Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:030/16
Data do Acordão:05/24/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GOMES DA SILVA
Descritores:RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA.
CONTRATO ADMINISTRATIVO.
CONTRATO DE DIREITO PÚBLICO.
Sumário:Compete aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer de acção declarativa em que se pedem contrapartidas financeiras - designadas Valores Ponto Verde (VPV) - que se fundamentam em contrato de adesão a um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens. (*)
Nº Convencional:JSTA00070195
Nº do Documento:SAC20170524030
Data de Entrada:10/17/2016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DO OESTE, CASCAIS, INSTÂNCIA CENTRAL, 2ª SECÇÃO CÍVEL - J4 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
AUTOR: A............, SA
RÉU: B............, SA
Recorrido 1:*
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:TJ COMARCA LISBOA - OESTE INSTÂNCIA CENTRAL CASCAIS - SECÇÃO CÍVEL.
AC RL LISBOA 30/06/2016.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:CONST ART202 ART209 ART211 ART212.
LOSJ ART40 ART38.
CPC ART64.
ETAF ART5 ART4.
DL 366-A/97 ART4 ART2 ART5 ART15 ART11.
PORT 29-B/98 ART6 ART7.
DL 178/2006.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC02/14 DE 2015/03/25.; AC TCF PROC08/15 DE 2015/09/07.; AC TCF PROC028/15 DE 2016/02/18.; AC TCF PROC043/15 DE 2016/02/18.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL (1963) PAG89.
J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREITA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA VOLII 4ED PAG566-567.
J. VIEIRA ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA (LIÇÕES) 9ED PAG55.
MÁRIO AROSO ALMEIDA - NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 4ED PAG57.
MARIA JOÃO ESTORNINHO - A REFORMA DE 2002 NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA CJA N35.
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI 2ED PAG137-138 PAG149.
Aditamento:
Texto Integral: I – Relatório

1. A "A…………, S.A." intentou em 2015.06.19, na Instância Central de Cascais, 2.ª Secção Cível, J4, Comarca de Lisboa Oeste, acção declarativa sob a forma de processo comum, contra "B…………, S.A.", pedindo, a final, que fosse a Ré condenada a:
«I - Pagar à Autora o montante de €160.818,11, correspondente aos VPV devidos pela Ré relativamente à transferência da responsabilidade pela gestão de embalagens secundárias e terciárias que colocou no mercado, ao qual deverão ser acrescidos os juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada uma das facturas até à presente data, no montante global de € 67.203,49, bem como os juros vincendos até efectivo e integral pagamento, calculados de acordo com as sucessivas taxas supletivas legais aplicáveis a créditos de que sejam titulares sociedades comerciais, actualmente fixada em 7,25%;
II - Serem reconhecidas as obrigações da Ré de:
(i) Pagar à Autora os VPV referentes às embalagens secundárias e
terciárias que declarou e que vier a declarar à A…………; e
(ii) Declarar os pesos relativos aos sacos de caixa nos campos específicos para este tipo de embalagem e pagar os VPV correspondentes.»
Para o efeito, em síntese, alegou possuir uma licença para a gestão dos resíduos de embalagens não reutilizáveis, e nessa qualidade, isto é, enquanto única entidade gestora do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), celebrou com a Ré - sociedade comercial que desenvolve a sua actividade no sector da distribuição e retalho - um «contrato de embalador» - contrato de adesão ao sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens - pelo qual a Ré transferiu para a A. as suas responsabilidades relativamente à gestão dos resíduos de determinadas embalagens (de que é responsável pela colocação no mercado nacional), mediante o pagamento de contrapartidas financeiras.
Alegou ainda ter prestado à Ré, ao abrigo do referido contrato, os serviços identificados nas facturas que discriminou e, ter direito, em contrapartida, ao pagamento das prestações financeiras (Valor ……… - VPV) devidos a título de embalagens secundárias e terciárias a partir de 2006 (E ainda a factura FG n.º 200509863 com data de vencimento de 16-11-2005 e com excepção da factura FG 200909002, de 22-05-2009, com data de vencimento a 29-06-2009.), não tendo ainda obtido da parte da Ré os respectivos valores, apesar de a ter interpelado para tal.
Por último, alegou que a Ré apesar de obrigada, nos termos da lei e do contrato celebrado, a declarar à Autora o peso dos sacos de caixa (cuja autonomização em campo específico ocorreu no modelo da Declaração anual de 2010 - aprovada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA)) não declarou as referidas embalagens nem pagou os VPV correspondentes a este tipo de embalagens.

2. A Ré apresentou contestação, deduzindo defesa por excepção e por impugnação.
Por impugnação, alegou, em síntese, que inexiste obrigação por parte da Ré no pagamento de qualquer prestação financeira (VPV) relativamente às embalagens secundárias e terciárias, por estas se transformarem em resíduos nas instalações da Ré e ser a Ré a suportar todas as operações de gestão de resíduos dessas embalagens. Entende que como a Autora não assegura qualquer das operações de gestão de resíduos que integram o conceito legal - art. 3.° do DL 178/2006, de 05-09, relativamente àquelas embalagens secundárias e terciárias, não é devido pagamento algum de contraprestação. Conclui que a Autora não oferece o respectivo sinalagma isto é, não assegura a gestão daqueles resíduos pelo que não tem direito ao pagamento do serviço.
Por excepção, invocou a incompetência material do tribunal e a prescrição.
Quanto à excepção de incompetência, alegou que a Autora tem a sua intervenção, ao abrigo do contrato que celebrou com a Ré, suportada em decisões administrativas: a licença e as decisões administrativas relativas a valores de prestação financeira (o VPV é aprovado pela APA - Agência Portuguesa do Ambiente) e às categorias específicas de embalagens criadas à margem da definição legal. Alegou ainda que a adesão da Ré aos termos contratuais propostos pela Autora é a concretização de uma imposição legal. Concluiu que a relação que se estabeleceu entre Autora e Ré deve ser qualificada como de natureza jurídico-administrativa (art. 1°, n° 1, do ETAF e art. 21°, n° 1, da CRP e art. 40°, nº 1, da LOSJ) devendo ser atribuída à jurisdição administrativa a competência para conhecer deste litígio.
3. A Autora respondeu às excepções invocadas pela Ré na contestação.
Quanto à excepção de incompetência em razão da matéria, alegou que a relação emergente dos contratos é uma simples relação contratual entre dois particulares, não intervindo qualquer entidade pública e também não está em causa uma entidade que possa utilizar, quando e se necessário, prerrogativas de jus imperii. Mais alegou que a Autora possui uma relação de cariz supra-infra ordenada como é o caso da Autora com as diversas autoridades administrativas e possui uma relação de cariz paritário com a Ré no âmbito e contexto contratual e normas de direito privado. Por último, defende que a ré na contestação ao invocar a falta de sinalagma invoca a excepção de não cumprimento prevista no art. 428° do CC e o enriquecimento sem causa art. 473° CC, estando na base uma relação de direito privado.

