Sentença de Julgado de Paz
Processo: 47/2018-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS-RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL-CANCELAMENTO DO VOO-CIRCUNSTÂNCIA EXTRAODINÁRIA
Data da sentença: 06/27/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:
A E B, melhor identificados a fls. 3 propuseram, em 5 de março de 2018, contra C TRANSANSPORTES AEREOS -------- S.A também designada -------- ------- , melhor identificada a fls. 3 e 24, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a indemniza-los pelo cancelamento de um voo Lisboa/Sal (Cabo Verde) e sua remarcação para o dia seguinte, na quantia de 1500,00€ (Mil e quinhentos euros) por prejuízos materiais e transtornos sofridos pela perda de um dia de férias.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 3 e 4, que se dá por reproduzido.
Juntou 8 documentos (fls.5 a 16) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada a Demandada, para contestar, no prazo, querendo, esta veio apresentar douta Contestação na qual aceita que o voo previsto para o dia 1 de Dezembro de 2017 foi cancelado e que os passageiros seguiram no dia seguinte, alegando que tal situação se ficou a dever a circunstâncias alheias àquela companhia aérea por falha de abastecimento de combustível do aeroporto do Sal, o que inviabilizava o retorno da aeronave a Lisboa.
Juntou 1 documento que igualmente se dá por reproduzido.
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Cabe a este tribunal:
a) Qualificar o contrato celebrado entre as partes;
b) Decidir se há incumprimento por parte da Demandada e em caso afirmativo, as suas consequências.
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Tendo a Demandada prescindido da fase de Mediação para resolução do litígio foi designada data para a realização da Audiência de Julgamento – 5 de Junho de 2018.
Aberta a Audiência e estando presentes ambas as partes e bem assim o Ilustre Mandatário da Demandada, foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no Art.º 57.º da LJP, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no n.º 1 do Art.º 26.º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, como da respetiva ata se alcança.
A demandada juntou os documentos de fls 83 a 89.
Os demandantes requereram a junção de dois documentos. Fls.59 e 60.

Cumpre apreciar e decidir:
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Valor da ação: 1500,00€ (mil e quinhentos euros)

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os factos admitidos por acordo, porquanto não impugnados ou com alegação coincidente; os documentos juntos pelas partes; as declarações de parte em Audiência de Julgamento na parte em que lhe era desfavorável; o depoimento da testemunha apresentada pela demandada D, que confirmou o teor do documento apresentado pela demanda, explicando-o e relatou as circunstâncias em que o cancelamento do voo ocorreu.
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. Os demandantes adquiriram dois bilhetes de avião á demandada para viajar no voo 1547, no dia 1 de Dezembro de 2017 pelas 21h45m de Lisboa com destino a Sal , Cabo Verde, através da agência de viagens E – cfr. doc. fls. 5 e 59
2. No dia 1 de Dezembro de 2017, já na hora do embarque, foram confrontados com o cancelamento do voo que os levaria ao Sal.
3. O voo foi remarcado para o dia 2 de Dezembro de 2017 (voo TP1549) ás 9h35m, no qual viajaram. (provado por acordo e doc. fls.7)
4. A demandante apresentou reclamação junto da demandada no dia 1/12/2017 pelas 20h05m, por escrito. (cfr. doc. fls 6) pretendendo ser “ressarcida do valor referente ao tempo perdido das férias.”
5. Em 11 de Dezembro de 2017 a demandante apresentou nova reclamação junto da demandada que mereceu resposta em 29 de Janeiro de 2018, declinando qualquer responsabilidade. (doc. fls 10, a 12)
6. Em 5 de Fevereiro de 2018, os demandantes apresentaram reclamação junto da Autoridade Nacional de Aviação Civil, cuja resposta foi remetida via email em 21 de Fevereiro de 2018. (doc. fls 13 a 15)
7. A demandante enviou reclamação em 12 de Fevereiro de 2018 á demandada que manteve a posição anterior. (doc. fls16)
8. Em 30 de Novembro de 2017. a demandada foi notificada pela F Cabo Verde S.A. da rutura de stock de combustível no aeroporto do Sal /Cabo Verde, por constrangimentos operacionais decorrentes da chegada tardia do navio tanker de fornecimento de combustível. (doc. fls 38)
9. O reabastecimento só ficou normalizado no dia 2 de Dezembro de 2017.
10. A demandada não pode ter aviões parqueados, por motivos de operação.
11. Os demandantes chegaram a Sal/Cabo Verde pelas 12h35m. ou seja 11 horas e 6 minutos após a hora prevista de chegada do voo TP 1547.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que,
1 .A demandada foi notificada, pelo aeroporto de Sal/Cabo Verde no dia 1 de Dezembro de 2017, que tinha tido uma quebra de abastecimento de combustível naquele aeroporto. – por contradição com o n.º 8 da matéria provada
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
O contrato celebrado entre Demandantes e Demandada - ainda que através de agência de viagens - é um contrato de transporte aéreo de passageiros, no qual uma entidade se obriga a transportar um indivíduo (o passageiro) e sua bagagem, de um local para o outro, utilizando uma aeronave. Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, em regra oneroso e não solene e normalmente de adesão.
O contrato de transporte aéreo internacional encontra-se regulado, em especial, pelo Decreto-Lei n.º 39/2002, de 27 de Novembro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a denominada Convenção de Montreal – Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional - e pelo Regulamento (CE) nº 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004. (doravante designado por Regulamento).
Nos termos do disposto no Artigo 5º do Regulamento “1.Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a: a)Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.°;
b) Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 9.º, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.°; e
c) Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.°, salvo se:
i) tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou ii)tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou iii) tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.
2. Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.
3. A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.°, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
4.O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora”;

