Sentença de Julgado de Paz
Processo: 184/2017JPFNC
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: (IN)CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ENQUANTO CONDÓMINO
Data da sentença: 05/21/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 184/2017-JP
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SENTENÇA
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I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: CONDOMÍNIO DO CONJUNTO A. , NIPC -------------, sito na -------------- Canino, representado pela B — Gestão de Condomínios e Serviços, Lda., na qualidade de Administradora, NIPC ---------, com sede na -----------, representado pelo seu sócio-gerente C.

Demandada: D, NIF -----------, residente no ----------------------- Funchal.
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B) PEDIDO
A Demandante propôs contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a sua condenação na quantia de €464,65 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos) acrescida de €260,29 (duzentos e sessenta euros e vinte e nove cêntimos) correspondentes a juros de mora calculados às taxas máximas legais de 8% desde 04/07/2010 ate 30/06/2011, de 8,25% desde 01/07/2011 ate 31/12/2011, de 8% desde 01/01/2012 até 31/12/2012, de 7,75% desde 01/01/2013 até 30/06/2013, 7,5% desde 01/07/2013 até 31/12/2013, de 7,25% desde 01/01/2014 até 30/06/2014, 7,15% desde 01/07/2014 até 31/12/2014, de 7,05% desde 01/01/2016 até 30/06/2016 e de 7% desde 01/07/2016 até à presente data.
Peticionou ainda a condenação da Demandada no pagamento da quantia de €244,00 (duzentos e quarenta e quatro euros) referente a todas as despesas com o processo e juros de mora às taxas máximas legais, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Juntou 8 (oito) documentos.
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A Demandada foi pessoal e regularmente citada, contestou impugnando e deduzindo matéria de exceção, designadamente o pagamento e a prescrição do direito de crédito que o Demandante peticiona.
Para tanto notificado, o Demandante respondeu à matéria de exceção da contestação da Demandada alegando que a quota devida não pode ser considerada periódica e se refere a obras e que o recibo 2266 foi anulado pelo Demandante quando verificou que o valor correspondente ao mesmo tinha sido transferido por outro condómino e correspondia a outra fração, tendo o recibo de quitação emitido à Demandada resultado de lapso.
Cumpre desde já apreciar da exceção perentória de prescrição invocada pela Demandada porquanto a sua procedência impediria a apreciação do mérito da causa.
Alega a Demandada que o valor peticionado pelo Demandante a título de quota extra se encontra prescrito tendo em conta o disposto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil.
Nos termos do disposto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil prescrevem em cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, sendo que nas alíneas anteriores o legislador submeteu ao mesmo prazo quinquenal as anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias (alínea a)), as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos de uma só vez (alínea b)), os foros (alínea c)), os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos e os dividendos das sociedades (alínea d)), as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (alínea e)) e as pensões alimentícias vencidas (alínea f)).
Nos termos do disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.”
Já, “porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação” (artigo 1424.º, n.º 2, do Código Civil).

Como entende Abílio Neto (in Manual da Propriedade Horizontal – 3ª edição – Outubro de 2006; Ediforum, Lisboa, pág. 267) “As prestações dos condóminos que respeitam à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, constantes do orçamento anual, embora sendo variável, renovam-se ano a ano, pelo que estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art.º 310.º, al. g) do C.C.”. E assim é por regra.
De facto, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Mas assim não é quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício como sucede no caso dos autos que respeita a reparação das coberturas e paredes laterais exteriores do edifício do Condomínio Demandante. Nesse caso, ainda que a despesa seja objeto de inclusão no orçamento e de repartição pelos condóminos na proporção das respetivas quotas a acrescer às despesas correntes e normais, como o foi, parece questionável que a obrigação de pagamento dessa despesa singular possa ser classificada como prestação periodicamente renovável.
Como se decidiu no Acórdão do TRP de 14.09.2015 (www.dgsi.pt), “as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra. Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…”.
Não estamos no presente caso em presença de prestações periodicamente renováveis, sendo que não estando sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Demandada.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em €968,94 (novecentos e sessenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 1 e 2, 299.º e 306.º todos do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV – OBJETO DO LITÍGIO
O objeto do litígio entre as partes circunscreve-se ao (in)cumprimento pela Demandada das suas obrigações enquanto condómina.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos importa apreciar do cumprimento da Demandada da sua obrigação de condómina, nomeadamente o pagamento da quota de condomínio extraordinária e, na negativa, as consequências daí resultantes.
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VI- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, de acordo com a prova testemunhal e documental carreada para os autos, - quer a junta com os articulados, quer a junta em audiência de julgamento - resultaram os seguintes:

FACTOS PROVADOS
1. Por deliberação da Assembleia de Condóminos realizada em 08.03.2016, a Demandante foi nomeada Administradora do Condomínio do A. Caniço.
2. Pela AP. 1917, de 14.06.2016, foi registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial e Automóveis de Elvas, sob a descrição predial subordinada número 673/--------------J a aquisição da fração autónoma localizada no 3.º andar, Bloco A, com estacionamento -- localizado a norte do estacionamento n.º --, sita na ------------- Caniço, a favor de E, sendo sujeito passivo a Demandada.