4. O Tribunal judicial, por despacho de 2015.12.16, julgou procedente a excepção de «incompetência material» do Tribunal Judicial (da Comarca de Lisboa Oeste - Instância Central de Cascais) para conhecer da matéria dos autos, considerando ser competente a jurisdição administrativa e consequentemente, absolveu a Ré da instância.

5. Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 2016.06.30, julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão impugnada que julgou o tribunal cível «incompetente em razão da matéria», concluindo que os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes para conhecer de pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de embalador/importador celebrado no âmbito do SIGRE - Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens, nos termos do art. 212°, n° 3 da CRP e art. 1°, n° 1 e art. 4°, n° 1, al. f), ambos do ETAF.

6. A Autora, inconformada ainda com esta decisão sobre a «incompetência material» da jurisdição comum, considerando que o litígio em causa é da competência material da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 101°, n° 2, do CPC interpôs este recurso para o Tribunal de Conflitos.

7. Concluiu nos seguintes termos as suas alegações (transcrição):

A). A decisão recorrida aplica erradamente a alínea f) do artigo 4°/1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ("ETAF"), que sujeita à jurisdição administrativa as "questões relativas à ( ... ) execução ( ... ) de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo".
B). Ao abrigo desta norma, o Tribunal a quo julgou que a jurisdição administrativa seria competente para apreciar uma questão respeitante a contratos de embalador/importador entre a A………… e o B…………. Através deste contrato, a A………… assume as responsabilidades legalmente atribuídas ao B…………, enquanto produtor de embalagens. Em contrapartida, o B………… paga um valor à A…………, o chamado VPV. Ao abrigo do contrato, a A………… emitiu faturas, respeitantes a um certo volume de embalagens. O B………… não pagou o valor correspondente a tais faturas.
C). O Tribunal a quo entendeu que o contrato seria substancialmente regulado por normas de direito público essencialmente por considerar que a A………… se dedica à satisfação de necessidades de interesse público, tendo licença para tanto, e porque as contrapartidas financeiras, apesar de propostas pela A…………, serem aprovadas pela APA.
D). Esta matéria tem sido alvo de ampla e contraditória jurisprudência - entre as quais se conta um Acórdão deste Tribunal de Conflitos, de 22.02.2016. Nessa ocasião, o Tribunal decidiu no sentido do acórdão aqui em apreço, entendendo que os tribunais administrativos seriam materialmente competentes para apreciar uma questão relativa a um contrato com teor praticamente idêntico ao presente (celebrado entre a A………… e o C…………). E decidiu-o também com base na alínea f) do n° 1 do artigo 4° do ETAF.
E). Com todo o respeito, a A………… pede uma nova ponderação a V. Exas.
F). A interpretação constante de um e outro acórdão incorre num erro fundamental: é que a al. f) do nº 1 do artigo 4° do ETAF, quando sujeita à jurisdição administrativa as "questões relativas à ( ... ) execução ( ... ) de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo", refere-se ao regime substantivo do contrato (ou seja, a todos, mas apenas aos contratos administrativos) e não ao regime legal da atividade objeto do contrato.
G). Ou seja, para que o regime substantivo do contrato seja especificamente regulado por normas de direito público é necessário que, através do contrato, se realize um interesse público legalmente definido. É necessário que no contrato esteja presente a lógica da função administrativa, que implica a disponibilidade permanente, para a Administração, do objecto do contrato em questão.
H). Ora, a atividade de gestão de resíduos de embalagens exercida pela A………… é uma atividade puramente privada, atribuída por lei a privados e só a privados.
I). A A………… é a sociedade gestora do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens. O Decreto-Lei nº 366-A/97, de 20 de dezembro (que regula a gestão de embalagens e resíduos de embalagens, doravante DL n. ° 366-A/97) consagra, no seu artigo 4°, o princípio da coresponsabilização dos agentes económicos pela gestão de embalagens e resíduos de embalagens.
J). É através da atribuição destas responsabilidades aos agentes económicos que a lei concretiza os princípios da responsabilidade alargada do produtor, do "poluidor-pagador" e os demais princípios associados à prevenção da produção de resíduos.
k). A responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens é assim legalmente atribuída a quem retira utilidade (económica) da própria comercialização de embalagens, a operadores económicos privados. Ao B………… aqui Recorrido, portanto.
L). O DL n° 366-A/97 prevê duas formas de os embaladores e responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional (como o B………… recorrido) assumirem a sua responsabilidade:
A gestão das embalagens não reutilizáveis pode realizar-se através do sistema consignado, ou do sistema integrado (o SIGRE).
O sistema integrado, gerido pela A…………, é um sistema voluntário, que tem de ser escolhido pelos operadores. Neste sistema, os embaladores, os responsáveis pela colocação de produtos embalados no mercado nacional e os industriais de produção de embalagens ou matérias-primas para o fabrico de embalagens acordam na transmissão da sua responsabilidade pela gestão de resíduos para uma entidade gestora.
M). Em coerência com o seu propósito, a A………… é uma sociedade anónima, cujo objeto social é a organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de resíduos de embalagens não reutilizáveis no sistema integrado. Os acionistas da A………… são, essencialmente, representantes de empresas e associações de empresas produtoras e importadoras de produtos embalados; representantes de empresas do comércio e da distribuição; e representantes de empresas de produção de embalagens e de materiais de embalagem. Em suma, uma sociedade de iniciativa exclusivamente particular, criada exclusivamente por particulares, de capital exclusivamente privado e constituída para a realização de uma tarefa que a lei impõe exclusivamente a cargo de particulares.
N). Por outro lado, nem a APA, nem Ministérios do Ambiente e da Economia são partes no contrato. Até podem interferir com ele de forma indireta, através de atos ou regulamentos administrativos que afetem o contrato. Mas tais atos não são seriam atos administrativos contratuais, mas atos de regulação da Licença ou de outros aspetos assessórios. E o processo não envolve a apreciação de qualquer ato da APA ou dos Ministérios.
O). Mais que isso - a A………… não exerce, no contrato, qualquer função administrativa, mas antes uma função que a lei confia primariamente aos operadores de gestão de embalagens (privados). O SIGRE é formado e gerido por privados. Na ausência da adesão ao SIGRE, operadores como o B………… estariam obrigados de desenvolver o seu próprio sistema de gestão de embalagens - o sistema de consignação.
P). É, aliás, sintomático que nem a APA nem os Ministérios do Ambiente e da Economia - putativos responsáveis pelo "regime substancialmente regulado por normas de direito público" - sejam partes no contrato ou no processo, e que nem a APA nem os Ministérios tenham a faculdade de resgatar o contrato, ou de nele tomar o lugar da A…………. Esse dado revela que a responsabilidade por garantir a execução do contrato não é da Administração Pública, mas dos particulares - da A………… e do B………….
Q). Não existe, então, qualquer elemento de conexão com a Administração Pública e, logo, com a jurisdição administrativa.
R). Essa conclusão ilustra-se, particularmente, pela imensidão de contratos que são consensualmente de direito privado, e seriam contratos "substancialmente regulados por normas de direito público", sujeitos à jurisdição administrativa, caso se seguisse o critério do Tribunal a quo.
S). Estão nessa situação os contratos entre particulares e instituições de crédito, os contratos entre farmacêutico e utente, os contratos de preços tabelados; e os contratos celebrados por qualquer particular licenciado para exercer uma atividade - todos, sem exceção, seriam remetidos para a jurisdição administrativa, caso vingasse a leitura do Tribunal a quo.
T). Não pode ser assim. Em todos estes casos, as normas de direito público não regulam o próprio contrato, estão antes no seu contexto, nos seus bastidores. A função administrativa condiciona o contrato, mas não se realiza através dele. O mesmo sucede com o presente contrato entre a A……….. e o B………….
U). Além de se tratar de uma interpretação inédita da alínea f) do artigo 4°/1 do ETAF, a tese que aqui se contesta parte de outra premissa errada, a saber, que há na atividade da A………… uma atividade de interesse público.
V). E manifestamente não há. Existe, claro, um interesse colectivo na regulamentação legal da atividade, por razões ambientais e outras, mas só pode falar-se em atividade de interesse público quando existe uma associação de uma certa tarefa à Administração Pública - é o raitachement organique de que fala René Chapus, critério seguido, por exemplo, entre nós, por Vital Moreira e Pedro Costa Gonçalves.
W). O fabrico e a comercialização do pão são claramente do interesse do público, mas não são de interesse público. A atividade bancária, licenciada e densamente regulada por normas de direito público, é do interesse do público, da coletividade em geral, mas não é de interesse público.
X). O mesmo acontece com a atividade da A…………. A montante, a relação dela com a APA é de direito administrativo; a jusante, a relação dela com os aderentes é de direito privado.
Termina, pedindo que seja fixada a competência, para conhecer e apreciar a presente acção, aos tribunais judiciais.

