Sentença de Julgado de Paz
Processo: 278/2018 - JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: DANOS DEVIDO A AVARIAS NO VEÍCULO ADQUIRIDO.
Data da sentença: 01/31/2019
Julgado de Paz de : JPFNC
Decisão Texto Integral: Processo n.º 278/2018 - JPFNC
Sentença
Relatório:
A, melhor identificada a fls. 1, intentou contra B; e , C também melhor identificados a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 12, que aqui declaro integralmente reproduzido, peticionando a condenação dos Demandados a pagarem-lhe a quantia global de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como, os juros civis, à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese que, no dia 3 de outubro de 2016, adquiriu o veículo ligeiro, marca Peugeot, modelo 107XA 1.4 HDI VAN, matrícula 52----84, do ano 2007 (30-05-2007), pelo preço de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
Mais alegou que, teve conhecimento do referido veículo através de publicidade feita no facebook pelo demandado C, vendedor de automóveis da demandada B, que apresentou documentos legais da referida empresa e uma garantia de reparações elétricas e mecânicas para a venda do referido veículo, o que lhe inspirou a confiança necessária para realizar o negócio na via pública.
No entanto, logo nos primeiros dias de utilização, o veículo começou a ter problemas, designadamente, descarregou a bateria, o travão de mão não travava em segurança e tinha luzes fundidas. Em janeiro de 2017, o veículo parou de funcionar durante uma deslocação. Nessa altura, a Demandante verificou que o radiador tinha uma fuga de água.
A Demandante reportou as anomalias ao Demandado C, funcionário da B que intermediou a venda do veículo, e por indicação deste, o carro foi reparado na oficina onde o antigo proprietário do mesmo fazia as reparações.
A Demandante fez manutenção do veículo e solicitou um diagnóstico na concessionária da marca do veículo, cujo relatório aponta ruídos na suspensão, derrame de óleo, falhas elétricas que provocavam perda de potência.
No dia 16 de março de 2017, o veículo voltou a parar e foi rebocado para a oficina da marca.
O veículo teve de ser reparado na cabeça do motor e foram substituídas outras peças. A referida intervenção teve um custo de €1.812,74 (mil oitocentos e doze euros e setenta e quatro cêntimos).
A Demandante acionou a garantia de venda, tendo sido reembolsada no montante de €508,13 (quinhentos e oito euros e treze cêntimos), pela seguradora Mapfre.
A Demandante efetuou várias outras reparações e suportou os custos com as mesmas, prevendo-se que seja necessário efetuar novas reparações para que o referido veículo possa circular em condições normais.
Toda esta situação causou à Demandante extrema exaustão emocional e financeira.
Juntou 21 documentos.
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Tramitação:
Regularmente citados os Demandados apresentaram defesas separadas.
A demandada B apresentou contestação de fls. 82 a 90, que aqui se declara integralmente reproduzida.
A referida Demandada não deduziu especifica e separadamente qualquer exceção dilatória ou perentória. [Cfr., art.º 572, al. c), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável, ex vi, art.º 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP)].
No entanto, nas suas alegações a demandada B alude à sua ilegitimidade para a presente ação, bem como, alega factos suscetíveis de integrar o conceito de má-fé instrumental por parte da Demandada.
Ora, tais questões não tendo sido devidamente especificadas não podem considerar-se admitidas por acordo. Cfr. art.º 572.º, alínea c), do CPC.
Aliás, a Demandante pronunciou-se sobre as referidas questões pelo requerimento constante de fls. 107 a 110, pugnando pela respetiva improcedência.
Assim, o tribunal deve apreciar as referidas questões, ainda que muito sucintamente. Cfr, artigos 542.º, 578.º, 608.º e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC.
Relativamente à ilegitimidade passiva da B:
A ilegitimidade é uma exceção dilatória do conhecimento oficioso. Cfr., alínea e), do art.º 577º; art.º 578.º; e art.º 278.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC.
O art.º 30.º, n.º 1, do CPC dispõe que, “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”
Ora, o interesse direto em demandar ou em contradizer deve ser apurado face ao conteúdo do requerimento inicial, tal como o mesmo é configurado pelo Demandante na relação material controvertida deduzida. Ou seja, considerando o direito invocado e a posição que as partes ocupam perante os pedidos formulados e a causa de pedir.