3. Por deliberação da Assembleia Geral de Condóminos realizada em 12.04.2010 foi aprovado com uma abstenção, a quota extra referente ao orçamento para reparação das coberturas e paredes laterais exteriores do edifício conforme o orçamento apresentado no montante de €83.197,20 (oitenta e três mil cento e noventa e sete euros e vinte cêntimos) a ser liquidado pelos condóminos do Conjunto A no máximo em 4 prestações.
4. Do montante referido em 3., cabia à Demandada o pagamento de uma quota no montante global de €1.009,31 (mil e nove euros e trinta e um cêntimos).
5. O Demandante emitiu em nome da Demandada o aviso de cobrança datado de 04.05.2010, relativo à fração de que esta foi proprietária, com a descrição “quota suplementar imp. e pintura”, no valor de 1.009,31€, emitido em 04.05.2010 e com data de vencimento 04.07.2010.
6. O Demandante emitiu e entregou à Demandada o recibo n.º 1895 datado de 21.07.2010, relativo à fração de que esta foi proprietária, com a descrição “quota suplementar imp. e pintura (Pag. Parcial)”, no valor de 500,00€, com data documento de 18.06.2010, fazendo-se menção quanto ao modo de pagamento “transferência”.
7. O Demandante emitiu e entregou à Demandada o recibo n.º 2266 datado de 19.07.2011, relativo à fração de que esta foi proprietária, com a descrição “quota suplementar imp. e pintura (Pag. Parcial)”, no valor de 500,00€, com data documento de 07.07.2011, fazendo-se menção quanto ao modo de pagamento “transferência”.
8. No dia 23.07.2011 pelas 02:26pm, o condómino F enviou email à B, G, onde refere o envio de comprovativo de transferência da quota extraordinária para as obras do prédio e solicitou a confirmação da transferência no valor de 500,00€ e de 1.116,77€, num total de 1.616,77€. 9. No dia 25.07.2011 pelas 06:03:11 a Administradora do Demandante questionou o condómino F se a transferência da quantia referida em 8. se referia à fração Bloco C, 2.º esquerdo de H.
10. No dia 27.07.2011 pelas 12:04pm, o condómino F enviou email à B, G, pedindo a confirmação da transferência do valor de 1.616,77€.
11. A Demandada foi interpelada pela Mandatária do Demandante através de carta datada de 23.11.2015, registada com aviso de receção em 01.12.2015 e rececionada em 04.12.2015 para efetuar o pagamento da quantia de 500,00€ no prazo de oito dias, acrescida de juros legais de mora até efetivo e integral pagamento.
12. No dia 05.12.2015, pelas 14:37, face à carta referida em 11., a Demandada enviou um email à Administradora do Demandante com comprovativos de pagamento da quantia referida em 6 e 7.
13. Face ao envio de cópia dos recibos referidos em 6. e 7. e em resposta ao email referido no ponto 12., no dia 07.12.2015, pelas 11h50, a Administradora do Demandante, através do seu legal representante C, esclareceu que não havia qualquer valor em dívida e pediu desculpa à Demandada.
14. Do extrato bancário do Condomínio Demandante, no Banco Espírito Santo, no período de 31.12.2010 a 26.08.2011 consta no dia 07.07.2011 uma transferência no valor de 500,00€ e no dia 26.07.2011 uma transferência no valor de 1.116,77€ em nome de F.
15. Do extrato bancário do Condomínio referido em 14. não consta qualquer transferência em nome da Demandada.
16. Na ata n.º 23 do dia 08.03.2016 – para a qual a Demandada foi convocada por carta de 24.02.2016 e onde esteve presente - foi apresentada e analisada pela assembleia de condóminos a situação dos devedores de quotas ordinárias/extraordinárias de condomínio até 31.12.2015 onde consta a fração da Demandada como devedora da “quota suplementar imp. e pintura” no valor de 464,45€, com vencimento em 04.07.2010.
17. Na assembleia referida em 16., os condóminos mandataram a Demandante para intentar contra os devedores as respetivas ações em tribunal para cobrança dos montantes em divida.
18. Após receção da citação nos presentes autos, em julho de 2017, a Demandada e I, deslocaram-se ao escritório da Administradora do Demandante para uma reunião que não ocorreu por falta de comparência do legal representante daquela.
19. A B - Gestão de Condomínios e Serviços, Unip. Lda, emitiu em 19.07.2017 com vencimento em 18.08.2017, a fatura n.º 566 ao Condomínio Demandante relativa a “todas as despesas com o processo e sua organização” no valor de 244,00€.
20. A presente ação deu entrada em juízo no dia 24.07.2017.
21. A Demandada não efetuou o pagamento da quota suplementar imp. e pintura, no valor de €464,45 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos).
22. O Demandante anulou o recibo referido em 7, em data não concretamente apurada.
23. O Demandante enviou à Demandada o aviso de cobrança datado de 12.07.2017 no valor de 464,45€, com data de emissão 04.05.2010 e vencimento em 04.07.2010.