8. A Ré "B…………, S.A.", concluiu da forma seguinte as suas contra-alegações (transcrição):

A). O Tribunal a quo concluiu que a apreciação da matéria objecto dos presentes autos é da competência dos Tribunais Administrativos, por força da alínea f), do nº 1 do artigo 4° do ETAF.
B). Defende a Recorrente que o artigo 4°, n° 1, alínea f) do ETAF não tem aplicação nos presentes autos, na medida que não existe uma relação jurídico-administrativa entre Recorrente e Recorrida, porque a que se estabeleceu é de cariz contratual paritário, nem se verifica qualquer dos pressupostos de aplicação daquelas normas.
C). Relativamente à natureza jurídica da relação estabelecida entre Recorrente e Recorrida, a mesma só pode ser qualificada como administrativa.
D). Como a Recorrente alega para fundamentar o pedido, a sua actividade está regulada e balizada por uma licença, que o Estado lhe atribuiu para, em seu nome, atingir um fim público de protecção do ambiente, garantindo o cumprimento das metas de reciclagem e valorização que impendem sobre o Estado português.
E). E, por causa disso, apurar se os valores que nos presentes autos a Recorrente reclama são ou não devidos envolve necessariamente a apreciação de normas de natureza administrativa.
F). A relação que as partes estabeleceram entre si rege-se por normas de direito público e não por regras de direito privado.
G). O que até se demonstra pela total ausência de liberdade de conformação do conteúdo do contrato.
H). A Recorrente tem obrigatoriamente que contratar com os responsáveis pela colocação de embalagens no mercado nacional, como resulta da sua licença.
I). O objecto desse contrato é o que a Recorrente, por força da licença, impõe que seja, isto é, a Recorrida não tem qualquer margem de negociação relativamente ao tipo de embalagens abrangidas pelo contrato.
J). E também o preço é regulado pelo Estado, na medida em que é a Agência Portuguesa do Ambiente que aprova, sob proposta da Recorrente, os valores de prestação financeira que a Recorrente cobra aos seus aderentes, incluindo, naturalmente, a Recorrida.
K). Além disso, a Recorrida não podia deixar de celebrar contrato com a Recorrente, porquanto a responsabilidade que sobre si recai, nos termos da lei, na qualidade de produtor de resíduos apenas pode ser acautelada pela transferência dessa responsabilidade para uma entidade gestora.
L). E só existe uma entidade gestora licenciada para a gestão de resíduos de embalagens: a Recorrente.
M). Portanto, a Recorrida viu-se efectivamente forçada a celebrar o contrato com a Recorrente nos termos que esta definiu.
N). É que a alternativa legal - o sistema de consignação - não é exequível, na medida em que, por força do tipo de produtos que a Recorrida comercializa, as embalagens que coloca no mercado transformam-se em resíduos nas habitações dos consumidores, sendo, por isso, impossível à Recorrida assegurar a respectiva gestão (já que não pode ir a casa de cada um dos seus consumidores recolher os resíduos de embalagens dos produtos que lhes vendeu).
O). Portanto, a competência para conhecer do presente litígio está atribuída à jurisdição administrativa, como, aliás, já decidiu o Tribunal de Conflitos, em Acórdão de 22 de Fevereiro de 2016, proferido no Conflito nº 43/15, referente ao Proc. nº 161704/09.9YIPRT.
Termina requerendo que se recuse provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida que julgou os tribunais judiciais materialmente incompetentes para conhecer da matéria em litígio.

9. O Ministério Público emitiu proficiente parecer, no sentido de que a competência para apreciação da causa deve ser atribuída aos tribunais administrativos, aderindo aos argumentos explanados no acórdão do Tribunal de Conflitos n.º 43/15, de 2016.02.18.
Foram colhidos os «vistos» legais, impondo-se apreciar o recurso de acordo com o art. 101°, nº 2, do CPC.

