Sentença de Julgado de Paz
Processo: 508/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE A LITÍGIO ENTRE PROPRIETÁRIOS DE PRÉDIOS RELATIVO A MUROS DIVISÓRIOS E RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL - RECONSTRUÇÃO DE MURO DIVISÓRIO ENTRE PRÉDIOS CONTÍGUOS
E INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 12/14/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Julgados de Paz: Funchal
Data: 14/12/2016
Relator: Dra. Margarida Simplício
SENTENÇA
Processo n.º 508/2015-J.P.
RELATÓRIO:
Demandantes, A e B, NIFS. -------- e ---------, respetivamente, residentes -------------, no concelho do Funchal.
Representados por mandatário constituído, com domicílio profissional na rua ---------------, no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alegam que são proprietários de um prédio misto, sito na freguesia de -------, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob n.º ------, e inscrito na matriz urbana sob n.º ----- e na parte rústica sob n.º ------- da seção X, da referida freguesia. Os demandados são proprietários do prédio contiguo, sito numa cota superior, o qual tem um muro de suporte, em pedra, e se situa junto á partilha. Este esteve em risco de ruir, para cima da moradia dos demandantes, pelo facto de não ser mantido e devidamente conservado, causando a queda de pedras, terras, frutas e folhas para a propriedade dos demandantes, e danificando a respetiva habitação. Por diversas vezes, tentaram sensibiliza-los para procederem á limpeza do terreno e conservação do muro, mas em vão. Por isso, desde 2012, que têm reclamado da situação junto da C.M.F. Na sequência, a C.M.F. realizou vistoria ao local, concluindo que o muro dos demandados apresentava zonas desaprumadas e deformações, e a parte restante estava em risco de ruir para o terraço da casa dos demandantes. Foi, ainda, verificado que a tardoz existia uma grande porção de terras e mato acumulado, colocando em causa a segurança de pessoas e bens. Na sequência, e após serem notificados pela C.M.F., os demandados reconstruíram o muro, mas esta obra foi executada de forma atabalhoada e irresponsável, tendo somente sobreposto as pedras, deixando o muro instável e com barriga. Ao ver tal facto, o demandante dirigiu-se ao responsável da obra exigindo que a obra fosse realizada em condições, mas aquele respondeu-lhe que foram ordens do demandado, que a obra fosse feita numa só manhã e não limpasse as terras nem o mato caído na propriedade dos demandantes, o que o deixou perplexo ao constatar que se tinha acumulado um grande quantidade de terras e mato junto á passagem pedonal e local de circulação de águas pluviais. Perante tal facto reclamou novamente junto da C.CM.F. que lhe disse tratar-se de um litígio privado, não sendo da sua competência e iria arquivar a reclamação. Perante tal facto, interpelaram os demandados por escrito, solicitando que procedessem á reconstrução do muro em segurança, mas os demandados, embora recebessem a carta não responderam. Por este motivo solicitaram um orçamento para reconstrução do muro com as devidas condições de segurança, conforme juntam e cujo valor do orçamento apresentado perfaz a quantia de 5.033€. Na realidade, enquanto proprietários tem a obrigação de evitar danos e perigos que resultem da própria atuação, dever de prevenir o perigo que não está a ser acautelado, colocando em causa a segurança dos demandantes, sua família e propriedade. O facto do muro se situar numa cota superior face ao prédio dos demandantes tem causado danos na habitação. Encontrando-se a casa fechada á cerca de 4 anos, devido ao risco eminente, não a podendo habitar nem arrendar, sobretudo pelas humidades e degradação, devido às infiltrações. Assim, requerem uma indemnização por danos patrimoniais, calculados á quantia mensal de 300€, o que origina perdas financeiras, e no que se inclui os prejuízos causados pelas pereiras que estão no prédio e causam a desestabilização do muro de suporte terras, causando a queda de pedras e parte do muro para o terraço e partindo telhas, causando insegurança dos demandantes, mas que reduzem o valor para 8.476€. Requerem, ainda, uma indemnização por danos não patrimoniais devido ao sofrimento, às angustias, humilhações, insultos e provocações que originaram queixas criminais junto dos serviço do M.P., quer dos demandante, quer dos seus filhos, que acabaram por ser arquivadas por falta de provas, mas que o demandado por ter sido GNR sente-se com o direito de praticar tais actos e com a aura de impunidade, na quantia de 1.500€. Concluem pedindo que sejam condenados: a) procederem á reconstrução e reparação do muro em condições de segurança, conforme consta do art.º 18 do r.i, cujo teor dou por reproduzido, no valor de 5.033€; b)e, caso não cumpram, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 10€/dia, caso o muro não seja reconstruído no prazo de 30 dias após ser proferida sentença; c) no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de 8.467€; c) no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 1.500€. Juntam 43 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante a litígio entre proprietários de prédios relativo a muros divisórios e responsabilidade civil extra contratual, enquadrada nas alíneas d) e h) do n.º1, art.º 9 da L.J.P.