Atendendo a que a Demandante alega que o veículo foi vendido mediante intervenção de um vendedor profissional ao serviço da Demandada, tendo sido emitida uma declaração de venda com o timbre da empresa, é evidente que a Demandada tem interesse direto em contradizer, como aliás fez, na sua douta contestação, pela impugnação dos factos.
Assim, declaro improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, a que a Demandada faz alusão na sua contestação.
Relativamente à má-fé processual da Demandante:
Tendo em conta que se trata de uma questão cujo conhecimento depende da prova que for produzida nos autos, relego a respetiva decisão para momento posterior da presente sentença.
Por impugnação, a B afirma que não vendeu à Demandante o veículo em causa nos autos e que, nada sabe do negócio que foi realizado entre o verdadeiro proprietário e aquela.
Mais alega que, não recebeu o preço que a Demandante afirma ter pago pela compra do referido veículo, nem sabe qual o destino dado à mesma quantia.
A declaração junta aos autos foi forjada pelo demandado C a partir de minutas existentes na empresa, às quais acedeu abusivamente e que, o teor do documento não corresponde à verdade dos factos.
As alegadas faltas de conformidade da viatura são totalmente estranhas à atividade da Demandada, a mesma nunca foi confrontada anteriormente com a sua existência, e não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade pela respetiva eliminação, por via de reparação, ou indemnização.
Pugnou pela improcedência da ação.
Juntou 1 documento e procuração forense.
O demandado C, apresentou contestação nos termos constantes de fls. 98 a 100 vr., que aqui declaro integralmente reproduzidos, defendendo-se por impugnação, alegando ter tido intervenção no negócio a título meramente particular, por ser amigo do vendedor e como seu representante.
Mais alegou que, nada ganhou com o negócio, e que, dada a urgência manifestada pela Demandante em poder utilizar o veículo, se serviu dos seus conhecimentos profissionais para obter documentação provisória para o mesmo poder circular até à conclusão do registo de aquisição, e também conseguiu obter algumas garantias para eventuais reparações.
Pelo que, o Demandado não aceita qualquer responsabilidade por danos decorrentes das avarias do veículo que a Demandante alega terem ocorrido.
Juntou procuração forense.
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art. 2.º, e n.º 1, do art. 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. (Fls. 117 a 122, dos autos).
Notificada para o efeito, a Demandante juntou documentos de fls. 123 a 149.
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir, pelo pedido e pela exceção de má-fé, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se a Demandante sofreu os danos que reclama devido a defeitos existentes no veículo, e se os Demandados são responsáveis por indemnizar tais danos.
Se a Demandante instaurou a presente ação de má-fé contra a demandada B.
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Saneamento:
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam outras exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Valor: atribuo à causa o valor de €15.000,00 (quinze mil euros). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. No dia 3 de outubro de 2016, a Demandante adquiriu o veículo ligeiro, marca Peugeot, modelo 107XA 1.4 HDI VAN, matrícula 52----84. Cfr., fls. 14;
2. O veículo foi matriculado pela primeira vez no ano 2007 (30-05-2007). Cfr. fls,14; O demandado C exerce funções como vendedor de automóveis ao serviço da demandada B;
3. O demandado C preencheu e assinou uma declaração de venda do referido veículo, em nome da demandada B;
4. O demandado C, obteve uma garantia respeitante a determinadas avarias, coberto por apólice de seguro que negociou com a Mapfre, correspondente ao contrato de seguro denominado “Blue Warranty”, titulado pela apólice n.º ---, com início em 4 de outubro de 2016, e válido por um ano. Cfr. 48 a 50; e 135 a 140;
5. Pela aquisição do veículo a Demandante pagou o preço de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros);
6. A quantia referida no número anterior foi paga mediante transferência bancária para a conta do demandado C, Cfr. fls. 15 e 16;
7. A Demandante identificou o destinatário da transferência, como sendo o demandado C. Cfr. fls.15;