II. Apreciação.

1 - A questão que se coloca ao Tribunal de Conflitos é a de decidir se a «competência em razão da matéria» para a apreciação do litígio decorrente da acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum proposta pela Autora, "A…………", contra a Ré, "B…………, S.A.", caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.
Como decorre do exposto supra, tanto a 1ª como a 2ª instâncias da jurisdição comum onde que foi proposta a acção declarativa subjacente ao presente recurso consideraram competente a jurisdição administrativa para dela conhecer.

2 - De acordo com o art. 202°, n.º 1 da CRP "Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo." Dispõe o art. 209°, n° 1 da CRP que "1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais:
a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância;
b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais;"
Por sua vez, dispõe o art. 211°, nº 1 CRP sob a epígrafe «Competência e especialização dos tribunais judiciais» que "Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais".
No que toca à competência dos tribunais administrativos estabelece o art. 212°, nº 3 CRP, que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".
Em consonância com a lei fundamental, dispõe o art. 40°, nº 1, da Lei n° 62/2013, de 26-08 [Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)] que "Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional" e o art. 64° do CPC que "São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".
Portanto, no plano interno, o poder jurisdicional divide-se por diversas categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas e na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, consagrando a ideia, tida como vantajosa, de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram.
Trata-se de uma competência ratione materiae: a instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes.
Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica e residual), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.

3 - Feito este breve enquadramento, importa precisar, com vista a definir o tribunal competente para conhecer do litígio, quais são os critérios de aferição dessa competência e em que momento ela se fixa, para determinar a lei aplicável ao caso em apreço:
a) Critérios de aferição da competência do tribunal
Constitui jurisprudência pacífica a de que os termos da acção, tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, se aferem em face do pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio, tal como configurada pelo autor (Cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal dos Conflitos de 2015.03.25, Proc. n.º 02/14; de 2015.06.25, Proc. 08/15; de 2015.09.07, Proc. 07/15; de 2016.02.18 - Proc. 28/15 e Proc 43/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
E a posição tradicional mediante a qual se afere a competência pelo pedido do autor, ou seja, a decisão de qual é o tribunal (jurisdição) competente toma-se de acordo com os termos da pretensão daquele, aí compreendidos os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser esses termos (Cfr Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, pág. 89).
Assim, repisando, a competência do tribunal é determinada pela pretensão formulada pelo autor, tendo em conta o pedido concatenado com a causa de pedir.
b) Momento em que se fixa a competência
De acordo com o art. 38°, n° 1 da LOSJ "A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei."
De acordo com o art. 5° do ETAF (Seja na sua redacção anterior, seja na sua redacção actual.) "a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente".
À data da interposição da presente acção declarativa - 2015.06.22 - encontrava-se em vigor o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais anterior à redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, ou seja, na sua redacção da Lei n° 13/2002, de 19 de Fevereiro, em vigor desde 2004.01.01 (e seguintes alterações: rectif. n° 14/2002, de 20 de Março; rectif. n° 18/2002, de 12 de Abril; Lei n° 4-A/2003, de 19 de Fevereiro; Lei nº 107- D/2003, de 31 de Dezembro; Lei nº 1/2008, de 14 de Janeiro; Lei n° 2/2008, de 14 de Janeiro; Lei nº 26/2008, de 27 de Junho; Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto; Lei n° 59/2008, de 11 de Setembro; DL n.º 166/2009, de 31 de Julho; Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro; Lei n° 20/2012, de 14 de Maio).