OBJETO: Reconstrução de muro divisório entre prédios contíguos, e indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
VALOR DA AÇÃO: 15.000€.

Demandados, C, NIF. ---------, e D, NIF. ------, residentes no -------------------, no concelho do Funchal.
Representados por mandatária constituída, com domicílio profissional na rua do -----------, no concelho do Funchal.
Contestação: Alegam a ilegitimidade passiva do demandado. Porquanto o prédio referido no r.i. foi adquirido pela demandada na constância do matrimónio destes, mas trata-se de uma aquisição por herança, conforme resulta dos docs. 41 do r.i. e doc. 1 que junta. Pelo regime de bens que vigora entre ambos, comunhão de adquiridos, o imóvel é um bem próprio da demandada. Quanto aos factos aceitam que são proprietários de um prédio misto sito na freguesia de ------, estando a parte rústica inscrita na matriz sob art.º ---- da seção X, e confirmam que a demandada é proprietária de um prédio rústico sito perto daquele, o qual como resulta da certidão do registo predial, confronta a leste com a vereda. Contudo, resulta do cadastro regional que este prédio e o dos demandantes estão separados pela levada e pela vereda, situando-se o da demandada numa cota ligeiramente superior face ao dos demandantes. Nesse prédio existe há mais de 80 anos um muro de suporte de terras em pedra seca arrumada, com altura aproximada de 1,60m, que delimita a propriedade a oeste, e situa-se junto á vereda e á levada que percorre toda a margem, no entanto não está em risco de ruir, sobretudo para a moradia dos demandantes, assim como é falso que sofra de falta de manutenção, ou que tenha caído, ou causasse danos á propriedade dos demandantes. Por outro lado, não especificam os danos e se os mesmos foram consequência de algum facto praticado pelos demandados. Efetivamente, as partes esgrimiram argumentos perante a C.M.F. acerca dos muros que medeiam as suas propriedades, tendo apresentado queixas reciprocas, e foi na sequência destas que aquela edilidade efetuou uma vistoria ao local, e concluiu que os muros necessitavam de ser reparados, sendo as partes notificadas para o efeito. Os demandados acataram a missiva e procederam á reparação do muro de acordo com os ditames, não deixando qualquer barriga, pelo que a C.M.F. efetuou nova vistoria a 12/12/2014, proferindo despacho de arquivar a reclamação por o muro ter sido reparado. Já os demandantes, nada fizeram em relação ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º ----- da seção X, o qual está em muito mau estado de conservação, ruindo sobre o prédio da demandada. As fotografias que os demandantes juntaram são anteriores á reparação do muro, pelo que não traduzem a realidade, como se poderá constatar na inspeção ao local que ora se requer. O muro está em bom estado, mas mesmo que não fosse seria ridícula e fantasiosa a pretensão dos demandantes. Na realidade, os demandantes com a ação pretendem a prestação de um facto, ou seja, construção de um muro e de acordo com as regras por eles ditadas, substituindo o que existe por outro, com outro material betão ciclópico, o qual é de construção extremamente dispendiosa, e peticionam a abertura de uma vala e intervenção na levada, que existe entre ambos os terrenos, o que extravasa os limites do aceitável. Para além disso, não se entende como apresentam um pedido de indemnização na quantia de 14.400€ e depois, benevolamente reduzem para 8.467€, com base num documento particular, que apresentam como simulação de IRS, e assinalam-no como de perdas financeiras. Os demandantes nunca alegaram, como deviam, em que medida o muro é condição de um dano na habitação, por não impedir a queda de pedras, matos folhas e frutos, mesmo que esses materiais caíssem ficariam na vereda e na levada que mediam ambas as propriedades, e não atingiriam a propriedade deles, pelo que não poderiam causar os danos que reclamam. Alegam, ainda, que a casa está fechada há 4 anos devido ao risco existente, na realidade tal espaço não tem condições de habitabilidade, devido às humidades e degradação decorrentes das infiltrações, e de facto os demandados sabem que a casa está fechada mas não é devido ao muro, por isso o pedido que reclamam é absurdo. A casa de que falam tem pelo menos 60 anos, estando velha e desgastada, por razões alheias aos demandados, mas não é indiferente o facto de ter sido construída lateralmente junto a terras que se encontram num piso superior, e pelo facto de se encontrar a pouca distância de uma levada, onde regularmente circula água, o que é natural que com o passar dos anos se degrade, deixando passar águas. Assim, inexiste qualquer facto ou omissão que possa ser imputável aos demandados. Decaindo o pedido ridículo de 1.500€ de danos morais, pois assentam em situações vagas e imprecisas que não merecem tutela do direito, pois não peticionam só para eles, mas também em nome dos filhos que nem são parte dos autos. Concluem: pela procedência da exceção de ilegitimidade passiva do demandado C; caso assim não se entenda deve o mesmo ser absolvido de todo o pedido, em qualquer caso deve a ação improceder por não provada, absolvendo-se a demandada de todos os pedidos, e condenar os demandantes em custas. Requerem a realização de inspeção ao local. Juntam 5 documentos.

