBOA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA |
| Recorrido 1: | * |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Meio Processual: | CONFLITO. |
| Objecto: | NEGATIVO DE JURISDIÇÃO TRIBUNAL JUDICIAL DE LISBOA - TAC LISBOA. |
| Decisão: | DECL COMPETENTE TAF LISBOA. |
| Área Temática 1: | DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA. |
| Área Temática 2: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. |
| Legislação Nacional: | ETAF02 ART41 E. CONST97 ART212. CPTA02 ART139 N1. |
| Jurisprudência Nacional: | AC CONFLITOS PROC294 DE 2001/01/23.; AC CONFLITOS PROC340 DE 2006/02/21.; AC STA PROC38474 DE 1996/02/13 IN AP-DR DE 1998/01/31 PAG1095.; AC STA PROC36811 DE 1998/10/15.; AC STA PROC45862 DE 2000/10/12.; AC STA PROC532/03 DE 2003/05/22.; AC STA PROC46313 DE 2000/10/12 IN AP-DR DE 2003/02/12 PAG7378.; AC CONFLITOS PROC15/03 DE 2003/12/18. |
| Aditamento: | |
| Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, vem requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição entre a 1ª Vara Cível, 2ª Secção, de Lisboa e o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, os quais, por decisões transitadas em julgado, se declararam mutuamente incompetentes em razão da matéria, para conhecerem da acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado, intentada por A…, identificado nos autos, por facto emergente de uma queixa crime apresentada no DIAP de Lisboa, I - Fundamenta o pedido de resolução do conflito nos seguintes termos: 1. A… intentou no TAF de Almada acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento de 15.000 euros a titulo de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. 2. O Autor pretende que o Réu Estado seja condenado a título de responsabilidade civil extra-contratual, por factos emergentes de uma queixa crime apresentada no DIAP de Lisboa, contra dois advogados, por (… ) o incumprimento do determinado num despacho de inquirição dos queixosos em data a determinar, por tal não ter ocorrido, a não audição dos advogados denunciados, a não investigação dos factos concretos objecto da denúncia, a não produção de qualquer prova - ou seja, a causa de pedir consiste precisamente em erro judiciário”. 3. O processo foi remetido ao TAC de Lisboa por ser o territorialmente competente. 4. O TAC de Lisboa, por decisão de 25.01.2010 entendeu que a jurisdição administrativa esta excluída da apreciação de litígios em que estejam em causa “(…) a impugnação de actos relativos a inquéritos e instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões; e as acções de responsabilidade por erro judiciário cometidos por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso (alínea c) do n° 2 e alínea a) do n° 3, respectivamente, do artigo citado 4°)”. 5. Mais considerou que o DIAP não pertence à ordem de jurisdição administrativa sendo a acção da competência material do foro cível. 6. Por isso, julgou a incompetência absoluta do tribunal para apreciar a acção administrativa, comum e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Cível. 7. Por decisão de 15-03-2010 a 1ª Vara Cível – 2ª Secção de Lisboa, considerou-se igualmente incompetente em razão da matéria. 8. Fundamentou a sua decisão no facto de entender que o Autor pretende ser ressarcido pelos danos sofridos com a omissão cometida pela não investigação de factos por si denunciados no âmbito de uma queixa-crime. 9. Concluindo que se trata de uma acção em que se visa a responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art° 483° do C.C. que, por se referir a órgãos do Estado, é da competência dos Tribunais Administrativos nos termos do art° 4º, n° 2, al. g) do ETAF. 10. Ambas as decisões já transitaram em julgado. II. A… intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, contra o Estado Português, acção administrativa comum, pedindo que seja condenado a pagar-lhe a importância de €15 000,00, a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese: - Em 15 de Outubro de 2004, apresentou queixa crime contra várias pessoas, entre as quais dois advogados, a Dra. B… e o Dr. C…, tendo a mesma sido distribuída à 2ª Secção do DIAP, Processo nº 11118/04.O.TD.LSB; - Apesar de ser determinado, para data a indicar, a inquirição dos queixosos, o Ministério Público não a veio a realizar, sendo que também não interrogou os advogados denunciados, nem fez qualquer investigação, apesar dos factos enunciados terem relevância criminal; - O inquérito, relativamente aos advogados viria a ser arquivado, com fundamento de que se tratava de matéria do foro deontológico, da competência da Ordem dos Advogados - Porém, a Drª B… não apresentou recurso num processo anterior, nem quis passar substabelecimento e o Dr. C…, primeiro disse que aceitava o patrocínio e, depois, não o aceitou, quando já tinha passado o prazo para recorrer, pelo que terão sido praticados crimes de favorecimento pessoal ou de prevaricação de advogado - O Estado, através do Ministério Público, tinha o dever investigar os factos denunciados e não o fez, arquivando a queixa sem produzir qualquer prova causando-lhe prejuízos não patrimoniais “muito grandes”. - Pelo que deve ser condenado a pagar-lhe a indemnização de euros 15.000,00, por violar os seus direitos de personalidade (artigos 7° e 496° do CC e Decreto- Lei n° 48 051 e artgos 5° e 6° do CEDH). III. Está em causa a competência material para conhecer de uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português, cuja causa de pedir é, como decorre da petição junta a fls. 6 a 9, o facto de Estado, através dos serviços do Ministério Público, não ter procedido a investigação dos factos denunciados pelo A., designadamente à audição do participante, arquivando a queixa e incumprindo, assim, o R o seu dever de exercer a acção penal e administrar Justiça, violando os artigos 219 e 202, da CRP, respectivamente, razão pelo que se peticiona o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da omissão cometida. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recebida a acção enviada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que se julgara territorialmente incompetente, exarou despacho de fls. 14 e seg.s, em que, apreciando, discorre: “no caso em apreciação, o A. imputa à Magistrada do Ministério Público, titular do inquérito despoletado pela queixa crime que apresentou no DIAP contra várias pessoas, entre as quais dois advogados, o incumprimento do determinado num despacho de inquirição dos queixosos em data a determinar, por tal não ter ocorrido, a não audição dos advogados denunciados, a não investigação dos factos concretos objecto da denúncia, a não produção de qualquer prova - ou seja, a causa de pedir consiste precisamente em erro judiciário. Considerando que o DIAP não pertence à ordem da jurisdição administrativa, a presente acção é da competência material dos tribunais civis. Face ao que, estando em causa uma acção de responsabilidade cujo objecto é enquadrável na norma da alínea a), do nº 3 do artigo 4º do ETAF, deve este Tribunal ser declarado incompetente em razão da matéria. Termos, em que, se decide, declarar a incompetência absoluta deste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para conhecer da presente acção administrativa comum.” Remetido o processo à 1ª Vara, 2ª Secção, das Varas Cíveis de Lisboa, o M.° Juiz, profere a seguinte decisão: “…, no presente caso, como decorre da alegação constante dos artigos da petição inicial - e como foi referido, aliás, no despacho de fls. 430 e ss. - o autor alega que apresentou queixa-crime contra várias pessoas, sendo que, num primeiro despacho foi lavrado despacho a ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público e determinada a inquirição dos queixosos e, após, o Ministério Público nunca ouviu os queixosos, nem os arguidos, não tendo feito qualquer investigação, entendendo o autor que os factos deveriam ter sido investigados, no exercício da acção penal, o que não sucedeu (cfr artigos 1° a 8º e ss. da p.i.). E conclui o autor (cfr. artigo 25° da p.i.) que: «O Estado Português, através do Ministério Público violou os direitos do arguido a uma justiça imparcial e isenta, a que a sua causa fosse examinada por um tribunal justo, equitativo e imparcial». Peticiona o autor, consequentemente, o ressarcimento pelos danos sofridos com a omissão cometida pela não investigação dos factos por si denunciados. Daqui resulta estarmos perante uma acção em que se visa a responsabilidade civil extracontratual (cfr. artigo 483.° do Código Civil) que, por se referir a órgãos do Estado, nos termos do artigo 42, n° 2, al. g) do E.T.A.F. é da competência dos Tribunais Administrativos. Aliás, sobre a questão em apreço, o Tribunal de Conflitos, no seu acórdão de 29/11/ 2006 (processo nº 03/05, relatado por Freitas Carvalho) teve já ocasião de decidir, em semelhante situação… … É que, tal como sucede no presente caso, não está em causa qualquer «erro judiciário», ou seja, não se pretende sindicar nenhuma errada decisão de algum magistrado, mas sim, e efectivamente, o próprio funcionamento do sistema de justiça, enquanto lhe é imputada responsabilidade pela não actuação da acção penal, nos termos em que o autor o invocou, arquivando previamente a ter investigado, desobrigando-se de cumprir uma determinação anterior do próprio Ministério Público que determinava diligências de inquérito, pugnando por uma indemnização dos danos invocados, apenas e por causa de «omissão na investigação». O presente tribunal cível é, pois, materialmente incompetente para apreciar o litígio em questão.”. Diga-se desde já que o acerto esta nesta última decisão. Na verdade, como escrevemos no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 29- 11-2006, “hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial, na linha deste último aresto, de que estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à especifica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa - (cfr. entre outros, além do supra transcrito aresto de 12-05-1994, os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 23-01-2001, Conflito n.° 294, e de 21-02-06, Conflito n° 340, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STA de 13.02.1996, Proc. n°38.474, in AP DR de 31-8-98, 1095; de 15.10.98, Proc. n° 36.811; de 12.10.2000, Proc. n.° 45.862, in AP DR de 12-2-2003, 7360; de 12.10.2000, Proc. n.° 46.313, in AP DR de 12-2-2003, 7378; e de 22-05-2003, Proc. n.° 532/03). De referir ainda que, “o novo ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro) unificou a jurisdição no tocante à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, desinteressando-se da questão de saber se o direito de indemnização provém de acto de gestão pública ou de gestão privada, e, do mesmo modo, integrou no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, bem como a resultante do deficiente funcionamento da administração da justiça, dissipando todas as dúvidas que pudessem colocar-se, no futuro, quanto à fronteira entre a jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais comuns (cfr. artigo 4°, n.° 1, alínea g)” - acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-12-2003, Proc.° n.° 15/03. Ora no caso em apreço, como refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos orgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados. Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1°, n.° 1, e 4º, n.° 1, al. g) do ETAF, e 212, n.° 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado. IV. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em resolver o presente conflito de jurisdição atribuindo a competência para o conhecimento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, declarando inválida a decisão deste tribunal de 25-01-2005 em que se declarou incompetente para esse efeito (artigo 139, nº 1, do CPTA). Sem custas. Lisboa, 10 de Março de 2011. – José António de Freitas Carvalho (relator) – Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Carlos Francisco de Oliveira Lopes – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Isabel Celeste Alves Pais Martins. |