FACTOS NÃO PROVADOS
24. O Demandante teve despesas de organização com o presente processo no montante de 244,00 (duzentos e quarenta e quatro euros.
Os factos dados como provados em 1 a 23 assim foram considerados atendendo à prova documental junta pelo Demandante e pela Demandada aos autos e à prova testemunhal por ambos apresentada. Pelo Demandante foi indicada como testemunha J. Pela Demandada foram indicadas como testemunhas K e I.
Os factos 3 e 4 pese embora não tenham nos autos suporte documental, não foram impugnados pela Demandada, que confirmou a aprovação de uma quota extra e que a si cabia o pagamento do valor de 1.039,31€.
Ouvido nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, o legal representante da Administradora do Demandante, C explicou que no dia 07.07.2011 receberam na conta extrato do Condomínio uma transferência bancária em nome de um senhor de apelidos “F” e nomes próprios F que apuraram morar no mesmo condomínio, mas num bloco diferente da Demandada, o Bloco C. Atendendo ao apelido “L” a Administração anterior tomou por certo que se tratava de uma transferência feita por alguém da família, que poderia ser marido da Demandada D e por isso emitiram em seu nome o recibo. Confirmou que emitiram dois recibos em nome da Demandada, relativos à fração F, Bloco A, 3.º frente que foi sua propriedade até junho de 2016.
Explicou que perante o email de resposta da Demandada (à carta que recebeu da Advogada do Demandante) tendo-lhe esta enviado em anexo os recibos e verificando-os, uma vez que à data da transferência pelo condómino M não era ainda Administrador, de boa fé, respondeu-lhe que nada era devido.
Mais referiu que onde consta no recibo emitido (n.º 2266) “documento” se alude ao extrato bancário da conta do Condomínio Demandante, onde foi constatado o pagamento.
Quando perceberam o equívoco relativamente ao condómino M, depois de terem verificado que o mesmo constava no extrato bancário da conta do condomínio, corrigiram a situação internamente e anulando o recibo 2266 emitido à Demandada, foi emitido um recibo a M por ser ele de facto o ordenante da transferência e não aquela. Não soube assegurar que nessa altura tenha sido comunicado à Demandada a anulação do recibo. Explicou que só em 2015 começou a exercer funções de Administrador do Condomínio Demandante.
Ouvida nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, a Demandada D afirmou que fez dois pagamentos ao Condomínio Demandante, um por transferência bancária e um outro que pensa ter sido em dinheiro, mas que por ter sido há muitos anos já não se recorda. Posteriormente esclareceu que a transferência bancária foi feita de uma sua conta que já não se encontra ativa e o pagamento em dinheiro foi feito no escritório da Administradora do Demandante, não se lembrando com quem falou na altura desse pagamento. Adiantou que os recibos dos dois pagamentos que fez lhe foram deixados no correio. Acrescentou que quando recebeu a carta da Mandatária da Administradora do Condomínio, enviou ao legal representante da Administradora por email os recibos e que este lhe enviou um email a confirmar que nada era devido, pedindo desculpa.
Mais referiu que em 2017, quando recebeu a citação dos presentes autos ligou ao legal representante da Administradora e combinaram uma reunião que este quinze minutos antes cancelou e reagendou para o período da tarde, a que o mesmo não compareceu sem qualquer explicação. Acrescentou que questionou a funcionária da Administradora do Demandante que se encontrava no escritório desta sobre a razão de nunca lhe ter sido comunicado nada se tinha existido um erro, ao que esta lhe terá dito que o recibo tinha sido anulado mas que desconhecia o motivo. Afirmou que pediu a essa mesma funcionária para ver no computador se havia alguma nota de dívida, tendo-lhe aquela respondido que não o podia fazer porque o programa não lhe dava essa indicação.
Explicou que fez duas transferências de 500,00€, tendo consciência que ficaram em dívida cerca de 9,00€.
O Tribunal valorou o depoimento da testemunha da Demandante, J, funcionária da sua Administradora desde 2007, escriturária, que referiu conhecer a Demandada. Disse recordar-se bem da situação em causa nos autos sendo que em 2011 foi emitido um recibo em nome da Demandada, atendendo a que o nome que constava na transferência era M. Que posteriormente receberam no escritório um email do condómino F e verificaram no extrato bancário do Condomínio o lapso cometido, uma vez que o referido senhor tinha feito dois pagamentos e que tinham emitido o recibo relativo (2266) a um desses pagamentos em nome da Demandada. Que em consequência desse lapso, anularam o recibo 2266 e emitiram um novo ao condómino que efetivamente fez a transferência e constava no extrato bancário. Posteriormente as senhoras que fazem a limpeza deixaram na caixa do correio da Demandada a comunicação de ter sido anulado o recibo, como é habitual em relação aos condóminos que residem no edifício. Que em relação aos que não vivem no edifício enviam cartas simples.
Mais acrescentou que depois de anular o recibo, emitiu e enviou um aviso cobrança à Demandada através das senhoras da limpeza o que fez várias vezes, pelo menos nos anos de 2011, 2012 e 2017, não ficando com comprovativo de o ter feito.