Notificados os demandantes para se pronunciarem sobre a exceção de ilegitimidade, a fls. 92, nada responderam.
Os demandantes juntaram aos autos um relatório técnico, de fls.97 a 102.
E, os demandados juntaram outro relatório técnico, de fls. 115 a 118.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por ausência dos demandados.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem que as partes tenham chegado a consenso. Na 2ª sessão realizou-se a inspeção ao local, conforme consta da ata de fls.109 a 111. Entretanto a mandatária dos demandados renunciou ao mandato. Na 3ª sessão ocorreu a audição das testemunhas, terminando com as alegações, conforme ata de fls. 130 a 134.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A)Os demandantes são proprietários de um prédio misto, cuja parte urbana possui a inscrição matricial n.º------ e a parte rústica o art.º --- da seção X, estando descrito no registo predial do Funchal sob n.º--- da freguesia de ------.

II- FACTOS PROVADOS:
1)A demandada é proprietária de um prédio contiguo ao prédio dos demandantes.
2)Este situa-se numa cota superior face ao prédio dos demandantes.
3)O prédio da demandada possui um muro de suporte em pedra, sito junto á partilha.
4)O muro de suporte de terras esteve em risco de ruir.
5)Acabando por cair, parte, para cima do prédio dos demandantes.
6)O muro de suporte de terras não foi mantido e conservado.
7)Acabando por cair terra, matos, folhas, frutos e pedras na propriedade dos demandantes.
8)Danificando a habitação.
9)Quer o demandante, quer a sua falecida mãe, tentaram sensibilizar os demandados para a necessidade de limpeza do prédio.
10)E, para a conservação do muro.
11)Desde o ano de 2012 que, o demandante, têm vindo a reclamar a situação junto da C.M.F.
12)O que deu origem ao processo camarário n.º 28951/2012.
13)Solicitando a intervenção daquela entidade.
14)Na sequência, a C.M.F. efetuou uma vistoria ao local.
15)Concluindo que o muro estava desaprumado e com várias deformações.
16)Tendo, parte do muro caído e o restante estava em risco de cair para o terraço do prédio dos demandantes.
17) Verificando que a tardoz do muro, existia mato e terras acumuladas, que colocava em causa a segurança de pessoas e bens.
18)Após serem notificados pela C.M.F, os demandados, reconstruíram o muro.
19)Mas, fizeram-no de forma atabalhoada.
20)As pedras foram apenas sobrepostas.
21)Ficando o muro instável e com uma barriga.
22)O responsável pela obra realizou-a conforme o demandado solicitara.
23)Tudo numa manhã, e sem limpar as terras e matos que tivessem caído na propriedade dos demandantes.
24)Na altura estava acumulado mato, terras e galhos numa zona de passagem pedonal e de circulação de águas pluviais.
25)O demandante voltou a reclamar junto da C.M.F. a 5/08/2014.
26)A qual foi atribuída o n.º 29322/2014
26)Esta entidade respondeu á reclamação, alegando tratar-se de uma questão de direito privado.
27)E, arquivou o processo.
28)Os demandantes, enviaram carta registada com aviso de receção aos demandados.
