Sentença de Julgado de Paz
Processo: 114/2017-JPBBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 12/21/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE A, na qual são herdeiras e únicas interessadas B e C;
Interveniente Principal: D;
Demandada: HERANÇA DE E na qual são herdeiros e únicos interessados F e G;
Interveniente Principal: H.

OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea e) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo que a mesma seja julgada procedente e que se declare por sentença e se condene a Demandada a reconhecer que:
A) Declarar a demandante única possuidora e legítima proprietária do prédio identificado no artigo 8º a que corresponde um prédio rústico, composto de terra de semeadura com oliveiras, a confrontar de norte com Estrada, a sul com urbano do próprio, a poente com herança aberta por óbito de PSS e a nascente com Herdeiros de JF, sito no X, da União de Freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila, com a área de 671 m2, por o haverem adquirido por USUCAPIÃO;
B) Ser ordenado o cancelamento no 2º serviço de Finanças de Coimbra, da inscrição matricial que se mostre incompatível com o pedido atrás formulado; Ser ordenada a inscrição predial a favor da Demandante do prédio rústico melhor identificado em a).
Regularmente citada, através dos seus representantes herdeiros, a Demandada não contestou, mas estiveram aqueles presentes na audiência de julgamento.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
Valor da ação: € 16,08

FACTOS PROVADOS:
A. Demandante e demandada são donas e legítimas proprietárias de um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo XXXº da união de freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila, descrito na Conservatória de Registo Predial de Coimbra, sob o n.º XXX, composto de terra de semeadura com oliveiras, a confrontar de norte com Herdeiros JF, a sul com ASC, a poente com JO e a nascente com estrada, prédio este sito no Outeiro;
B. Este prédio rústico adveio à posse dos casais dissolvidos por óbito por partilhas verbais feitas entre aquela falecida A e E, sua irmã;
C. Há mais de 40 anos, as acima citadas irmãs A e E, procederam à ocupação de duas parcelas, individualizadas, desde sempre separadas por um caminho e muro, como se de dois prédios rústicos se tratassem, sendo que o prédio da demandante tem a área de 671 m2;
D. Da inscrição matricial do prédio consta que o mesmo tem a área total 2.160,00 m2, o que não corresponde à realidade porquanto a área total é de 1.550 m2;
E. Não tendo o referido prédio sofrido alterações, quer em termos de limites, quer em termos de configuração, a não ser as resultantes da divisão infra alegada;
F. O casal dissolvido por óbito do marido e pai das representantes da aqui demandante, e mãe dos demandados, em data que não podem precisar, mas há mais de 45 anos, procederam à divisão física e demarcação do prédio actualmente em duas parcelas, sendo que o prédio rústico da demandante tem a referida área de 671 m2;
G. Há mais de 45 anos que aqueles E, e agora esta e a filha (herdeiras e únicas interessadas) vêm plenamente possuindo e usufruindo tal prédio rústico, com exclusividade, atuando, em geral, por forma e com os poderes correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre esse bem imóvel;
H. Dele extraindo todas as utilidades e benefícios que o mesmo pode proporcionar;
I. Designadamente, vigiando-o, cuidando-o, chamando-o e dizendo-o coisa sua, gozando, enfim, o respectivo e correspondente direito real;
J. Por ele transitando sempre que lhes apraz;
K. Sendo que, quer os vizinhos, quer os representantes da demandada têm assistido sempre a cultivo de diversos produtos hortícolas por aqueles, colhendo estes os frutos dos mesmos;
L. Tudo em seu proveito próprio e exclusivo, sem qualquer oposição ou intromissão de quem quer que seja;
M. À vista de toda a gente, de forma pacífica e pública;
N. Na firme convicção de estar a exercer um seu direito próprio e exclusivo.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

II - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 9 a 24, 54 a 60 e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Assim, teve-se em conta o depoimento, sério e credível, da testemunha I, de 74 anos, indicada pela Demandante, que conhece o local, tendo demonstrado conhecimento direto dos factos relativos à divisão operada do prédio rústico, objeto do litígio, e das respetivas confrontações com prédios vizinhos.
Quanto às declarações da segunda testemunha – J, de 64 anos, indicada também pela Demandante, também foram valoradas na íntegra por demonstrar ter ciência relevante sobre a factualidade descrita, com descrição pormenorizada das confrontações e atos de posse praticados pelas antepossuidoras do prédio rústico.
Por último, foi ouvido L, de 48 anos, indicado pela Demandante e autor do levantamento topográfico dos autos, que explicou com rigor os limites das parcelas em discussão e os sinais distintivos de demarcação das mesmas.