Esclareceu que nos recibos se menciona sempre a forma de pagamento das quotas, - numerário, transferência, cheque ou multibanco - e que se o condómino se deslocar ao escritório para pagar de imediato é-lhe entregue o recibo, assinado por quem o emitiu. Acrescentou que em 2011 estavam duas funcionárias a trabalhar no escritório da Administradora, ela própria e outra colega. Explicou que quando se procede à anulação de um recibo ele deixa de aparecer automaticamente na sequência dos recibos e que por essa razão neste momento no sistema passa do recibo 2265 para o 2267, facto que o tribunal verificou nos documentos que o Demandante juntou. Mais referiu que quando anula um recibo, volta a emiti-lo e escreve por baixo “anulado”, explicando o motivo, facto que o Tribunal constatou no documento junto aos autos.
Quanto ao condómino que terá efetuado a transferência bancária e que deu origem ao lapso por parte da contabilidade da Administradora do Demandante, referiu que tem o nome de M, no entanto o lapso foi ainda mais reforçado porquanto o condomínio da fração deste se encontra em nome da esposa e que não tem no seu nome o apelido “L”. Que relativamente a esse condómino os recibos eram emitidos em nome da esposa e não dele, sendo a primeira vez que era ele quem fazia a transferência, sendo que nesta parte o depoimento da testemunha não resultou corroborado pelos documentos juntos, desde logo porque no extrato de conta bancária do Demandante resultam em nome do condómino M mais do que uma transferência.
Confirmou saber que a Demandada depois de entrar a presente ação em tribunal se dirigiu, acompanhada de um senhor, ao escritório da Administradora do Condomínio Demandado, tendo-lhe a testemunha explicado que procederam à anulação do recibo, mostrando-lhe no extrato bancário o nome de M que nele constava e o facto de terem pensado que seria marido da Demandada. Que nesse dia a Demandada se mostrou chateada com a situação uma vez que tinha já falado com o legal representante da Administradora do Demandante e que lhe havia enviado por email o recibo que tinha em sua posse.
Confrontada com o documento 4 junto com o requerimento inicial referiu que o mesmo tinha sido emitido em 12.07.2017, não sabendo explicar porque razão tinham só cópia deste último aviso que juntaram aos autos, porque nunca fizeram arquivo dos avisos de cobrança.
Confrontada com os recibos emitidos em nome da Demandada em 2010 e 2011, e que constam nos autos, reconheceu a rubrica como sua, não tendo ideia de a Demandada ter pago qualquer um deles em dinheiro.
O Tribunal valorou parcialmente o depoimento da testemunha da Demandada e sua irmã, K. Referiu ter tido conhecimento de que terá existido um problema no ano de 2015. Soube do assunto porque a irmã lhe ligou nesse ano, em mês que não recorda, muito indignada porque lhe pediam um valor que tinha já pago e que tinha a certeza de o ter feito. Que a Demandada lhe mostrou os recibos que constam nos autos e que diziam respeito a 1.000,00€ cujo pagamento fez em duas vezes relativa a uma obra de reparação de uma parede exterior da fração de que era proprietária. A testemunha mostrou-se confusa relativamente aos anos em que terão ocorrido os pagamentos ou como terão chegado os mesmos à posse da Demandada. Revelou também ausência de conhecimento quanto à forma de pagamento, dizendo que um foi em numerário, mas não sabendo no entanto esclarecer se foi o primeiro ou o segundo ou qual o montante, sendo certo que aquilo que sabe lhe foi dito pela irmã em 2015. Explicou ao Tribunal de forma pouca assertiva que a Demandada tinha recebido uma carta e um email da Administradora do Demandante, não sabendo precisar as datas, tendo depois afirmado que foi há cerca de um ano. Posteriormente referiu que não conseguiu perceber bem aquilo de que a Demandada lhe falava no telefonema que lhe fez em 2015 e que a questionou sobre se o Condomínio tinha provas de ter sido um erro, tendo-lhe esta dito que nunca recebeu qualquer email ou carta, facto que foi infirmado pela própria Demandada. Novamente questionada a instâncias da Mandatária do Condomínio Demandante referiu que há cerca de um ano, a Demandada recebeu uma carta e trocou emails com a Administração daquele. Afirmou desconhecer se a Demandada pagava em dinheiro ou por transferência mas depois afirmou que um deles foi pago em numerário através de um dinheiro que tinha de reserva.