29)Nesta, solicitavam que procedessem á reconstrução do muro, com as devidas condições de segurança.
30)A carta foi devidamente rececionada.
31)Mas o muro não foi reparado.
32)O demandante solicitou um orçamento para reconstrução do muro com as devidas condições de segurança.
33)O qual foi apresentado partindo da recuperação do muro em pedra seca.
34)E, o levantamento do muro, em betão ciclópico.
35)E, perfaz o custo de 5.033€.
36)A casa dos demandantes esteve fechada.
37)O prédio da demandada veio á sua posse por sucessão hereditária.
38)As partes encontram-se desavindas há algum tempo.
39)O prédio dos demandantes confronta do leste com a vereda.
40)Os prédios das partes são separados pela vereda e pela levada.
41)O muro em pedra possui a altura de cerca de 1,60m.
42)Este muro delimita a propriedade da demandada a oeste e situa-se junto da vereda e da levada.
43)As partes apresentaram reciprocamente junto da C.M.F. reclamações sobre os muros que medeiam as respetivas propriedades.
44)Foi na sequência destas que foi efetuada vistoria aos prédios.
45)Sendo ambos notificados em maio de 2014 para procederem á reparação dos respetivos muros.
46)Posteriormente, a C.M.F. proferiu decisão de arquivar a reclamação sobre o muro, pois já fora reconstruído.
47)O prédio dos demandantes veio á posse destes por meio de escritura de divisão de coisa comum.
48)A qual foi outorgada a 5/06/2008, no cartório Notarial de Câmara de Lobos, exarada no Livro de notas n.º -----, de fls. 38 a 41.
49)A casa dos demandantes não é de construção recente.
50)Ficando situada numa cota mais baixa que o muro.
51)Sendo encostada, numa das faces laterais, a terras que se encontram num piso superior.
52)E, está a pouca distância de uma levada.
53)A casa dos demandantes encontrava-se desabitada.
54)Que ocorreram queixas crime junto do serviço do M.P. da comarca da Madeira.
55)As quais acabaram por serem arquivadas.

MOTIVAÇÃO:
Na inspeção realizada aos imóveis das partes, o Tribunal pode constatar a existência do muro, de suporte de terras, sendo um dos exemplares que existe na Madeira, de construção bem antiga, em pedra aparelhada.
Mais verificou que os prédios das partes são contíguos, situando-se o da demandada numa quota superior face ao prédio dos demandantes, sendo aquele rústico.
Efetivamente, o prédio rústico é vedado a oeste pelo muro, estando situado numa cota superior face ao prédio dos demandantes, sendo um terreno bastante íngreme. Este possui algumas árvores de médio e grande porte, nomeadamente abacateiros. Na altura da inspeção o terreno estava com vários ramos de árvore caídos e alguma vegetação natural. Mais se constatou que o muro não exerce cabalmente a função de suporte de terras devido á altura, uma vez que não é alto com cerca de 1,60m, sobressaindo por cima do muro as terras que se acumulam, bem como diversa vegetação.
O referido prédio é ladeado por uma levada, a qual está desativada, servindo para passagem de águas pluviais. Esta passa entre este e o prédio dos demandantes, daí parecer existir uma vala entre ambos.
O prédio dos demandantes é misto, tendo a parte urbana sido, recentemente, objeto de obras de recuperação e remodelação, conforme se verificou.
Para além da inspeção ao local, foi ainda relevante a documentação que as partes juntaram, a qual foi conjugada com a prova testemunhal e regras da experiencia comum.
A testemunha, E, exerce a profissão de engenheiro civil, sendo o autor do relatório técnico junto aos autos de fls. 97 a 102. O seu depoimento foi isento, claro e credível. Auxiliou na prova dos factos com os n.º2,3,6, 20,21,33, 41.
A testemunha, F, reside próximo das propriedades das partes, conhecendo pessoalmente a maioria dos factos. Depôs de forma isenta e clara, auxiliando na prova dos factos com os n.º1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,18,19,20,21,23,24,36,38, 39,40,41,42,49,50,51.
A testemunha, G, é filha dos demandantes. O seu depoimento embora não fosse totalmente isento, pois tem interesse no desfecho dos autos, explicou factos que já sucedem há alguns anos. Sendo relevante para prova dos factos com os n.º 2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,14, 18,19,20,21,22,23,24,25,31,32,36,40,49,54 e 55.