4 - Impõe-se, pois, apreciar à luz da lei aplicável naquela mencionada data, ou seja, à luz do art. 212°, n° 3 da CRP e do ETAF (na redacção da Lei n.º 13/2002) se os Tribunais Administrativos são ou não os competentes para conhecer desta acção declarativa.
À semelhança do art. 212.°, nº 3 da CRP, estabelece o art. 1°, nº 1, do ETAF que "Os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais".
O critério material de distinção é, portanto, o conceito de relação jurídica administrativa que a doutrina tem procurado densificar.
Na opinião de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Cfr "Constituição da República Portuguesa - Anotada", Vol. II, 4ª edição revista, 2010, Coimbra Editora, pág. 566/567.), em anotação ao art. 212°, nº 3, da CRP «na jurisdição administrativa estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza "privada" ou "jurídico civil". Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr ETAF, art. 4.º).
O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido neste contexto como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de actuação (acto, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administração do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à actividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de junções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do «novo direito administrativo», mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de actuação administrativa.»
Vieira de Andrade (Cfr "A Justiça Administrativa", Lições, Almedina, 9.ª Edição, 2007, pág. 55.) diz ser a relação jurídica administrativa (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) "aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido''.
Mário Aroso de Almeida (Cfr "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 2005 - 4.ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina, pág. 57.) refere que "as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis. São, assim, jurídico-administrativas as relações jurídicas que, independentemente do estatuto dos sujeitos nelas intervenientes, sejam reguladas por normas de direito administrativo - isto é, segundo a melhor doutrina, por normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público, que não intervêm no âmbito de relações de natureza jurídico-privada. São por isso, de direito administrativo muitas relações jurídicas litigiosas que eclodem entre privados, designadamente no domínio das agressões ao ambiente, quando a actividade dos particulares se encontra regulada por normas de direito administrativo e a lesão que, no desenvolvimento dessa actividade, elas causam às condições ambientais de outrem resulta especificadamente da infracção dessas normas."
É perante este conceito genérico de relação jurídica administrativa que se deve aferir o âmbito da jurisdição respectiva.
No art. 4º do ETAF, sob a epígrafe «Âmbito da jurisdição», faz-se uma enumeração exemplificativa das questões ou litígios sujeitos ou excluídos do foro administrativo, ora em concordância com a cláusula geral do art. 1º do ETAF, ora em desconformidade com ela.
Como refere Vieira de Andrade (Ob. cit., pág. 109/110.) "No art. 4.º do ETAF temos a determinar a competência da jurisdição administrativa através de uma enumeração positiva e uma enumeração negativa que referem litígios cuja solução compete ou não compete aos tribunais administrativos, circunstância que permite eliminar algumas dúvidas e determinar com mais exactidão o âmbito da respectiva jurisdição. Tal não significa, porém, que não subsistam problemas quanto a esse âmbito, seja porque as enumerações são exemplificativas, seja porque, sendo impossível uma identificação de todos os litígios ou até a sua classificação exaustiva, utilizam conceitos que carecem de precisão, seja ainda porque não prejudicam necessariamente a existência de legislação especial divergente. (...) A enumeração positiva é, em princípio, meramente concretizadora da cláusula geral que deriva da Constituição, mas tem de ser considerada aditiva, quando seja inequívoca que visa atribuir competências que não caberiam no âmbito definido por essa cláusula".
É à luz deste entendimento, que se impõe ler e interpretar as várias alíneas do nº 1 do art. 4° do ETAF quanto à identificação dos litígios da competência do foro administrativo.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (recorrido) considerou que "O contrato em causa tem a origem no direito público (DL n.º 366-A/91, de 20- 12 e Portaria 29-B/98, de 15-01), a sua execução é substancialmente regulada por «normas de direito público». São, as normas de direito público, que regulamentam a execução das obrigações impostas à entidade gestora do SIGRE, obrigações que lhe foram transferidas pelo contrato de adesão celebrado com a Ré e consubstanciam a «prestação» que lhe é devida em função do pagamento das contrapartidas financeiras. Não resta dúvida, assim, de que, na apreciação e resolução do presente litígio o tribunal se confronta com a necessidade de interpretar e de aplicar normas que são de «direito público», que impõem ao embalador e foram por ele transferidas para a entidade gestora (...) há que concluir que está preenchida a previsão da al. f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na qualificação do presente litígio, assim se podendo afirmar que é a jurisdição administrativa aquela que tem competência para apreciar e decidir o mesmo".
Dispõe o art. 4°, nº 1, al. f), do ETAF:
"1. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
(...)
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público ".
Evidencia-se, portanto, que no âmbito desta alínea (f), têm cabimento três espécies de contratos para os quais são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, a respeito de questões atinentes à interpretação, validade e execução dos mesmos. São eles:
a) Os contratos de objecto passível de acto administrativo;
b) Os contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo;
c) Os contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.
Quanto a este art. 4° do ETAF e especificamente quanto a esta alínea f), ensina Maria João Estorninho (Cfr. "A reforma de 2002 no âmbito da jurisdição administrativa", in Justiça Administrativa, CJA, n.º 35 - Set./Out. 2002.) ao debruçar-se sobre a reforma de 2002 no âmbito da jurisdição administrativa que "Uma das matérias onde as alterações, relativamente ao âmbito da jurisdição administrativa, são mais nítidas é, sem dúvida, a da contratação pública. Recorde-se que o actual sistema de repartição de competência jurisdicional em matéria de actividade contratual da Administração Pública assenta essencialmente na dicotomia tradicional contrato administrativo/contrato de direito privado da Administração Pública. Lembre-se, no entanto, que essa separação rígida entre o contencioso administrativo, relativo aos litígios emergentes de «contratos administrativos», e o contencioso comum, relativo às questões suscitadas pelos «contratos de direito privado» eventualmente celebrados pela Administração Pública, começou, há alguns anos, sobretudo por influência do Direito Comunitário, a ser ultrapassada.
(...) São de louvar, a meu ver, as intenções subjacentes à reforma do contencioso administrativo, no que toca à competência dos tribunais administrativos, em matéria de contratação pública, pese embora o carácter algo «confuso» e «desarrumado» (pelo menos, à primeira vista) das fórmulas que, em concreto, a este propósito, são adoptadas no art. 4.º, n.º 1, do ETAF. Senão vejamos: Na referida disposição legal, o legislador opta por, em vez de recorrer a grandes categorias, socorrer-se do método da enumeração ou exemplificação - de forma mais ou menos avulsa - de litígios contratuais que passam a estar sujeitos à jurisdição administrativa (talvez porque, por um lado, e muito bem, se quis intencionalmente fugir à utilização das categorias tradicionais, tais como, por exemplo, a de «contrato administrativo» e, por outro, porque havia a nítida preocupação em nada deixar de fora, colocando expressamente na alçada dos tribunais administrativos casos complicados que, hoje em dia, suscitam dificuldades e controvérsia).
O critério para a delimitação da competência dos Tribunais Administrativos parece passar a ser, nesta matéria da actividade contratual, independentemente da natureza jurídica das entidades contratantes, o da sujeição a normas de direito público: ou relativas à própria execução do contrato ou relativas aos procedimentos pré-contratuais, caso em que, como veremos mais adiante, essa sujeição a normas procedimentais jurídico-públicas acaba por «contagiar» todo o regime jurídico aplicável ao contrato, nomeadamente, para efeitos de contencioso administrativo.
Numa primeira tentativa de sistematização lógica das diversas situações previstas, de forma dispersa, no art. 4.º, do novo ETAF, relativamente a litígios contratuais, parece-me possível dizer que passará a competir aos tribunais administrativos a apreciação de questões que tenham nomeadamente por objecto:
1. Contratos celebrados entre pessoas colectivas de direito público [art. 4.°, n.º 1, alínea j)];
2. Questões de interpretação, validade e execução de contratos que, do ponto de vista substantivo, estejam sujeitos a normas de direito público [art. 4.°, n.º 1, alínea f)]:
a) contratos de objecto passível de acto administrativo;
b) contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo;
c) contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
(...)
Note-se, em primeiro lugar, que se abandona - e, a meu ver, muito bem - a tradicional expressão «contrato administrativo». Assim, e de acordo com a evolução que se tem verificado nesta matéria, até por influência do Direito Comunitário, o contencioso administrativo abrange contratos tradicionalmente qualificados como «administrativos», mas também contratos ditos «de direito privado» da Administração Pública, para além de contratos celebrados entre particulares (sendo certo que em todos eles se reconhece, assim, a possibilidade de existirem relações jurídicas administrativas). Em relação aos contratos celebrados por entidades públicas, consagra-se, no fundo, finalmente, a uniformização de competência jurisdicional, uma vez que, estando sujeito, ou do ponto de vista substantivo ou do ponto de vista procedimental, a regras jurídico-públicas, o contrato acabará por cair, em qualquer dos casos, no âmbito de competência dos tribunais administrativos ".