O Tribunal valorou o depoimento da testemunha da Demandada, I, seu namorado na altura dos factos e agora seu amigo. Referiu ter conhecimento pessoal da situação em causa nos autos porque em 2010 e em 2011 namorava com a Demandada. Asseverou que nunca viu a Demandada pagar nada relativamente ao Condomínio mas que do que dela conhece sabe que cumpre os seus compromissos nas datas em que tem de o fazer. Referiu ainda que a Demandada fazia os pagamentos ao Demandante por transferência bancária e que relativamente à situação em causa nos autos a Demandada lhe disse que um dos pagamentos foi feito ou por cheque, ou por transferência e outro em numerário. Explicou que na altura dos factos a Demandada andava a fazer obras na sua fração porque a Administradora não resolvia essas situações, estando aquela bastante chateada com o Condomínio. Entretanto em 2015 a Demandada recebeu uma carta da Mandatária do Demandante com a indicação de existir uma dívida de 500,00€ e que de imediato lhe pediu ajuda para ver a situação, designadamente para a ajudar a procurar recibos que encontraram em papel na casa desta. Disse desconhecer de que forma esses recibos chegaram à posse da Demandada, se por email ou por carta. Que na sequência desse pedido ajudou a Demandada a elaborar um email à atual Administração do Demandante fazendo-o acompanhar com os recibos em anexo. Referiu ainda que a Administração, nessa altura, respondeu ao email da Demandada referindo que nada era devido. Confrontado com os emails que se encontram juntos aos autos, confirmou-os.
Referiu que após rececionar a citação deste Tribunal, em julho de 2017, foi a pedido da Demandada agendada uma reunião com o legal representante da Administradora do Condomínio Demandante, tendo-a acompanhado ao escritório desta, tendo aquele faltado e que tendo reagendado para o período da tarde, persistiu na não comparência. Que na altura a funcionária da Administradora, que identificou como sendo a testemunha Mónica, a quem exibiram os dois recibos que a Demandada tinha, lhes disse que foi cometido um lapso por parte do escritório e que tinham confundido os apelidos com as frações, sendo que o pagamento dos 500,00€ tinha sido feito pelo Sr. M. Referiu que perante a resposta da funcionária a confrontaram com o facto de nunca lhes ter sido enviada qualquer notificação a comunicar o lapso. Nesse mesmo ato pediram-lhe que mostrasse o recibo emitido ao Sr. M e um eventual aviso de cobrança de dívida ao que esta lhes terá referido que na altura não trabalhava para a empresa (afirmação que foi infirmada quer pelo legal representante, quer pela testemunha J) e que o software não permitia verificar se a nota de dívida foi emitida. Explicou que a funcionária da Administradora da Demandante lhes disse que não havia qualquer novo recibo em nome da Demandada uma vez que não havia registo de qualquer pagamento em nome desta nessa data.
Afirmou perentoriamente desconhecer qual dos dois recibos foi anulado pelo Demandante. Explicou que a Demandada lhe disse em 2015 que já não tinha a certeza de como tinha feito os pagamentos, que já não se lembrava bem da situação, - sendo certo que na audiência de julgamento, em 2018, a Demandada afirmou ter sido em dinheiro – tendo-lhe dito nada devia ao Condomínio.
Asseverou ainda ao Tribunal que a Demandada teve vários problemas na sua fração em 2010 e 2011 e que perante a passividade da Administradora do Condomínio, foi ela própria quem custeou as obras.
Referiu que ficou perplexo pelo facto de não ter existido por parte da Administradora qualquer outro contacto desde 2015 e que só tiveram conhecimento que o recibo foi anulado após ter sido citada a Demandada para a presente ação (o que foi infirmado pelo facto de existir um ata de 08.03.2016 onde a Demandada esteve e que confirmava uma dívida relativa à fração desta que é peticionada nos presentes autos).
A instâncias da Mandatária do Demandante, afirmou desconhecer qual era o valor total da quota extra em causa ou em quantas prestações teria de ser feito o pagamento. Referiu ainda desconhecer onde, quando, em que valor ou como foi feito o pagamento em numerário pela Demandada. Acrescentou que normalmente a Demandada procedia ao pagamento das quotas de condomínio através de transferência bancária, sabendo que os recibos lhe eram entregues por carta na caixa do correio (sendo que em momento anterior referiu não saber como haviam os recibos referidos em 6. e 7. dos factos provados à posse da Demandada).
Concatenada toda a prova, o Tribunal ficou convencido de que o Demandante em 19.07.2011 emitiu, através da então sua Administradora, recibo em nome da Demandada pelo facto de ter laborado em erro quando constatou uma transferência em 07.07.2011 em nome de um outro condómino – F - com o mesmo apelido que reputou como podendo ser seu marido ou familiar. Quando constatou por interpelação do referido condómino que havia sido este quem transferiu o montante de 500,00€ em 07.07.2011, a Administradora anulou o recibo 2266 que havia emitido em nome da Demandada. Tendo constatado que se encontrava em dívida o valor de 500,00€ atendendo à anulação do recibo, através da sua Mandatária, a Administradora do Demandante dirigiu uma carta de interpelação à Demandada. Sendo confrontada com os recibos que a Demandada lhe enviou por email em 05.12.2015 e que alegadamente confirmavam que os pagamentos tinham sido feitos por esta, o legal representante do Demandante – que à data dos pagamentos ainda não exercia tal função – confirmou-lhe que nada estava em dívida.