8. Na data acima mencionada, a titularidade do certificado do referido veículo encontrava-se averbada a favor de D. Cfr. fls. 91;
9. Na mesma data, o veículo encontrava-se onerado com reserva de propriedade a favor do Banco Santander Consumer Portugal, SA. (Idem);
10. A transferência bancária acima referida foi feita para a conta bancária do demandado C, a pedido e por conveniência de E;
11. Na data dos factos acima, a Demandante foi informada que o pagamento seria efetuado para a conta bancária do demandado C;
12. O DUA com a propriedade do veículo averbada em nome da Demandante foi emitido em 31 de outubro de 2016. Cf. fls. 14 e 14vr.;
13. A Demandante soube que o demandado C é vendedor de automóveis da demandada B, por informação prestada pela testemunha E: A Demandante contactou o demandado C no sentido deste se disponibilizar a encontrar um veículo, de acordo com os critérios que lhe transmitiu;
14. Em dia não concretamente apurado do final do mês de setembro de 2016, o demandado C contactou a Demandante sobre o veículo em causa nos autos;
15. À data dos factos, a Demandante tinha urgência em adquirir um veículo para as suas deslocações entre a sua residência, sita no Funchal, e o local de trabalho, sito no Caniço;
16. No dia 4 de outubro de 2017, a Demandante adquiriu o veículo na via pública, num parque de estacionamento entre o stand de vendas da B e a Câmara Municipal do Funchal;
17. Nos primeiros dias após a aquisição o veículo teve alguns problemas mecânicos; Por indicação do demandado C os referidos problemas foram reparados na oficina conhecida do anterior proprietário do veículo;
18. O anterior proprietário do veículo suportou os custos respeitantes a essa reparação:
19. Em 17 de fevereiro de 2017 a Demandante suportou uma reparação no sistema de refrigeração do motor do veículo no montante de €110,22 (cento e dez euros e vinte e dois cêntimos). Fls. 20;
20. Em 16 de março de 2017, a Demandante solicitou à oficina da marca a realização de testes de diagnóstico. Cfr. Fls. 22;
21. A referida oficina apresentou uma estimativa de custos no montante de €1.960,71 (mil novecentos e setenta euros e setenta e um cêntimos). Cfr. fls. 23 a 25;
22. A Demandante reclamou a avaria do automóvel ao demandado C, mediante mensagem de correio electrónico datada de 21 de março de 2017. Cfr. fls. 27;
23. O demandado C não respondeu à referida mensagem;
24. Em 24 de março de 2017, a Demandante apresentou uma reclamação contra a demandada B, no Serviço de Defesa do Consumidor. Cfr. fls. 28 a 31;
25. A referida reclamação foi arquivada, por decisão tomada em 30 de maio de 2017, após tentativa frustrada de mediação. (Idem);
26. Em 18 de abril de 2017, a Demandante suportou o custo da reparação constante da fatura n.º 26213464, no montante de €2.450,08 (dois mil quatrocentos e cinquenta euros e oito cêntimos). Cfr., fls. 36 a 38;
27. Em 11 de maio de 2017, a Demandante realizou novos testes à viatura, na oficina da marca. Cfr. fls. 40;
28. Em 17 de maio de 2017, oficina da marca emitiu uma estimativa de custos para reparação do veículo no montante de €1.812,74 (mil oitocentos e doze euros e setenta e quatro cêntimos). Fls. 42;
29. Em 14 de junho de 2017, a Autoridade Regional das Atividades Económicas comunicou à Demandante uma decisão de arquivamento de uma reclamação apresentada contra a demandada B. Cfr., fls. 51;
30. A Demandante solicitou à Mapfre o pagamento da quantia de €1.812,74 (mil oitocentos e doze euros e setenta e quatro cêntimos), relativamente à estimativa de reparação do veículo, com n.º 16885, acima mencionada da concessionária da marca. Cfr. fls. 43 a 49;
31. Pela reparação do motor do veículo a Demandante suportou a quantia de €991,54 (novecentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos). (Idem);
32. No que respeita ao item “cabeça do motor”, da referida reparação, a Mapfre liquidou o montante de €508,13 (quinhentos e oito euros e treze cêntimos). (Idem);
33. A Demandante suportou a quantia de €110,22 (cento e dez euros e vinte e dois cêntimos), relativamente ao custo da reparação do veículo descrita na fatura n.º 26213177, emitida em 17 de fevereiro de 2017, pela oficina da marca. Cfr., fls. 20;
34. Pela lavagem do motor do veículo a Demandante pagou a quantia de €11,00 (onze euros). Cf.r fls. 21.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i) A Demandante adquiriu o veículo como novo;
ii) A Demandante adquiriu o veículo à B;