III - O DIREITO
Estipula o Art. 1316º do Código Civil, adiante designado de C.C., que “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”. Nos termos do previsto no Art. 1287º do C.C., “a posse do direito de propriedade (…), mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”.
A usucapião constitui, portanto, um modo de aquisição originária que, através da posse, permite adquirir a titularidade de um determinado direito real. Todavia, a posse em questão terá de reunir determinadas características por forma a conduzir ao ingresso do direito de propriedade, ou de outro direito real, numa dada esfera jurídica. Com efeito, a relação possessória é uma relação material permanente e duradoura e, assim, os factos que a integram têm de ser exercidos de modo a que se possa concluir que aquele que os pratica pretende sobre a coisa um poder permanente. Deste modo, melhor se compreende o estatuído no supra referido Art. 1287º e os três requisitos cumulativos nele estipulados: uma posse efetiva (atual, existente); posse essa mantida por certo lapso de tempo e uma atuação do possuidor correspondente ao exercício do direito real cuja aquisição pretenda.
Logo, a posse que ganha relevo é aquela que se traduz num poder de facto que se manifesta quando alguém (não titular do direito) atua por forma correspondente ao exercício de um direito real de gozo – vide Art. 1251.º, devendo, também, ser uma posse pública e pacífica, com decurso de certo lapso de tempo e com a existência não só de corpus (o elemento material, ou seja, a prática de atos sobre a coisa) mas também de animus (o elemento psicológico, ou seja, a intenção de agir como titular do direito real correspondente àqueles atos).
No que diz respeito à posse de imóveis, “Existe (…) com as características próprias e com os requisitos precisos para conduzir à usucapião, quando do adquirente dela se pode dizer que procedeu em tudo como um proprietário” – vide Ac. do STJ, de 17.07.1979, publicado no BMJ Nº 289, de 1979, pág. 319.
Vejamos, então, se a Demandante logrou demonstrar que o prédio rústico, referido no artigo 1º do RI, foi dividido, materialmente, em duas parcelas, autónomas e distintas, e que, em relação a uma delas, por determinado lapso de tempo e de acordo com a posse exercida por eles, foi objeto de aquisição originária por via da usucapião.
Atenta a matéria dada como provada, verifica-se a reunião, a favor da Demandante, dos pressupostos do instituto da usucapião, nos termos em que o C.C. o disciplina e que foram atrás referidos.
Com efeito, atendendo ao modo da aquisição, a posse da Demandante foi adquirida nos termos da alínea b) do Art. 1263º do Código Civil (adiante designando de C.C.).
É uma posse não titulada, que nos termos do n.º 2 do Art. 1260º do mesmo diploma, se presume de má fé, presunção essa que foi ilidida, provando-se que os possuidores supunham que havia título e ignoravam, ao adquiri-la, que lesavam o direito de outrem, nos termos do n.º 1 do Art. 1260º do C.C..
Tal posse é, ainda, pacífica e pública, de acordo com os Arts. 1261º e 1262º do C.C., respetivamente, uma vez que os antepossuidores e as representantes da Demandante praticaram todos os atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre a parcela daquele prédio rústico, Dele extraindo todas as utilidades e benefícios que o mesmo pode proporcionar, designadamente, vigiando-o, cuidando-o, chamando-o e dizendo-o coisa sua, gozando, enfim, o respectivo e correspondente direito real, por ele transitando sempre que lhes apraz, cultivando diversos produtos hortícolas, colhendo os frutos dos mesmos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesarem interesses alheios e de forma ininterrupta.
Quanto ao decurso de tempo, verifica-se que a posse da parcela foi exercida pelos antepossuidores e as representantes da Demandante, há mais de 45 anos, o que é condição suficiente, atento o preenchimento dos pressupostos anteriores, para a aquisição do direito de propriedade por usucapião, à luz do consignado no Art. 1296º do C.C..
Face ao exposto, terão de proceder totalmente os pedidos da Demandante.

IV – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo procedente a presente ação e, por consequência, declaro que:
a) O prédio rústico identificado no item A dos Factos Provados tem a área de 1550,00 m2 (mil e quinhentos e cinquenta metros quadrados);
b) A Demandante é dona e legítima proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob parte do artigo xxxº da união de freguesias de Taveiro, Ameal e Arzila (do qual deve ser desanexado), descrito na Conservatória de Registo Predial de Coimbra, sob parte do n.º xxxx (do qual deve ser desanexado), composto de terra de semeadura com oliveiras, a confrontar de norte com Demandada, a sul com ASC, a poente com JO e a nascente com estrada, prédio este sito no Outeiro, prédio que adquiriu por usucapião como prédio distinto e autónomo;
c) Mais ordeno o cancelamento do registo da inscrição a favor da Demandante ali inscrita, mas apenas na parte respeitante à parcela atrás identificada, nos termos dos artigos 8°, 13° e 85 n°l e) e n°2 do Código de Registo Predial, sendo a Demandada dona e legítima proprietária da restante parte do prédio rústico.

Custas pela Demandante, em observância ao disposto na al. a) do n.º 2 do Art. 535º do CPC, devendo proceder ao pagamento da 2ª parcela (€35,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Coimbra, 21 de Dezembro de 2017

A Juíza de Paz,
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Daniela Santos Costa

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pela Signatária. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Coimbra