Sucede que, tal como resulta da ata n.º 23 de 08.03.2016, a Demandada esteve presente (e consta da lista de presenças a fls. 46) e nessa medida terá tido necessariamente conhecimento pelo menos nessa data que continuava a ser-lhe imputada uma dívida pelo Demandante, a quota em causa nos presentes autos, de 464,45€. Não pode colher assim o argumento da Demandada de que desde que recebeu o email de 2015 da Administradora do Demandante a confirmar os pagamentos nunca mais soube de qualquer problema com o recibo em causa (o n.º 2266). Por outro lado, antes de dar entrada da presente ação o Demandante enviou à Demandada, em 12.07.2017 um aviso cobrança relativo à quantia da quota de 464,65€, que tanto a Demandada como as testemunhas Mónica e João confirmaram serem normalmente deixados na caixa do correio.
Ficou o Tribunal convencido que tendo recebido o recibo 2266 a Demandada não procedeu ao pagamento da quantia por si devida e peticionada nos autos, convicção que sai reforçada pelo facto de a Demandada afirmar que fez o pagamento em dinheiro e no recibo n.º 2266 constar como meio de pagamento transferência e pelo facto de a testemunha I afirmar que à data do alegado pagamento da quota extra a Demandada estava desavinda com a na altura Administradora do Condomínio Demandante devido a problemas na fração desta em relação aos quais aquele não se responsabilizava o que obrigou a obras custeadas pela própria Demandada.
O facto dado como não provado em 24 assim foi considerado atenta a falta de prova a quem ela incumbia, no caso ao Demandante. Efetivamente resulta dos autos a fatura n.º 566 emitida ao Demandante pela sua Administradora em 19.07.2017 e com vencimento em 18.08.2017. No entanto não resultou produzida qualquer prova, documental ou testemunhal (sendo que a testemunha indicada pelo Demandante não se referiu a qualquer pagamento a esse título) que comprovasse o pagamento da mesma pelo Demandante.
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VII – ENQUADRAMENTO JURÍDICO LEGAL
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
O Demandante peticiona, entre o mais, a condenação da Demandada no pagamento do montante €464,65 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos) acrescida de €260,29 (duzentos e sessenta euros e vinte e nove cêntimos) correspondentes a juros de mora.
A presente ação funda-se no alegado incumprimento de uma obrigação por parte da Demandada, enquadrando-se, em termos de competência material deste Tribunal, na al. c), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.
O n.º 1 do artigo 1420.º do Código Civil, relativo à propriedade horizontal, define que condómino é o proprietário exclusivo da fração e comproprietário das partes comuns.
É função do administrador de condomínio, entre outras, cobrar receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, conforme previsto no artigo 1436.º, alíneas d) e e) do Código Civil, enquadrando-se nessa categoria as quotas ordinárias e extraordinárias de condomínio, a pagar por cada condómino.
Resulta da matéria de facto provada que pela AP. 1917, de 14.06.2016, foi registada na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial e Automóveis de Elvas, sob a descrição predial subordinada número 673/-º------------J a aquisição da fração autónoma localizada no 3.º andar, Bloco A, com estacionamento -- localizado a norte do estacionamento n.º --, sita na --------------- Caniço, a favor de E, sendo sujeito passivo a Demandada, pelo que à data da aprovação da quota extra que se mostra peticionada e provada nos presentes autos, a Demandada era proprietária de referida fração.
Por outro lado, decorre do n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil que os condóminos estão obrigados a concorrer para as despesas necessárias à gestão, fruição e conservação das partes comuns do edifício na proporção do valor das suas frações. Conforme se entendeu, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (processo 6723/2008-6, em www.dgsi.pt) “os condóminos (…) têm a obrigação irrenunciável de comparticipar nos encargos decorrentes da conservação e fruição das partes comuns, bem como relativos ao pagamento de serviços de interesse comum, ou seja, não se podem escusar ou recusar o cumprimento desse dever jurídico, quer em termos totais como parciais.”
No caso sub judice, os condóminos do prédio em causa deliberaram as contribuições devidas a cargo da Demandada nos termos do orçamento aprovado. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto Lei 268/94, de 25.10, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções.
Dos factos provados resultou que o Demandante emitiu e entregou à Demandada o recibo n.º 1895 datado de 21.07.2010 com a descrição “quota suplementar imp. e pintura (Pag. Parcial)”, no valor de 500,00€, emitido em 18.06.2010, fazendo-se menção quanto ao modo de pagamento “transferência” e emitiu e entregou à Demandada o recibo n.º 2266 datado de 19.07.2011, com a descrição “quota suplementar imp. e pintura (Pag. Parcial)”, no valor de 500,00€, emitido em 07.07.2011, fazendo-se menção quanto ao modo de pagamento “transferência”, sendo ambos os recibos relativos à fração de que esta era à data proprietária.
Mais resultou provado que no dia 07.12.2015, pelas 11h50, a atual Administradora do Demandante, através do seu legal representante Jorge Martins, respondeu ao email da Demandada, esclarecendo que não havia qualquer valor em dívida e pedindo-lhe desculpa.