iii) A Demandante efetuou o pagamento do preço do veículo à B;
iv) A B recebeu o preço do veículo ou qualquer outra quantia respeitante ao negócio dos autos;
v) A B emitiu ou consentiu na emissão do documento provisório de circulação de fls.13;
vi) No momento da compra e venda celebrada a B emitiu e entregou à Demandante uma declaração, pela qual atestava que o veículo era uma viatura adquirida em estado “novo”;
vii) A Demandante reclamou as avarias à B;
viii) Após a lavagem do motor o veículo não percorreu 500 km;
ix) Na tentativa de fazer funcionar o veículo a luz de despoluição acendia;
x) No princípio de janeiro de 2017, o veículo parou de funcionar durante uma deslocação;
xi) Posteriormente, o automóvel manifestou o mesmo problema várias vezes, em diversas datas;
xii) A Demandante ficou sem utilizar o veículo por alguns meses;
xiii) A Demandante passou por períodos de grandes transtornos, e viu-se obrigada a utilizar autocarro, táxi e boleia de colegas;
xiv) A Demandante teve de ficar hospedada em local próximo do seu local de trabalho;
xv) O Demandado C assinou documentos da venda do veículo na qualidade de proprietário;
xvi) No momento da compra do veículo a Demandante recebeu toda a documentação pronta;
xvii) Devido às avarias verificadas no veículo a Demandante ficou numa situação de extrema exaustão emocional e financeira;
xviii) O demandado C publicitou a venda do veículo num site da internet;
xix) O Demandado C interveio no negócio para obter um benefício económico com o mesmo;
xx) A Demandante não voltou a utilizar o veículo devido a avaria.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento.
Pela prova documental consideram-se provados os factos indicados de forma especificada e respetivamente, na enumeração da matéria assente, supra.
Relativamente ao documento de fls. 13, muito embora o mesmo tenha sido impugnado pela demandada B, cumpre referir que o demandado C confessou ser autor da respetiva emissão e de o ter subscrito a partir de uma minuta pré-existente (facto número 7). Os restantes documentos não foram impugnados por qualquer das partes.
Consideram-se provados por confissão do demandado C os factos respeitantes aos números 4 e 7.
Considera-se confessado pela Demandante o facto respeitante ao número 35.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, considera-se admitido por acordo o facto constante no número 3, que constitui matéria assente.
Resultam da avaliação conjunta da prova, designadamente dos documentos juntos aos autos e do acordo entre a Demandante e o demandado C a matéria de facto respeitante aos números 5 a 7; 12; e 18 a 21.
A restante matéria, em especial nos números 11; e 14 a 16, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida e vivenciada pelas partes, tendo havido concordância nesse sentido nas declarações das partes em audiência de julgamento, bem como, da prova testemunhal, designadamente, das testemunhas E, e D , cujo depoimentos se mostraram credíveis, isentos e com razão de ciência.
O facto respeitante ao número 17, resulta provado pelas declarações da Demandante e das suas testemunhas, em concordância com as declarações do demandado C e da testemunha E.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados à Demandante devido a avarias do veículo que adquiriu e que se encontra identificado nos autos.
Esta matéria remete-nos para o conteúdo do contrato de compra e venda, previsto e regulamentado, designadamente, pelo disposto nos artigos 874.º a 939.º do Código Civil (CC).
Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se que, para além do mais, pretende obter a condenação dos Demandados ao pagamento da quantia global de €15.000,00 (quinze mil euros), sendo o montante de €8.777,67 (oito mil setecentos e setenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), respeitantes a danos patrimoniais e despesas; e a quantia de €6.222,33 (seis mil duzentos e vinte e dois euros e trinta e três cêntimos), por corresponder ao valor que atribui a reparações do veículo identificado nos autos, que são necessárias e que devem ser realizadas no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Vejamos se lhe assiste razão:
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e as partes que neles outorgam cumprem as suas obrigações quando realizam a prestação a que estão vinculadas. Cfr., artigos 406º, nº 1, e 762º, n.º 1, ambos do do Código Civil (CC).
