Sentença de Julgado de Paz
Processo: 299/2017-JPCSC
Relator: MARIA ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - ACIDENTE DE VIAÇÃO - DANOS FÍSICOS - FALTA DE REPRESENTANTE LEGAL – VIOLAÇÃO DO DEVER DE COOPERAÇÃO
Data da sentença: 05/14/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO (3ª sessão)
COM PROLAÇÃO DE SENTENÇA
Proc. N.º 299/2017-JP
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Data: 14 de maio de 2018
Hora de Início: 10h15
Hora de Encerramento: 10h30
Parte Demandante: A
Parte Demandada: B, S.A.
Juíza de Paz: Senhora Dra. Maria de Ascensão R. Pires Arriaga
Técnica do Serviço de Atendimento: Lic. Lara Colaço Palma

Feita a chamada verificou-se estarem presentes:
- A Ilustre mandatária da parte Demandante, Sra. Dra. C
- A Ilustre mandatária da parte Demandada, Sra. Dra. D
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Reaberta a audiência de julgamento, e não desejando as partes usar mais da palavra, a Senhora Juíza de Paz, passou a proferir a seguinte:
--- SENTENÇA ----
I- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES e OBJECTO DO LITÍGIO
A, com o NIF --------, aqui Demandante, propôs contra B, com o NIPC ---------, a presente ação declarativa de condenação relativa a responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação e enquadrada nas alíneas h) e i) do nº1 do art.º 9º da Lei 78/2001, de 13.07, alterada pela Lei 54/2013, de 31.07. (doravante L0FJP), pedindo a condenação desta no pagamento de €10.134,88 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alega a Demandante, em resumo, que no dia 14.12.2014, quando era transportada em veículo automóvel com a matricula QD, seguro na Demandada, sofreu um acidente de viação que lhe causou sangramento e traumatismos da face, dentário, torácico e lombar com luxação dos dentes incisivos inferiores e superior central direito. Sofreu dores no corpo e na boca, ficou com receio de andar de carro, ficou com os dentes a abanar e desalinhados.
Sentiu-se triste e sofreu pelo mau aspeto que tinha, evitando contactos sociais; esteve sem trabalhar, como cabeleireira, vários meses por incapacidade que a própria Demandada reconheceu. Porém, quanto ao tratamento e intervenções dentárias necessárias, só em setembro.2015, oito meses depois, a Demandada autorizou a respetiva realização. Os tratamentos iniciaram-se em setembro.2015 e findaram, com alta médica, em 17.novembro.2016, sendo um processo lento e doloroso. A Demandada pagou deslocações da Demandante apenas até 20.04.2016, estando em dívida o pagamento de seis outras deslocações ao Centro Clínico E, em Carnaxide, ida e volta, no valor de €55,08 e uma outra, ao F Hospital, no valor de €15,80 a que deve acrescer o custo de certidão que junta aos autos. Pelo choque, dor aguda na boca e corpo sofridos na altura do acidente e no período em que esteve encarcerada, pelas dores posteriores, limitações alimentares, vergonha, tristeza e sofrimento psíquico que lhe causou o desalinhamento dos dentes, pela falta de tratamento médico adequado durante oito meses, pela afetação dos demais dentes, pelos incómodos e transtornos por que teve de passar deslocando-se e efetuando contactos vários para resolver a situação incluindo a necessidade de contratação de advogada, pelas dores sentidas com um tratamento lento e doloroso, por ter ficado sem seis dentes definitivos, pelo trauma que lhe causou o acidente de viação deve a Demandante ser indemnizada em €10.000. Junta seis documentos (de fls. 12 a 23) e procuração forense.
Regular e pessoalmente citada, a Demandada apresentou contestação, confessando a celebração do contrato de seguro relativo ao veículo QD, e que a culpa na produção do acidente é imputável ao condutor do veículo por si seguro, razão pela qual assumiu a responsabilidade. No que concerne aos danos invocados, aceita que a Demandante tenha sofrido algumas lesões pois foi observada pelos serviços clínicos da Demandada que lhe deram alta clínica na situação de curada sem desvalorização tendo-lhe sido fixado um quantum doloris de grau III. Desconhece, sem obrigação de conhecer, os factos pessoais e considera exagerado o quantum indemnizatório peticionado. Conclui pela improcedência da ação. Junta dois documentos ( de fls. 36 a 37) e procuração forense.

A Demandada afastou a fase de mediação.
Após desmarcação, veio a ser fixado o dia 24.abril.2018 para audiência de julgamento. Em 20.04.2018, a Demandante juntou aos autos requerimento e prova documental de fls. 80 a 113 do que foi notificada a Demandada. A Demandada faltou, injustificadamente, à audiência de julgamento. Foi ouvida a parte Demandante e tentada, sem sucesso, a conciliação. Após, foram inquiridas duas testemunhas e interrompida a audiência para continuar para alegações e, depois, para prolação de sentença.