5 - Recapitule-se que a Autora peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe o montante global de € 228.021,60 [€160.818,11 de capital e € 67.203,49 de juros], relativo a contrapartidas financeiras que lhe são devidas - designadas de Valores ……… [VPV] - por força do contrato de embalador celebrado entre ambas e que seja reconhecido a obrigação da Ré de pagar à Autora os VPV referentes às embalagens secundárias e terciárias que declarou e que vier a declarar à A…………; e declarar os pesos relativos aos sacos de caixa nos campos específicos para este tipo de embalagem e pagar os VPV correspondentes.
Como causa de pedir invoca que é uma sociedade anónima tendo por objecto social a organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de resíduos de embalagens não reutilizáveis, no quadro do sistema integrado (SIGRE), previsto pelo DL nº 366-A/97, de 20/12, da Portaria nº 29-B/98, de 15/1 e nos termos da licença que lhe foi concedida por decisão conjunta dos Ministros da Economia e do Ambiente, em 07-12-2004. E que, no âmbito das suas atribuições, deverá «assegurar a gestão dos resíduos de embalagens provenientes dos embaladores e de outros responsáveis pela colocação de produtos acondicionados no mercado nacional».
A Autora enquanto única gestora do SIGRE celebrou um contrato com a Ré - um contrato de adesão a um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens - através do qual a Ré transferiu para aquela mediante o pagamento de contrapartidas financeiras (VPV), as suas responsabilidades previstas na legislação em vigor pela «gestão e destino final» das embalagens e resíduos das embalagens por si colocadas no mercado (previstas no contrato).
Refere que todas as actividades de gestão do SIGRE têm em vista o cumprimento das metas de valorização e reciclagem a que se encontra obrigada,
nos termos da licença que detém, e que decorrem quer da legislação nacional, quer das directivas da União Europeia sobre a matéria.
Descreve os valores (VPV) constantes nas facturas a que se reporta o valor peticionado, defendendo que prestou serviços no âmbito da gestão de resíduos de embalagens secundárias e terciárias, designadamente quanto às que ficaram nas lojas da Ré e que esta deve proceder ao pagamento da contrapartida financeira (VPV) correspondente a tais serviços (VPV das embalagens secundárias e terciárias declaradas) e definidos em tabela aprovada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Para enquadrar esta questão apela ao conceito do SIGRE e ao conceito legal de resíduo urbano, definido nos termos do DL nº 366-A/97, de 20 de Dezembro, e DL n° 178/2006, de 5 de Setembro.
Por último, alega que a Ré apesar de obrigada, nos termos da lei e do contrato celebrado, a declarar-lhe o peso dos sacos de caixa (cuja autonomização em campo específico ocorreu no modelo da Declaração anual de 2010 - por aprovação da APA de 2010.05.07), não declarou as referidas embalagens nem pagou os VPV correspondentes a este tipo de embalagens.
Decorre daqui, como a própria Autora enuncia na sua petição, que o quadro normativo que suporta o contrato celebrado com a Ré, é constituído pelo DL n° 366-A/97, de 20.12 e pela Portaria n° 29-B/98, de 15 de Janeiro! (O DL n.º 366-A/97, de 20.12, foi subsequentemente alterado pelo DL n.º 162/2000, de 27.07; pelo DL n.º 92/2006, de 25.05; pelo DL n.º 178/2006, de 05.09; pelo DL n.º 73/2011, de 17.06; pelo DL n.º 110/2013, de 02.08; e pelo DL n.º 48/2015, de 10.04. E, por sua vez a Portaria n.º 29-B/98 foi alterada pela Portaria n.º 158/2015, de 29.05.), sendo que ainda se socorre, na sua causa de pedir, às definições constantes no DL nº 178/2006, de 05 de Setembro, e à tabela aprovada pela APA de 2010.05.07.

6 - Vejamos, de forma breve e sintética, em que consiste este «quadro normativo».
O DL nº 366-A/97 transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 94/62/CE, do Parlamento e do Conselho da União Europeia, de 20.12.1994 (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2004/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11/2, a qual estabelece obrigações, a nível europeu, de gestão de embalagens e resíduos de embalagens, tendo como prioridade a prevenção de resíduos de embalagens, e, como princípios fundamentais, a reutilização das embalagens, a reciclagem e outras formas de valorização dos resíduos de embalagens e, bem assim, metas de valorização e reciclagem a cumprir pelos Estados Membros). Este diploma estabelece as regras e os princípios gerais a que deverá obedecer a «gestão de embalagens e resíduos de embalagens», com o propósito manifesto da sua redução, reutilização e reciclagem, como condição necessária a obter um crescimento sustentável.
A Portaria nº 29-B/98 vem, na sequência do estipulado nos artigos 5° e 9º daquele diploma, regulamentar, além do mais, os «dois sistemas de gestão» das embalagens reutilizáveis e dos resíduos de embalagens não reutilizáveis por ele criados.
Em ambos se estabelece a co-responsabilização dos operadores económicos, segundo o princípio do poluidor-pagador, pela gestão das embalagens e resíduos de embalagens usadas no exercício da respectiva actividade, tudo para «defesa do ambiente, da saúde, segurança e higiene», criando-se, para esse efeito, dois sistemas de gestão: o sistema de consignação e o sistema integrado [artigos 4° nº 1, do DL nº 366-A/97; e 6°, nº 1, da Portaria nº 29-B/98].
No sistema de consignação, aplicável às embalagens reutilizáveis e às que não são reutilizáveis, o consumidor da embalagem paga um determinado valor de depósito no acto da compra, valor esse que lhe é devolvido quando da entrega da embalagem usada.
No sistema integrado, aplicável somente às embalagens não reutilizáveis, o consumidor da embalagem é informado, por marcação que nela é aposta, de que deverá colocar a embalagem usada, como resíduo, em locais devidamente identificados [artigos 2°, n.º 1, aI. p) e q) do DL n° 366-A/97; e 1° da Portaria 29-B/98]. No âmbito deste sistema integrado, a responsabilidade dos agentes económicos - entre os quais o «embalador» - pela gestão dos resíduos de embalagens pode ser transferida para uma entidade devidamente licenciada para exercer tal actividade, ou seja, para «desenvolver operações de recolha selectiva e triagem dos resíduos de embalagens, bem como a retoma e a reciclagem dos mesmos», mediante o pagamento de contrapartidas financeiras [arts 2°, n° 1, aI. I) e m), 5°, n° 2 e nº 3, do DL nº 366-A/97; e 7°, n° 2, aI. d) da Portaria nº 29-B/98].
A referida licença é concedida por decisão conjunta dos Ministros da Economia e do Ambiente, e a transferência da responsabilidade do operador económico para a entidade gestora, devidamente licenciada, é feita por contrato escrito, com a duração mínima de três anos, e contendo obrigatoriamente: a) A identificação e caracterização das embalagens abrangidas pelo contrato; b) A previsão da quantidade de resíduos dessas embalagens a retomar anualmente pela entidade; c) Os termos do controlo a desenvolver pela entidade, por forma a verificar as quantidades e a natureza das embalagens a seu cargo; d) As contrapartidas financeiras devidas à entidade tendo em conta as respectivas obrigações, definidas na presente portaria [arts 7°, nº 2, e 8°, da Portaria nº 29-B/98].
Foi criada, também, uma Comissão de Acompanhamento da Gestão de Embalagens e Resíduos de Embalagens [CAGERE], presidida por um representante do Ministério do Ambiente, à qual cabe zelar pelo cumprimento das disposições do «regime jurídico» em referência [artigo 15° do DL nº 366- A/97].
Constitui «contra-ordenação», punível com coima e ainda, eventualmente, com sanções acessórias, a «colocação no mercado, pelo embalador ou importador, de produtos embalados sem que a gestão das respectivas embalagens ou resíduos de embalagens tenha sido assegurada através de um dos dois sistemas referidos» [artigo 11°, nº 1, al. a), do DL n° 366-A/97].
A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA) é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, sob tutela do Ministério do Ambiente, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, e resulta da fusão de nove organismos, conforme estipulado pelo Decreto-Lei n° 56/2012, de 12 de Março. Tem por missão propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente e de desenvolvimento sustentável, de forma articulada com outras políticas sectoriais e em colaboração com entidades públicas e privadas que concorram para o mesmo fim, tendo em vista um elevado nível de proteção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos. Contribuir para o desenvolvimento sustentável de Portugal, assente em elevados padrões de proteção e valorização dos sistemas ambientais e de abordagens integradas das políticas públicas é a sua perspectiva.
Por último, o DL nº 178/2006 aprovou o regime geral da gestão de resíduos, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, e a Directiva nº 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro. Este diploma é aplicável às operações de gestão de resíduos destinadas a prevenir ou reduzir a produção de resíduos, o seu carácter nocivo e os impactes adversos decorrentes da sua produção e gestão, bem como a diminuição dos impactes associados à utilização dos recursos, de forma a melhorar a eficiência da sua utilização e a protecção do ambiente e da saúde humana.
Perante o pedido e a causa de pedir da acção declarativa e explicitado o mencionado enquadramento adiantar-se-á que se considera adequado o entendimento seguido no acórdão recorrido o qual vai ao encontro do que se decidiu no acórdão de 2016.02.18 deste Tribunal de Conflitos, proferido no Proc. n° 43/15 (Acessível in www.dgsi.pt.) por se afigurar que o litígio em causa se inscreve no âmbito da aI. f), nº 1 do art. 4° do ETAF no segmento "questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos especificamente a respeito dos quais existem normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo".