Nos termos do art.º 879.º, do CC, o contrato de compra e venda produz o efeito jurídico de transmissão do direito de propriedade da coisa ou da titularidade do direito e gera as obrigações recíprocas do vendedor entregar o bem objeto do contrato e do comprador pagar o preço.
No entanto, o dever do vendedor só é perfeitamente cumprido quando a coisa entregue corresponde àquela que foi contratada e está isenta de vícios ou defeitos.
Se, pelo contrário, a coisa enfermar de vício que a desvalorize ou impede de ter a qualidade normal das coisas do mesmo tipo porque não permite a realização do fim a que é destinada, ou se for desconforme ao acordado, diz-se que a mesma está defeituosa. (Cfr. art.º 913º, nº 1 do CC).
Sendo a coisa defeituosa, o comprador tem à sua disposição várias alternativas que a lei lhe confere para reagir e defender os seus legítimos interesses. Assim, o comprador pode optar por exigir do vendedor a reparação da coisa; ou, se for necessário, a sua substituição (cfr.,art.º 914.º, do CC); bem como, a redução do preço; ou a anulação do contrato fundada em erro. (Cfr. art.º 913.º, do CC).
Ora ficou amplamente provado que o veículo automóvel adquirido pela Demandante, logo após a sua aquisição começou a apresentar problemas, e que as avarias se sucederam ao longo dos meses seguintes, até maio de 2017.
Mas, cabe aqui perguntar, quem foi o vendedor do veículo no contrato celebrado com a Demandante?
Perante os factos dados como provados, é inequívoco que o contrato de compra e venda do veículo automóvel adquirido pela Demandante teve a intervenção do demandado C.
Mas, também ficou provado que a intervenção do referido Demandado foi realizada em representação do verdadeiro vendedor, ou seja, o dono do veículo em causa nos autos.
Ficou provado que o demandado C é vendedor de automóveis, e que interveio no negócio pelo qual a Demandante adquiriu o referido veículo. Ou seja, intermediou a venda, no sentido em que vulgarmente se diz que «vendeu» o veículo à Demandante. Mas, fê-lo apenas, e tão-só, em representação do respetivo proprietário que, esse sim vendeu (juridicamente) à Demandante o veículo em causa nos autos.
Assim, a profissão do referido Demandado, designada por «vendedor de automóveis», não pode ser confundida com a sua posição jurídica no negócio em causa nos autos.
Por outro lado, a prova exclui completamente a intervenção da demandada B, a qual é completamente alheia aos factos, e em certa medida, até pode ser considerada lesada em resultado da conduta do demandado C, o qual confessou ter forjado documentação privativa da empresa pertencente à referida Demandada para consumar o negócio com a Demandante.
Efetivamente, da prova realizada nos autos resulta que o veículo estava registado em nome da testemunha D, e tal presunção resultante do registo não foi ilidida nos autos, aliás, a inscrição constante do referido registo resulta coincidente com a realidade dos factos.
Como é inequívoco, também, pela prova produzida, que a Demandante tinha pleno conhecimento que o referido veículo não era da propriedade de qualquer um dos Demandados.
Assim, o efeito translativo da propriedade sobre o referido automóvel operou da esfera jurídica da referida testemunha D (anterior proprietário), diretamente para esfera jurídica da Demandante.
Reciprocamente, foi o vendedor do referido veículo que assumiu perante a Demandante as obrigações respeitantes à garantia do veículo.
Ora, dos factos acima expostos resulta, claramente, que o demandado C atuou fora das suas funções de vendedor da demandada B. Isto é, o referido Demandado atuou no negócio dos autos a título particular, e não como funcionário da demandada B (entenda-se, por conta e sob as ordens desta).
No entanto, não seria descabido suscitar a questão de o referido Demandado ter atuado em regime individual, numa espécie de empresa sua, de mediação de compra e venda de veículos automóveis, mas nada ficou provado nos autos a esse respeito.