Por outro lado, resultou da matéria de facto provada que no dia 23.07.2011 pelas 2h26pm, o condómino F enviou email à B (G), onde refere o envio de comprovativo de transferência da quota extraordinária para as obras do prédio e solicita a confirmação da transferência no valor de 500,00€ e de 1.116,77€, num total de 1.616,77€ o que foi confirmado através do extrato da conta bancária do Demandante. Acresce que no dia 25.07.2011 pelas 06:03:11 a Administradora do Demandante questionou o condómino F se a transferência da quantia que este transferiu se referia à fração Bloco C, 2.º esquerdo de H e que no dia 27.07.2011 pelas 12h04pm, o condómino F enviou email à B, pedindo a confirmação da transferência do valor de 1.616,77€. Nessa sequência, em 23.11.2015, a Mandatária do Demandante enviou uma carta à Demandada dando-lhe prazo para pagar 500,00€ e, posteriormente, perante o envio pela Demandada dos recibos que constam nos autos, a Administradora do Demandante afirmou que tudo já estaria liquidado, pedindo desculpa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há-de ser demonstrado pelo devedor. Uma das formas de cumprimento é o pagamento, competindo assim ao devedor, o ónus de provar tal facto.
Dispõe o artigo 787.º do Código Civil, que, quem cumpre a obrigação, tem direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, podendo recusar o pagamento enquanto a quitação lhe não for dada ou exigir esta mesmo depois de pagar.
No caso dos autos a Demandada tem na sua posse dois recibos que foram emitidos em seu nome.
Estamos assim perante a presunção de cumprimento prevista no artigo 786.º nº 3 do Código Civil, pelo que incumbia ao credor – o Demandante - o ónus de provar que a obrigação não se extinguiu, sendo que esta norma dispõe que “A entrega voluntária, feita pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem como do fiador e do devedor principal se o título é entregue a algum destes”.
Na verdade, tem sido entendido pela jurisprudência que uma coisa é a quitação ou recibo, documento particular onde o credor declara que recebeu a prestação, outra, distinta, é o título original do crédito, que é o documento necessário para exercer o direito literal e autónomo nele mencionado, sendo que não equivalendo o recibo ao título original do crédito, não se aplica no caso o disposto no citado artigo.
Como foi decidido no Acórdão do STJ de 16.10.2008 (www.dgsi.pt) “Fora das presunções previstas no artigo 786.º do Código Civil, o valor probatório da quitação é o do documento onde está consubstanciada. Estando consubstanciada em documento particular, a exactidão do respectivo conteúdo escapa sempre à prova plena”.
Resulta que atenta a matéria de facto apurada, mesmo que se aplicasse o disposto no n.º 3 do artigo 786.º do Código Civil sempre estaria ilidida tal presunção, no sentido de apenas estar parcialmente cumprida a obrigação em causa.
Desde logo tal resulta da conjugação da prova testemunhal, das declarações do legal representante da Administradora do Demandante, C e do depoimento da testemunha J com a prova documental junta aos autos, em concreto a ata n.º 23 de 08.03.2016, em cuja assembleia esteve presente a Demandada e os emails dirigidos à Administradora do Demandante pelo condómino F.
O que está verdadeiramente em causa é a força probatória da quitação exarada no recibo nº 2266 junto pela Demandada, à qual a lei não confere um valor probatório especial.
Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 16.10.2008 (www.dgsi.pt) “no regime geral, relativo aos documentos, a força probatória da quitação, despindo-a de força relativamente à inversão do ónus de prova. Nem sequer tem a força, por si só, de, sendo contestado o pagamento, levar o juiz à dúvida a que alude o artigo 346.º do CC".
Repousando no valor probatório do documento onde está consubstanciada, valem, consoante os casos, os artigos 371.º, 372.º, 376.º e 377.º. do Código Civil.
Estando em causa nos autos a emissão de um recibo que constitui um documento particular, rege quanto à sua força probatória o artigo 376.º do Código Civil. Como resulta do Acórdão citado do STJ “ há que distinguir a prova de que o documento procede das pessoas a quem é atribuído e a prova de que as declarações nele constantes correspondem à realidade. A primeira aqui não nos interessa porque não se duvida que as quitações provêm da autora. Quanto à segunda, há que distinguir as declarações contrárias aos interesses do declarante da que o não são. Aquelas, sempre considerando que a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão, consideram-se plenamente provadas”.
Estando dado como facto provado que a Administradora do Demandante e em representação deste, emitiu e entregou à Demandada o recibo n.º 2266 tal documento pode entender-se que faz prova plena no que respeita às declarações contrárias aos interesses do declarante, sem prejuízo da indivisibilidade de tais declarações.
Conforme se decidiu no mesmo Acórdão do STJ “Este regime de prova plena não veda que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coacção, simulação, etc.) (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525, Manuel de Andrade, NEPC, 232)”. Neste mesmo sentido o Acórdão do TRC de 3.06.2014 (www.dgsi.pt).
Conclui-se assim que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exatidão do conteúdo destas, podendo, quanto a esta, o autor do documento produzir livremente prova. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008.
Conforme resultou da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal através da livre apreciação da prova produzida em audiência, designadamente testemunhal, aquilatou das circunstâncias em que foi emitido e entregue à Demandada aquele documento (recibo n.º 2266) e concatenada a prova resultou que a quantia a que se refere o mesmo foi paga por terceiro – o condómino M - que não a Demandada, tendo a sua emissão e envio resultado de um erro de análise contabilística por parte da Administração do Demandante.