7 - O que está em equação, na relação contratual gerada entre a Autora e a Ré, é a responsabilidade desta pela gestão de resíduos de embalagens decorrente do regime jurídico referenciado. Resulta claramente do art. 4° do DL n.º 366-A/97 que se pretendeu fixar a co-responsabilização dos operadores económicos, segundo o princípio do poluidor-pagador, pela gestão das embalagens e resíduos de embalagens usadas no exercício da respectiva actividade, no caso a Ré (enquanto embalador).
Por força deste princípio (poluidor-pagador) imposto por lei (v.g. o citado art. 4° do DL 366-A/97), e optando pelo sistema integrado, a Ré (enquanto embalador) celebrou um contrato de adesão (ao SIGRE) com a Autora (imposto nos termos da lei - v.g. art. 6° e 7° da Portaria nº 29-B/98), no qual transferiu as suas responsabilidades na gestão das embalagens e resíduos de embalagens para esta, mediante o pagamento de contrapartidas financeiras (também imposto por lei - v.g. ainda o art. 4° do DL 366-A/97).
A autora exige o pagamento de facturas que tem origem nesse contrato de adesão ao SIGRE e que se traduzirá na contraprestação (VPV) que é devida pela Ré «embalador», que respeitam à gestão de embalagens, por banda da Autora, que alegadamente a Ré não paga.
Por sua vez, o pagamento destes VPV supõe que a entidade gestora, a Autora, esteja a cumprir a respectiva contraprestação, isto é, supõe o cumprimento da responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens que lhe foi transferida pela Ré, nos termos da lei (e do contrato).
Está, deste modo, em causa a decisão sobre questões relativas à interpretação e execução do contrato celebrado entre a Autora e Ré, cujas cláusulas se louvam em normas de direito público v.g. no DL 366-A/97 e Portaria 29-B/98 tendo na sua base e origem um interesse público imposto pelo legislador. Se se atentar no objecto implicado no contrato e ainda no que dispõe o art. 1 ° do DL 366-A/97, constata-se que o diploma «estabelece princípios e as normas aplicáveis à gestão das embalagens e de resíduos de embalagens, com vista a prevenção da produção desses resíduos (...) assegurando um elevado nível de protecção do ambiente». Por seu turno, na análise do preâmbulo da Portaria n.º 29-B/98, que regulamenta aquele DL 366-A/97, constata-se, outrossim, que "Com as disposições desta portaria pretende-se prosseguir objectivos explícitos de política ambiental, visando não só a redução de quantidades de resíduos sólidos urbanos mas também que o consumidor possa exercer o direito de optar por embalagens reutilizáveis".
Ora, como ensina Freitas do Amaral (Cfr "Curso de Direito Administrativo", Vol. I, 2.ª Edição, Coimbra, 1994, págs. 137-138 e 149, apud Mário Aroso de Almeida in ob. cit. pág. 58.) «a atribuição de prerrogativas ou a imposição de deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público tendem a ser hoje reconhecidas como os traços distintivos que permitem qualificar as normas como normas de direito administrativo».