Ora, a Demandante tinha o ónus de alegar e provar todos os factos essenciais e constitutivos do direito alegado (art.º 5.º do CPC, e art.º 342.º, do CC).
Porém, o que ficou efetivamente provado é que entre a Demandante e o verdadeiro vendedor do automóvel (D, anterior proprietário) existiu uma venda particular, que foi promovida, também, a título particular, pelo demandado C, e nada mais do que isso.
O demandado C atuou como mandatário de D, o antigo proprietário e real vendedor do veículo.
Não há dívida que, o demandado C agiu como intermediário do negócio celebrado com a Demandante, e resulta até da prova feita nos autos que se serviu dos seus especiais conhecimentos e experiência como vendedor de automóveis para concretizar determinados aspetos acessórios da mesma. A este respeito, resulta provado designadamente que, o demandado C forjou uma declaração de venda do veículo no sentido de facilitar a circulação do mesmo enquanto decorreu a tramitação da alteração de proprietário a favor da Demandante, bem como, diligenciou na obtenção de um seguro de garantia de bom funcionamento do veículo relativamente a vários componentes do mesmo.
No entanto, tal não significa necessariamente que, o demandado C tenha atuado a título profissional, no sentido técnico-jurídico do termo, nem a Demandante alegou e logrou provar esse facto, sendo certo que lhe incumbia o respetivo ónus. (Cit.).
De facto, não ficou provado que o referido Demandado tivesse efetuado o negócio para obter um proveito próprio, e com isso tenha recebido qualquer comissão ou outro tipo de ganho. Aliás, ficou provado que o valor respeitante ao preço foi transferido para uma conta em nome do demandado C, por conveniência e a pedido do próprio vendedor do veículo.
Efetivamente, entre a Demandante e o demandado C não se estabeleceu um contrato de prestação de serviços de carácter oneroso, que permita enquadrar a relação jurídica no regime do contrato de venda de bens de consumo, ainda que fosse por serviços prestados pelo referido Demandado.
Por outro lado, também não foi alegado nem provado que o demandado C tinha conhecimento dos problemas existentes no veículo e que procedeu de forma dolosa com o intuito de lesar a Demandante.
Pelo contrário, toda a atividade do referido Demandado que pode ser considerada reveladora de condutas merecedoras de censura no âmbito disciplinar e laboral, destinou-se apenas a satisfazer os interesses da própria Demandante, que tinha urgência e grande necessidade de ter o veículo disponível para as suas deslocações.
De facto, todas as testemunhas da Demandante foram concordantes na grande necessidade e urgência desta em ter um veículo que lhe permitisse realizar o trajeto entre a sua residência e o local de trabalho.
Ora, sendo esse o motivo e tendo em conta que a testemunha E também referiu de forma clara e isenta, que o expediente utilizado pelo Demandado foi no sentido de permitir à Demandada a imediata utilização do veículo. Do mesmo modo, relativamente à garantia respeitante a determinadas avarias que pudessem ocorrer, que a testemunha D assumiu ter consentido.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, a ação deve ser declarada totalmente improcedente.
Aliás, a falta de prova relativamente aos factos alegados contra a demandada B é tão ostensiva que pouco falta para impor a condenação da Demandante por litigância de má-fé.
Efetivamente, a condenação por litigância de má-fé pela Demandante apenas não é proferida, por se considerar que à mesma deve ser reconhecido o direito de discutir a sua pretensão em tribunal, independentemente da falta de procedência da ação.
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DECISÃO
Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados:
A. Declaro improcedente por não provada a exceção de ilegitimidade passiva, declarando a demandada B, parte legítima.
B. Declaro improcedente, por não provada, a litigância de má-fé pela Demandante.
C. Julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, e consequentemente, absolvo os demandados B; e C, de todos os pedidos formulados contra os mesmos na presente ação.
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Custas:
Nos termos da Portaria 1456/2001, de 28/12, declaro a Demandante parte vencida, condenando a mesma ao pagamento das custas do processo no montante global de €70,00 (setenta euros), pelo que, deverá proceder ao pagamento da segunda parcela de €35,00 (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis e comprovar o facto no Julgado de Paz, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente à demandada B.
Notifique e registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 31 de janeiro de 2019

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira