Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 025/15 |
Data do Acordão: | 02/04/2016 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | CONFLITO DE JURISDIÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL CONCESSIONÁRIA |
Sumário: | I – Nos termos do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 4º, do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. II – Dispõe o n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31.12, que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. III – As concessionárias de autoestradas e de outras vias rodoviárias do Estado, ainda que sendo pessoas colectivas de direito privado, desempenham tarefas de vigilância e de segurança rodoviárias, tarefas estas que decorrem das bases da concessão reguladas em diploma legal e que estão replicadas nos respectivos contratos de concessão; a relação jurídica estabelecida entre si e o Estado tem na base um contrato de concessão de obras públicas, que possui, portanto, a natureza de contrato administrativo; as ditas concessionárias actuam, por vezes, no exercício de prerrogativas de poder público. |
Nº Convencional: | JSTA000P20057 |
Nº do Documento: | SAC20160204025 |
Data de Entrada: | 06/11/2015 |
Recorrente: | A....., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE LISBOA, INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA, 4ª UNIDADE ORGÂNICA |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito nº 25/15. Acordam no Tribunal de Conflitos:
1. Relatório
1. A…….., S.A. (A…….), devidamente identificada nos autos, deduziu a presente acção administrativa comum sob a forma de processo sumário contra a B………, S.A. (B……..), com sede em Lisboa, pedindo a condenação da demandada ao pagamento da quantia de € 9.173,41, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento. A presente acção foi intentada, em 21.10.11, no TAC de Lisboa, em virtude de o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão judicial de 30.06.11, ter entendido serem os tribunais administrativos os competentes para conhecer do litígio em questão, assim confirmando a decisão proferida na primeira instância. Por sua vez, o TAC de Lisboa, por decisão judicial de 25.11.14, julgou-se igualmente incompetente ratione materiae, absolvendo a R. da instância. Notificada da sentença, a qual chamava a atenção para o disposto no n.º 2 do artigo 14.º do CPTA, a Autora, após o trânsito em julgado da referida sentença, requereu ao TAC de Lisboa a remessa do processo à Secção Cível da Instância Local da Comarca de Lisboa. Este tribunal, por decisão judicial de 17.02.15, igualmente já transitada, considerou-se também ele incompetente em razão da matéria, absolvendo a Ré e a interveniente principal da instância (C……… LIMITED SUCURSAL EM PORTUGAL), considerando materialmente competente para julgar a causa a jurisdição administrativa. Por despacho de 29.04.15, foi decidido, por aquela Secção Cível da Instância Local de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, mandar subir os autos ao Tribunal de Conflitos, para resolução do presente conflito negativo de jurisdição (fls. 270). 2. A Autora alega, em síntese, que exerce, com a devida autorização legal, a actividade seguradora. Nessa condição, celebrou com o tomador de seguro, D…….., um contrato de seguro do ramo automóvel, com a cobertura de danos próprios, titulado pela apólice n.º …….., nos termos do qual assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo com a matrícula ……-BZ-…... (de ora em diante designado BZ), incluindo a cobertura facultativa de choque, colisão e capotamento. No dia 13.01.10, pelas 15h.40, ocorreu um acidente de viação no Itinerário Complementar 17 (IC 17), Freguesia de Campolide, Concelho e Distrito de Lisboa, que envolveu o veículo segurado pela Autora, que no momento do acidente era conduzido pelo tomador do seguro. Quando circulava no IC 17, mais concretamente, na via de trânsito da esquerda, no sentido Algés/Benfica, “e em cumprimento de todas as regras estradais, (…) ao descrever a curva existente imediatamente antes da saída do IC 17 para a Buraca, o condutor do veículo BZ perdeu, subitamente, o controlo do mesmo, e entrou em despiste, para o lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, embatendo com a parte frontal e lateral esquerda do veículo BZ no separador central”. No momento do acidente chovia e “no local onde o condutor do veículo BZ perdeu o controlo do mesmo, existia, à data dos factos, uma grande quantidade de água no pavimento, que ocupava todas as vias de circulação do IC 17, no sentido Algés/Benfica, e que acabou por provocar o despiste do veículo BZ” (fls. 4-5). Na sequência deste acidente, a Autora, no “cumprimento do contrato de seguro supra identificado, designadamente da Cobertura Facultativa de Choque, Colisão e Capotamento [v.g. Danos Próprios] (…) procedeu ao pagamento do custo da reparação do veículo BZ no montante de € 9.173,41”. Ora, “a única e exclusiva responsável pela eclosão do acidente dos presentes autos foi a ora Ré, enquanto concessionária do IC 17, na medida em que não procedeu à vigilância, nem à manutenção e conservação das boas condições de utilização da mesma, permitindo, com a sua omissão, a acumulação de uma grande quantidade de água na faixa de rodagem do IC 17” (fl. 6). 3. A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo pela competência dos tribunais administrativos, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, al. i), do ETAF (fls. 291-93). 4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Enquadramento e apreciação do conflito A única questão a decidir no âmbito do presente recurso é a de saber qual a jurisdição materialmente competente para julgar o caso dos autos, se a jurisdição administrativa, se a jurisdição comum. 2.1. Os factos a considerar são os mencionados no relatório, assim como a circunstância de que, pelo DL n.º 242/06, de 28.12 (já sujeito a ulteriores alterações), foi atribuída à Ré B…….. a concessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de autoestrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa (Concessão Grande Lisboa). 2.2. Através da acção inicialmente interposta, a Autora pretende a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 9.173,41, a qual foi por si paga ao condutor do veículo segurado, ao abrigo da cobertura por danos próprios – in casu, os danos que resultaram de um acidente de viação ocorrido no IC 17, de que a Ré é concessionária, e que foi causado, segundo alegado pelo condutor sinistrado, pela acumulação de água na faixa de rodagem, situação que deveria ter sido evitada pela Ré se esta tivesse cumprido os deveres contratuais que sobre si impendem; mais concretamente, aqueles deveres que decorrem, no entender da Autora, das bases definidas no DL n.º 242/06. A Autora chama ainda à colação o artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 24/2007, de 18.07 (diploma que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares”, que dispõe do seguinte modo: “1 – Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: (…) c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”. Mais ainda, refere o n.º 2 do mesmo dispositivo que “Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de segurança”. 2.3. Não obstante tanto a Autora como a Ré serem sujeitos de direito privado, uma vez que o pedido de condenação deduzido pela primeira depende do apuramento da responsabilidade civil extracontratual da segunda, concessionária de várias autoestradas e de outras vias rodoviárias do Estado, cumpre averiguar se é ou não aplicável ao caso dos autos o disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, nos termos da qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. Interessa igualmente para o caso dos autos a Lei n.º 67/2007, de 31.12 (que consagra o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas – com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2008, de 17.07), a qual estabelece, no n.º 5 do seu artigo 1.º, que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”. Face ao exposto, os juízes do Tribunal de Conflitos resolvem o presente conflito negativo de jurisdição considerando competente o TAC de Lisboa. Sem custas. |