8 - Assim, contra a opinião da recorrente, a relação contratual entre Autora e Ré não tem na sua génese apenas uma actividade que interessa ao público, mas sim a realização de uma actividade de interesse público. A actuação, deveres e obrigações reciprocamente impostas à Autora (enquanto entidade gestora devidamente licenciada) e à Ré (enquanto embaladora), visam a realização de um interesse público legalmente definido - objectivos de política ambiental e de serviço público visando assegurar um nível de protecção do ambiente. Como se refere expressamente no preâmbulo do DL 366-A/97 “a consciência dos problemas ambientais traduz-se na exigência de enfrentar o problema da gestão de resíduos gerados pelas sociedades industrializadas. (...) a redução dos resíduos de embalagens é uma condição necessária para o crescimento sustentável”.
Por sua vez, o DL nº 178/2006 assume como seu propósito "prevenir ou reduzir a produção de resíduos, o seu carácter nocivo e os impactes adversos decorrentes da sua produção e gestão, bem como a diminuição dos impactes associados à utilização dos recursos, de forma a melhorar a eficiência da sua utilização e a protecção do ambiente e da saúde humana".
É neste contexto de princípios e objectivos que o DL n.º 366-A/97 (E também o DL n.º 178/2006, de 05 de Setembro.) estabelece, no seu art. 2º, nomeadamente, as definições de «embalagem», «resíduos de embalagens», «embalagem de venda ou embalagem primária», «embalagem grupada ou embalagem secundária» e «embalagem de transporte ou embalagem terciária». E é este diploma que define os dois sistemas possíveis de gestão dos resíduos - sistema integrado e sistema de consignação (arts. 4° e 5°) e as obrigações fixadas à entidade devidamente licenciada para exercer a sua actividade e as contrapartidas financeiras a suportar pelos agentes económicos, no âmbito do sistema integrado. É a Portaria nº 29-B/98 que define as características dos dois sistemas de gestão de embalagens não reutilizáveis (integrado e de consignação) e as condições obrigatórias do contrato quando os responsáveis pela colocação de produtos no mercado nacional transmitem a sua responsabilidade pela gestão dos resíduos das suas embalagens a uma entidade gestora devidamente licenciada (sistema integrado) nomeadamente as contrapartidas financeiras devidas à entidade, tendo em conta as respectivas obrigações definidas na própria Portaria - art. 7°, nº 2.
Ao contrário do que argumenta a recorrente, as várias normas de direito público (regime jurídico acima assinalado) que se aplicam ao contrato celebrado entre a Autora e Ré, não tem apenas na sua origem o facto de a Autora estar licenciada para uma determinada actividade, mas antes um conjunto de normas de direito público que se impõem a ambas as entidades.
E nem se diga que essas normas estão somente a regular o regime legal do exercício de uma actividade meramente profissional: a gestão dos resíduos. Elas visam, sim, impor deveres e sujeições especiais aos aderentes e à entidade gestora, por razões de interesse público de política ambiental - protecção do ambiente e saúde humana (que transcendem o interesse do público).
Estão, pois, em equação, nos presentes autos, questões relativas à interpretação e execução de um contrato especificamente a respeito do qual existem normas de direito público que regulam aspectos concretos e detalhados do respectivo regime substantivo (do contrato) - nomeadamente as obrigações de ambos (Autora e Ré) no âmbito do SIGRE.
No sistema integrado, impõe-se que no contrato figure a identificação e caracterização das embalagens nele abrangidas (tendo em conta as definições constantes no DL 366-A/97) e as respectivas contrapartidas financeiras (VPV - Valor ……….) as quais são fixadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) - [que conforme acima referido é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, sob tutela do Ministério do Ambiente, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, conforme estipulado pelo Decreto-Lei n.º 56/2012, de 12 de março e tem por missão propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente e de desenvolvimento sustentável, de forma articulada com outras políticas sectoriais e em colaboração com entidades públicas e privadas que concorram para o mesmo fim, tendo em vista um elevado nível de proteção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos.] (Cfr www.portaldocidadao.pt/web/agencia-portuguesa-do-ambiente.)
Acresce que a Autora funda o seu 2° pedido - reconhecer a obrigação por parte da Ré de declaração dos pesos relativos aos sacos de caixa nos campos específicos para este tipo de embalagem e pagar os VPV correspondentes - na licença para assegurar a gestão de resíduos de embalagens não reutilizáveis que lhe foi atribuída em 2004.12.07, no contrato de adesão que celebrou com a Ré no âmbito do SIGRE e na decisão de Agência Portuguesa do Ambiente de 2010.05.07 - que aprovou o modelo de declaração anual para 2010, com a criação de um campo específico para os sacos de caixa.
Mais uma vez, no âmbito da execução do contrato celebrado entre a Autora e Ré, é necessário interpretar normas e actos de direito público - as obrigações de ambos no âmbito do SIGRE e a decisão da APA, I.P. de aprovação do modelo de declaração anual com criação de campo autónomo para os sacos de caixa - e as consequências na respectiva contraprestação por parte da Ré.
Ao invés do que também argumenta a recorrente, crê-se que não é apenas a montante que a relação da Autora com a APA é de direito administrativo, também a jusante a relação entre a Autora e os aderentes (poluidor-pagador) é de direito administrativo, enquadrada na aI. f) do nº 1 do art. 4° do ETAF.
Como se consignou no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 2016.02.18, mencionado supra, para além do contrato em causa ser gerado num ambiente denso de direito público, «a sua execução é substancialmente regulada por "normas de direito público". São, efectivamente, as normas de direito público, do regime jurídico supra dito, que regulam a execução das obrigações impostas à entidade gestora do SIGRE, obrigações que lhe foram transferidas pelo contrato de adesão celebrado com a Ré e consubstanciam a "prestação" que lhe é devida em função do pagamento das contrapartidas financeiras.
Não resta dúvida, assim, de que na apreciação e resolução do presente litígio o tribunal se confronta com a necessidade de interpretar e de aplicar normas que são de "direito público", que impõem obrigações ao embalador e foram por ele transferidas para a entidade gestora.
Consideramos que efectivamente estamos no domínio da relação jurídica administrativa, tal como ela é legalmente desenhada, a título exemplificativo, na alínea f) do n.º 1 do artigo 4º do actual ETAF: Questões relativas à [...] execução [...] de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo [...]».
Pelo exposto, tendo em conta a competência residual dos tribunais judiciais [arts 211°, n° 1, da CRP, 64° do CPC; e 40°, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto], e em especial, o preceituado nos artigos 212°, n° 3, da CRP, 1°, nº 1, e 4°, n° 1 al. f), do ETAF, conclui-se ser de atribuir a competência material para conhecer da acção aos «tribunais da jurisdição administrativa».

III. Decisão

Nestes termos, acorda-se em resolver o presente conflito de jurisdição, atribuindo a competência para o conhecimento da acção declarativa aos tribunais da jurisdição administrativa.

Sem custas (art. 96° do Decreto nº 19243, de 1931.01.16)

Feito e revisto pelo 1° signatário.

Lisboa, 24 de Maio de 2017. – Nuno de Melo Gomes da Silva (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – José Inácio Manso Rainho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – António Alexandre dos Reis – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (Vencida na medida em que entendo que o pedido e a causa de pedir, configuram uma relação obrigacional no âmbito do direito privado, sendo competente para o conhecer o Tribunal Comum)