Ora, resultando provado nos autos que o voo foi cancelado na hora do embarque e que a demandada forneceu transporte alternativo aos demandantes, com chegada cerca de 12 horas depois do previsto no voo inicial, dúvidas não restam que os demandantes têm direito a ser indemnizados nos termos do artigo transcrito.
Restará apenas, e é este o sentido da defesa da demandada, se poderemos considerar como circunstância extraordinária, o facto de ter havido rutura do stock de combustível no aeroporto de destino.
Consideramos que, na ótica dos direitos dos passageiros, -no espírito do sistema de proteção do consumidor - não pode a companhia aérea desresponsabilizar-se quer pela assistência quer da indemnização que lhes é devida pelo cancelamento, em caso de falha de abastecimento do combustível relegando para estes os prejuízos decorrentes de tal circunstância. Ou seja, caberá á demandada fazer valer os seus eventuais direitos e/ou prejuízos decorrentes da falta de combustível á empresa ou aeroporto que não lhes tenha garantido condições de normal operacionalidade. (art. 13º do Regulamento)
Tal circunstância é alheia aos passageiros, com quem a transportadora aérea celebrou um contrato do qual decorrem as obrigações legalmente estabelecidas.
Da mesma forma, os passageiros são alheios ao facto de a demandada não poder parquear as suas aeronaves, por razões de ordem financeira ou operacional. De facto, o único motivo pelo qual a demandada decidiu cancelar o voo foi a impossibilidade de retorno da sua aeronave a Lisboa e não um específico motivo atinente àquele voo.
Assim, não consideramos que tal circunstância se possa enquadrar no conceito de circunstância extraordinária, tal como o regulamento o prevê.
Por outro lado, não resultou alegado ou provado, na presente ação, que a demandada tenha encetado todas as diligências tendentes a evitar ou obviar a situação ocorrida.
A indemnização a que os demandantes têm direito, na falta de prova dos alegados danos não patrimoniais, será aquela que legalmente se encontra determinada no art. 7º n.º 1 al. b) do citado regulamento e que corresponde á quantia de 400,00€ por passageiro.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente e provada e em consequência condeno a demandada a pagar aos demandantes a quantia de 800,00€ (oitocentos euros) a título de indemnização.
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Custas a suportar pelos Demandantes e Demandada na proporção do respetivo decaimento, 47% e 53% respetivamente (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro) devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).

Registe.
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Bombarral, 27 de Junho de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art. 131 n.º5 CPC )

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(Cristina Eusébio)