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A ação tem o valor de €10.134,88.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor e, também, da matéria e do território (artigo 7º da LJP).
Não ocorrem nulidades ou exceções, que obstem à apreciação do mérito da causa.
Cabe, portanto, apreciar e decidir.
Considerando a confissão da Demandada - quanto à produção do acidente de viação objeto dos autos, à responsabilidade do condutor do veículo seguro na Demandada, a danos corporais e patrimoniais sofridos pela Demandante na qualidade de passageira do veículo seguro dos quais a indemnizou com exceção dos custos de algumas deslocações e aqui pedidos -, há que apurar se a Demandante sofreu os danos materiais e morais que invoca nos autos em consequência daquele acidente e qual o seu quantum.

II – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Com interesse para a decisão da causa, considerando o objeto supra enunciado, ficaram apurados os seguintes factos:
1. No dia 14.12.2014, na Estrada Nacional 249-4, em S. Domingos de Rana, ocorreu um acidente de viação imputável ao condutor do veículo seguro na Demandada, com a matricula DV e no qual a Demandante seguia como ocupante do banco da frente;
2. O condutor do veículo DV despistou-se e invadiu a faixa de rodagem contrária, colidindo com o veículo QD que nela circulava e foi projetado para a margem (cf. participação policial junta sob doc.1 com o R.I. a fls. 12/16);
3. A Demandante ficou ferida, a deitar sangue da boca e teve de ser desencarcerada do automóvel;
4. A Demandante foi transportada, após o acidente, para o Hospital G onde recebeu tratamento e lhe foi diagnosticado traumatismo da face, dentário, torácico e lombar apresentando luxação dos incisivos inferiores e superior central direito, sem avulsão (cf. doc. 2 junto com o R.I. a fls. 17 dos autos);
5. A Demandante teve alta no próprio dia com indicação para seguimento em consulta de estomatologia após avaliação em cirurgia plástica e maxilo facial (cf. idem );
6. Também foram prescritos à Demandante analgésicos para alívio das dores que sentia no corpo e na boca;
7. Durante cerca de duas semanas após o acidente a Demandante só conseguia dormir sentada no sofá por causa das dores que a impediam de se deitar e de se levantar sozinha;
8. Durante várias semanas a Demandante tinha dores na região torácica e lombar executando com grande sacrifício as tarefas domésticas quotidianas como arrumar a casa, tratar da roupa e realizar a sua higiene pessoal;
9. Atualmente, é penoso para a Demandante ir dentro de uma carro que a própria não conduza;
10. Na sequência do acidente, os dentes incisivos inferiores e o dente incisivo central superior direito da Demandante ficaram a abanar e doíam ao pressionar os maxilares um contra o outro;
11. A Demandante ficou impossibilitada de mastigar os alimentos e de se alimentar convenientemente tendo seguido uma dieta líquida;
12. A Demandante tinha vergonha e embaraço ao rir e falar porque os dentes afetados são os que mais se veem e encontravam-se desalinhados;
13. O desalinhamento dos dentes dava mau aspeto à Demandada o que lhe causava tristeza e sofrimento psíquico;
14. A Demandante era cabeleireira e os serviços clínicos da Demandada atribuíram à Demandante uma Incapacidade Total Absoluta (ITA) de 15.12.2014 a 12.03.2015 e uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 30% de 13.03.2015 a 07.05.2015 tendo-lhe pago, respetivamente, por ITA, €445, €890 e por ITP, €267;
15. A Demandante foi observada pela primeira vez por serviços clínicos da Demandada no dia 12.02.2015 (cf. doc.3 junto com o R.I. a fls. 18/20 dos autos);
16. Em 31.03.2015, foi elaborado pelo Dr. H, do Centro Clínico E, em Carnaxide, o orçamento de tratamento dentário nº 3200, de 31.03.2015, no valor de €5.825,00 (cf. doc. 4 junto com o R.I. a fls. 21 e doc. de fls.94 a 103);
17. No orçamento preveem-se várias intervenções nos seis dentes 33,32,31,41,42 e 43 afetados pelo acidente;
18. A Demandada aprovou o orçamento de tratamento dentário em 24.08.2015, o que corresponde a cerca de cinco meses depois da sua receção e a cerca de oito meses após o acidente (cf. doc. de fls. 104 a 106, de fls. 107 e 107 verso e de fls. 108 a 113);
19. Os dentes vizinhos dos dentes afetados começaram também a abanar;
20. A Demandante teve de realizar um tratamento provisório dos dentes afetados para tentar travar a mobilidade dentária cujo custo de €80 lhe foi reembolsado pela Demandada (cf. comunicações da mandatária da Demandante de fls. 82/85, datado de 23.07.2015, e fls. 86/90, datada de 17.maio.2015, e carta e recibo da Demandante de fls. 91/92);