A testemunha, H, viveu na casa que hoje é propriedade dos demandantes. O seu depoimento foi isento, claro e esclarecedor, relevando para prova dos factos com os n.º1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,36,38,40,41,42,47,49,50,51,52 e 54.
A testemunha, I, foi a pessoa contratada para reconstruir o muro de pedra, quando os demandados foram notificados pela C.M.F. para o fazer. Explicou que construi da forma como fez apenas para satisfazer o cliente, que o contratara para o reconstruir numa manhã, e sem limpeza de qualquer pedra ou mato que tenha caído para o prédio dos demandantes. Foi relevante para prova dos factos com os n.º 18,19,20, 21,22, 23 e 24.
As testemunhas, J e K, são residentes no local. Conhecem o prédio rústico, pois o demandado, de, tempos a tempos, convida-os para irem ver como está. Ambos fizeram insinuações que não correspondem ao que o Tribunal viu na inspeção efetuada ao local, no que refere á altura do muro, pelo que foram desvalorizados.
A testemunha, L, conhece o prédio da demandada a convite do marido. O seu depoimento limitou-se á descrição da propriedade, desconhecendo os factos, pelo que só foi valorado nessa parte.
Quanto aos factos com os n.º 14,15,16 e 17 resultam dos documentos juntos pelos demandantes, de fls. 36.
Os factos com os n.º 25 e 26, resultam do documento 29, a fls. 47.
E, o facto com o n.º 27 resulta dos documentos juntos de fls. 48,49, 50.
E, o facto com o n.º26 resulta também do documento a fls. 36.
E, o facto complementar de prova com o n.º 12 resulta do documento junto pelos demandantes, a fls. 23.
Os factos complementar de prova com os n.º 47 e 48, resultam do documento junto pelos demandantes, de fls. 11 a 18.

III- DO DIREITO:
Estamos face a um litígio entre proprietários de prédios contíguos, tendo no centro da questão um muro de partilha, em pedra.
Questões: ilegitimidade passiva, danos, indemnização.
Quanto á primeira questão, de natureza processual, dispõe o art.º 30, n.º1 do C.P.C., que considera parte legítima do lado passivo quem tenha interesse direto em contradizer, acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que se considera parte legitima conforme o demandante o configurar nos autos.
No caso em apreço os demandantes instauraram a ação contra os demandados, enquanto casal e proprietários de um bem que consideraram como sendo um bem comum, do casal.
Na contestação os demandados contrapuseram, alegando que o prédio em causa é um bem próprio da demandada, o qual veio á sua posse por sucessão hereditária, preenchendo assim o requisito do art.º 1722, n.º1 alínea a) do C.C Notificados para se pronunciarem sobre esta exceção, acabaram por nada dizer, pelo que aceitaram que se trata de um bem próprio da demandada. Perante esta tomada de posição, e tendo em consideração que esta exceção de direito processual tem repercussões nos autos, considero procedente a exceção de ilegitimidade passiva, em consequência considera-se o demandado como parte ilegítima na ação, absolvendo- o da presente instância.

Em relação ao litígio das partes, a propriedade de cada um pode ser defendida por meio de ação de responsabilidade civil (art.º 483 do C.C.).
Na realidade, cada pessoa, na qualidade de proprietário de um prédio, seja ele urbano ou rústico, é responsável perante terceiros sobre os danos que eventualmente o prédio possa causar (art.º 1350 do C.C.).
Pois a propriedade (art.º 1344 do C.C.) apenas abrange o espaço - aéreo, superfície e correspondente subsolo - que lhe pertence, pelo que a conduta de um proprietário deve pautar-se pelo dever de zelo e cautela sobre o património pessoal, de forma a evitar danos a terceiros. E, nisto se inclui os comportamentos omissivos (art.º 486 do C.C.), sobretudo quando há o dever de agir, ou de proceder de outra forma, o qual, em regra, deve consistir num comportamento activo.
Acrescenta o art.º 492, n.º1 do C.C. que o proprietário de edifício ou obra, que ruir no todo ou em parte, por defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

No caso em apreço, o principal objeto do litígio é um muro de suporte de terras, sito na propriedade da demandada. Trata-se de um muro antigo, típico da construção tradicional da ilha da Madeira, feito em pedra aparelhada. Este muro, além de delimitar o prédio da demandada, na zona inferior, tem precisamente outra função de suporte de terras, pois o prédio da demandada está situado numa cota superior face ao prédio dos demandantes. No entanto, o muro em questão é relativamente baixo, possuindo cerca de 1.60m, como aliás é referido pelos documentos da C.M.F., a fls. 36.
Com o passar dos anos toda a construção urbana degrada-se, por isso necessita de ser objeto de obras de manutenção, o que decorre da experiencia comum, sobretudo se essa construção se situar ao ar livre, e como tal, mais sujeita às condições climatéricas, por vezes adversas.
Ora o muro em questão, embora não se sabendo a idade de construção, é uma daquelas obras que possuem muitos e largos anos, e com o passar do tempo necessitava de, pelo menos, obras de manutenção.
Porém, devido á sua função, suporte de terras, estas obras seriam necessárias há já algum tempo atrás.
De facto, o prédio da demandada situa-se numa cota superior face ao prédio dos demandantes e de outros, que se encontram naquele local, conforme se viu na inspeção. Por outro lado, aquele prédio possui algumas árvores de fruto, de médio e grande porte, como é o caso das pêras abacates. Quanto á sua configuração, é um prédio mais comprido do que largo, e com uma forte inclinação, sobretudo na zona que deita para o prédio dos demandantes.
As raízes das árvores vão, á medida que se desenvolvem, exercendo pressão no subsolo, pois as raízes são a sua sustentação. Ora com o passar dos anos as raízes vão-se desenvolvendo no subsolo, o que decorre da experiencia comum, e simultaneamente passam a exercer pressão no muro, isto porque o prédio da demandada não é muito largo, e as árvores situam-se sensivelmente a meio do prédio, conforme se constatou.
Conforme consta de várias fotografias que as partes juntaram aos autos, e em especial de uma, junta na 3ª sessão de audiência de julgamento, a fls. 138, pode verificar-se que a demandada não prima pela limpeza do prédio. Em vários anos e em momentos distintos, o prédio, está com muita vegetação espontânea (ervas e mato), com galhos secos que se desprendem das árvores e folhas, algo que as testemunhas, conseguiram provar. Como é evidente tudo isto causa pressão na terra, sita numa cota superior, conforme já se referiu e a própria contestação, também, o admite (art.º 12), tal facto originou aos poucos a degradação do muro e a queda de varias pedras que se vão soltando do muro, acabando por atingir o prédio que se situa numa cota inferior, ou seja, o prédio dos demandantes.

Ora, isto culminou com queixas recíprocas das partes junto da C.M.F., a qual após realizar vistorias aos prédios das partes, em dado momento do ano de 2014, notificou a demandada para proceder á reparação do muro, o qual já tinha ruído em parte, documento n.º 14, junto a fls. 36.
Na sequência desta, o marido da demandada contratou o serviço de pedreiro para proceder á recuperação do muro de pedra aparelhada. No entanto, aqueles profissionais foram contratados com regras bem específicas, reerguerem a parte do muro que tinha caído, colocando as pedras que caíram, umas por cima das outras no espaço vazio, sem qualquer limpeza de mato ou terras, e tinham de executar este serviço numa única manhã.
Segundo o profissional contratado, este não era o modo adequado para recuperar, devidamente, o muro, mas estava a executar as ordens que o demandado lhe deu e limitou-se a faze-lo dessa forma, o que significa que o profissional admitiu não ter executado a obra segundo a legis artis.
Como se referiu o prédio é da demandada, mas aquela consente que seja o marido a tratar do assunto, delegando nele essa tarefa, conforme a testemunha que foi contratada para recuperar o muro assim relatou. E, como as testemunhas, G e H, assim confirmaram por factos que presenciaram ao longo de anos, é ele, C, que dá ordens como se a coisa fosse dele.
Por este motivo, a demandada, é responsável pela má execução da obra e pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação (art.º 800, n.º1 do C.C.), como se tais actos fossem praticados por ela.

Passado alguns anos, como a obra não foi executada em termos adequados, o muro começa a dar sinais de precisar de novas obras de recuperação, conforme o Tribunal constatou, pois tem os seus elementos desaprumados, aparecendo as denominadas “barrigas” em diversos locais do muro, o que significa que não está aprumado começando lentamente a ceder. E, para além disso, como o muro original não é alto, não exercendo cabalmente a função de suporte de terras, deixando cair terras, mato e galhos, algo que se encontra devidamente provado.