Resultou sobejamente provado que na data em que foi emitido o recibo n.º 2266 (07.07.2011) o condómino M transferiu para a conta do Demandante a quantia de 500,00€, sendo que pelo facto de terem apelido igual, a Administradora do Demandante concluiu tratar-se de pagamento feito pela Demandada e emitiu, laborando em tal lapso, o recibo no nome desta.
Pelo exposto tem necessariamente de proceder a condenação da Demandada no pagamento ao Demandante do montante €464,65 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos).
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Peticiona ainda o Demandante o pagamento de juros de mora vencidos desde 04.07.2010 e vincendos à taxa legal máxima até efetivo e integral pagamento, indicando taxas de juros comerciais nos cálculos que opera relativamente aos juros vencidos.
Conforme resulta do artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para pagar. Por outro lado o n.º 2, alínea a) do mesmo diploma estabelece que há mora do devedor independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
Resulta do aviso de cobrança enviado à Demandada e que se encontra junto aos autos (fls. 78), emitido em 04.05.2010, que a quota suplementar tinha vencimento em 04.07.2010.
No que respeita à taxa de juro, vem o Demandante peticionar o pagamento de juros à taxa de juros comerciais.
Ora, não obstante a Administradora do Demandante, atenta a sua natureza, ser comerciante, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 2 do Código Comercial, certo é que não resulta ser tal a qualidade da Demandada.
Acresce que, a parte na ação não é a Administradora do Demandante, mas o próprio, que não tem a qualidade de comerciante, e a obrigação da Demandada não resulta que qualquer ato de comércio, sendo antes e apenas uma obrigação decorrente da sua qualidade de proprietária.
Pelo exposto, o Demandante apenas tem direito ao pagamento de juros civis, à taxa de juro legal de 4%, vencidos e vincendos, contados a partir desde a data do vencimento da quota extraordinária em dívida até integral pagamento (04.07.2010).
Pelo exposto, sobre a quantia em dívida são devidos juros moratórios, à taxa legal de juros civis e contados desde a data de vencimento da quota extraordinária em dívida (04.07.2010) até efetivo e integral pagamento.
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Mais peticiona o Demandante a condenação da Demandada na quantia de 244,00€ a título de despesas com o presente processo, para tanto junta uma fatura (n.º566) com vencimento em 18.08.2017, emitida pela sua Administradora em seu nome, constando na descrição “todas as despesas com o Processo e sua organização”.
Atendendo a que por força do disposto no artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente nos Julgados de Paz, poderia ponderar-se enquadrar o peticionado no âmbito dos artigos 529.º n.º 4 e 533.º do Código de Processo Civil, onde se encontra previsto que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, discriminando-se no n.º 2 deste ultimo normativo as despesas que se integram nas custas de parte e na alínea a) prevendo-se em concreto as taxas de justiça pagas.
O mesmo se diga quanto ao disposto no artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, que dispõe no “1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa.
Estaríamos assim no campo das custas de parte, que deveriam ser suportadas pela Demandada, após o envio da respetiva nota discriminativa, sendo certo que sempre seria necessária a prova do valor pago o que não sucedeu nos autos juntando o Demandante apenas uma fatura com vencimento em 18.08.2017 e não o comprovativo de ter sido tal fatura paga, sendo que nem o legal representante da Administradora do Demandante, nem a testemunha por si indicada confirmaram qualquer pagamento a título de despesa com o processo.
Por outro lado, os Julgados de Paz têm uma lei própria quanto a custas, a Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, onde as custas correspondem a uma taxa fixa de 70,00€ por cada processo tramitado, não prevendo outro valor, nem custas de parte.
E será nos termos da Portaria citada, que as custas serão fixadas na presente sentença, não tendo aplicação o Regulamento das Custas Processuais, improcedendo nesta parte o pedido.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas serão suportadas pelo Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento na proporção respetiva de 40% e 60% (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho - e artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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IX- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente procedente, e em consequência decido:
1. Condenar a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €464,65 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos) a título de quota extraordinária;
2. Condenar a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de juros moratórios calculados sobre a quantia referida em 1., à taxa legal de juros civis e contados desde a data de vencimento da quota extraordinária (04.07.2010) até efetivo e integral pagamento.
3. Condenar o Demandante e a Demandada nas custas do processo na proporção do seu decaimento que se fixa em 40% e 60% respetivamente.
4. Absolver a Demandada do demais peticionado.
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Em relação ao Demandante, proceda-se em conformidade com o artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, devolvendo-se a quantia de 7,00€ (sete euros).

Deverá a Demandada liquidar a quantia de 7,00€ (sete euros) no prazo de 3 (três) dias úteis após conhecimento da presente decisão e comprová-lo nos autos, sob pena de aplicação de sobretaxa de 10,00€ diários (artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12).
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Registe e notifique.
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Funchal, 21 de maio de 2018

A Juíza de Paz

Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)