Como é evidente a maioria destes materiais vão-se avolumando na vala, antiga levada, mas com o vento e devido ao desnível existente entre os prédios, alguns acabam mesmo por cair no prédio dos demandantes, conforme se constata em diversas fotografias, a fls. 21 87,135 e 136.
Por este motivo, algumas telhas do prédio (parte urbana) dos demandantes acabaram por serem atingidas, tendo algumas sido danificadas, conforme se verifica nas fotografias junto a fls. 20 e 22.
O que sucedeu não de propósito, mas por negligência, pela forma como a demandada cuida da respetiva propriedade, delegando a tarefa noutras pessoas, e sem fiscalizar o serviço, conforme lhe competia, nisto consiste a sua culpa, a qual não conseguiu elidir.
Peticionam os demandantes a reconstrução e recuperação do muro em condições de segurança, mas depois apresentam um orçamento devidamente elaborado, o qual faz referência a um novo muro, construído em betão ciclópico.
Acerca do assunto dispõe o art.º 566, n.º1 do C.C. nos termos do qual se privilegia a reconstituição natural, em detrimento de indemnização monetária, ou caso que a reconstituição natural não repare integralmente o dano ou seja demasiada excessiva.
Significa este preceito que, em primeiro lugar, a demandada deve reconstruir o muro em termos adequados e de acordo com a linha arquitetónica que se encontra no local, ou seja, em pedra aparelhada.
No entanto, as partes juntaram dois pareceres diferentes. Segundo um deles a solução adequada deveria ser em betão ciclópico, de fls. 97 a 102.
E, o outro de fls. 115 a 118, refere-se que o muro está fragilizado, e com alguns elementos desagregados, mas a solução seria aproveitar o que já existe, aumentando a sua resistência mecânica.
Ambos satisfazem a pretensão de cada uma das partes, plasmado na respetiva peça processual. Contudo, em sede de audiência o autor do relatório junto de fls. 97 a 102, explicou que embora referisse como solução a construção de um muro em betão ciclópico este poderia ser um muro tradicional, como aquele que se encontra no local, mas construído em condições, isto é, com as pedras devidamente aprumadas e com as devidas fundações, o que aquele não tem, bem como alteado, já que o muro em questão é baixo, o que também se constatou na inspeção, não exercendo cabalmente a função de contenção de terras.
De facto, na inspeção ao local constatou-se que o muro que se encontra no local é de pequenas dimensões, e como a terra, sita a tardoz é bastante inclinada é natural que muitas vezes os materiais que nela se acumulam, assim como a própria terra, por ação da natureza se desprenda e acabe por cair na propriedade dos demandantes, facto que resulta da experiencia comum.
No entanto, este tipo de muro satisfaz as necessidades de ambas as partes. De facto, se construído de acordo com a legis artis e se for alteado, cerca de meio metro, passará a exercer a função de contenção de terras, por outro lado, e do ponto de vista económico é menos dispendioso do que a construção de um muro em betão ciclópico. E, na realidade o que os demandantes peticionam é a reconstrução do muro em segurança. Ora desta forma, obtinham a satisfação da respetiva pretensão e com menos custos, o que equivaleria á reconstrução natural da situação.
Assim, por estes motivos entendo dar provimento a esta pretensão mas não pelo valor do orçamento apresentado, já que aquele é referente á construção de um muro em betão, o que equivale a um muro novo e não á reconstituição natural do existente. Quanto a custos e sem elementos cabais, pois os pareceres apresentados pelas partes não referem valores, entende-se relegar a mesma para liquidação de sentença (art.º 609, n.º2 do C.P.C.).
No que diz respeito á sanção pecuniária compulsória (art.º 829-A, n.º1 e 2 do C.C.) será atendível mas na liquidação da sentença, uma vez que o prazo para reconstrução de um muro já existente não será igual á construção de um muro totalmente novo.
Não obstante, e porque a não reconstrução do muro em termos adequados causa perigo para a propriedade dos demandantes e para as pessoas que aí passaram a residir, pois o muro já possui algumas “barrigas”, o que se apurou na inspeção ao local, considero ser pertinente o referido pedido na quantia de 10€/dia.

No que diz respeito ao pedido de indemnização por danos patrimoniais, os demandantes efetuam o pedido apresentando o valor global de 8.467€, e neste incluem um conjunto de danos.
Na realidade a prova desses danos compete aos demandantes nos termos do art.º 342, nº1 do C.C.
Na inspeção ao local pode verificar-se que os demandantes procederam recentemente a obras de recuperação da parte urbana da respetiva propriedade. E, em sede de audiência apurou-se que a referida casa já se encontra arrendada, desconhecendo-se qual o valor mensal da renda.
Não obstante, reclamam os demandantes que parte da quantia peticionada é referente a perdas financeiras. Com isto querem dizer a frustração de um ganho que contavam ter e não obtiveram, o que em termos jurídicos equivale aos lucros cessantes (art.º 564, n.º1 do C.C.). Ora, para terem direito a eles precisam de demonstrar o nexo de causalidade (art.º 563 do C.C.), ou seja, que esta ausência de lucro se deveu á lesão, que neste caso consiste no não cuidar de forma adequada da propriedade, e em especial do muro em pedra aparelhada.
Por outro lado, provou-se que a casa em questão já não era nova, e segundo se apurou foi a habitação da falecida mãe do demandante, e depois desta, de um filho e nora, a testemunha H, tendo chegado á posse destes por meio de escritura de divisão de coisa comum, conforme documento junto de fls.11 a 18. O que significa que o imóvel em questão não era novo, sendo de construção antiga.
Para além disso, o imóvel fica junto á vala, que em tempos seria de passagem de águas da levada, entretanto desativada. Ora mesmo desativada, devido á sua configuração, em céu aberto, é local onde se concentra terras, águas pluviais, e outros materiais que, com a ação do tempo nela se vão depositando. Tudo isto, em conjunto, faz com que a casa, que de si já não era nova, se vá deteriorando, sobretudo com a entrada lenta de humidades pelas paredes.
Quer isto dizer que, embora a demandada não tenha cuidado como devia daquele prédio, não é o motivo principal que causou a degradação da casa dos demandantes, quanto muito pode dizer-se que é uma causa concorrencial, o que significa que o nexo de causalidade ficou assim mais frágil.
Ora, o facto de a casa ter estado fechada, ou seja, desabitada, algo que os demandantes admitem, não significa que se deveu á deficiente conservação da propriedade pela demandada mas foi devido a um conjunto de factos, já para não falar que era necessário que estivesse para arrendar e ninguém estivesse interessado nela, e mesmo que tal acontecesse era preciso primeiramente reunir condições de habitabilidade, e nada disto se provou.
Perante o exposto, não posso considerar que a frustração de ganhos por parte dos demandantes, se devesse á conduta negligente da demandada, por não ter reconstruído devidamente o muro que em tempos ruíra.

Quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, dispõe o art.º 496, n.º1 do C.C. que apenas os que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, são suscetíveis de serem indemnizados.
No caso concreto os demandantes reclamam a quantia de 1.500€ pois esta situação provocou neles e respetiva família um desgaste.
De facto, para que um desgaste, físico ou psicológico, possa ser objeto de indemnização é necessário tratar-se de uma situação grave, pois é neste que assenta o pressuposto de tutela jurídica.
No caso concreto nada foi provado que possa ser considerado de ter gravidade suficiente que mereça a devida tutela jurídica. Como é evidente, há situações que devido á frequência com que ocorrem vão lentamente minando o estado de espírito de cada um e provocam realmente um desgaste psicológico, mas que este tenha como causa o não ter acautelado em condições o estado do muro, é uma questão bem diferente.
Na realidade, o marido da demandada e o demandante, têm-se envolvido em quezílias, as quais já foram objeto de processos crime, e sim, esta é a causa do desgaste constante, é o minar da relação de vizinhança, com provocações constantes.
Mas esta diz respeito a eles, e não á demandada, que não se mete nestas questões. E, o marido desta, conforme se referiu no início desta exposição foi de imediato absolvido da instância, pelo que esta não pode ser responsabilizada por factos praticados por outrem, mesmo de familiares próximos, ficando assim absolvida desta parte do pedido.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a demandada a proceder á construção e reconstrução do muro em pedra aparelhada em condições adequadas e de segurança, na quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, e após a mesma será pertinente aplicar a sanção pecuniária compulsória de 10€/por dia, pelo atraso na reconstrução do dito muro.
Quanto ao demandado é absolvido da presente instância.

CUSTAS:
São da responsabilidade das partes, em função do respetivo decaimento, que se fixa em 50%. Encontrando-se totalmente satisfeitas.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 14 de Dezembro de 2016

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C)

(Margarida Simplício)