21. A Demandante iniciou os tratamentos dentários nos dentes 33,32,31,41 a 43, em 02.setembro.2015, no Centro Clínico E, em Carnaxide, e veio a concluí-los no início de novembro.2016 tendo obtido alta médica pelos serviços clínicos da Demandada em 17.novembro.2016 (cf. doc. 5 junto com o R.I. a fls. 22 dos autos e de fls. 107);
22. O tratamento a que a Demandante se submeteu durou mais de um ano, decorreu em várias fases com sujeição da Demandante a diversos atos médicos e a diversas deslocações;
23. As fases do tratamento incluíam a extração de seis dentes definitivos com colocação imediata de uma prótese parcial removível, a cicatrização por várias semanas, a colocação dos implantes mediante incisão nas gengivas e maxilares, alguns meses de espera para regeneração óssea, coroas pilar provisórias e, depois, definitivas, aparafusadas sobre implante (cf. doc. de fls. 106 e 107);
24. A Demandante colocou prótese de sete dentes em acrílico e não em porcelana (cf. doc. de fls. 109);
25. Em seis deslocações de ida e volta para tratamentos dentários realizadas entre 18.05.2016 e 02.11.2106, num total de €153Km e considerando um custo de €0,36km, a Demandante despendeu €55,08;
26. Acresce um custo com a deslocação ao F Hospital, em 17.11.2016, no valor de €15,80 (€0,36x43,90km);
27. O choque com o acidente e com o encarceramento, as dores físicas, as limitações alimentares causadas pelo traumatismo dos dentes da frente, as situações de vergonha, tristeza e sofrimento psíquico, a falta de tratamento dos dentes afetados durante largos meses e a alteração da mobilidade de outros próximos destes, os incómodos e transtornos com contactos e deslocações e a necessidade de contratar serviços de advogada (pelo menos a partir de 17.maio.2015 – cf. doc. de fls. 86/90) para ver a situação resolvida, a sujeição a um tratamento lento e doloroso com extração de dentes, o receio de ser transportada em automóvel, constituem danos morais;
28. A Demandante requereu certidão de auto de participação de acidente automóvel e despendeu €64 (cf. doc. de fls. 12 a 16);
29. A Demandada não efetuou nenhuma proposta indemnizatória;
30. Foi dada alta médica à Demandante em 17.11.2016 e fixado um quantum doloris de grau 3 (cf. doc. 2 junto com a contestação, a fls. 37 dos autos);
Com interesse para a decisão da causa não ficou provado que:
a. A Demandante evitava, na medida do possível, contactos sociais e sofreu impacto na sua vida profissional porque o lado estético é importante para quem procura os seus serviços;
b. A Demandante tapava a boca quando falava e ainda hoje mantem esse gesto;
c. Na sequência da extração dos dentes a Demandante ficou toda negra do lado direito da face até ao pescoço durante 15 dias;
d. Antes do acidente a Demandante era capaz de comer uma maçã e atualmente não;
e. Antes do acidente a Demandante era uma pessoa vaidosa que gostava de tirar fotografias sempre a sorrir, o que perdeu após o traumatismo.

Motivação
O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados, nos documentos que foram juntos, nas declarações da Demandante na medida em que resultaram corroboradas quer pelo depoimento testemunhal quer por documentos e, também, nos depoimentos das testemunhas I e J, respetivamente, amigo próximo da Demandante e médico dos serviços da Demandada que viu a Demandante pela primeira vez em fevereiro.2015 e avaliou o seu estado clínico. A testemunha I, que convivia de perto com a Demandante, depôs de forma que se afigurou isenta e credível. Revelou conhecer o estado físico e psicológico da Demandante após o acidente, as dores que esta manifestava na boca e no corpo, a sua dificuldade, nas primeiras semanas, de se movimentar sozinha e deitar, os cuidados, a alimentação praticamente líquida que fez pelo menos até realizar um tratamento provisório com outro dentista para os dentes ficarem mais seguros porque segundo disse “ os dentes estavam todos soltos, os de baixo” . Era a testemunha quem transportava a Demandante a Carnaxide para os tratamentos dentários até novembro de 2016 e declarou que esta passou a manifestar grande instabilidade e receio quando vai no automóvel, que “nunca mais foi a mesma depois do acidente, … tem medo de tudo, agarra-se a qualquer coisa “ e que depois do acidente foi ver o carro e viu o sítio onde a Demandante ficou encarcerada e que “não cabia lá um bebé”; referiu ainda que os tratamentos dentários foram difíceis e prolongados no tempo e que a Demandante sofreu muitas dores. Não foi o seu depoimento suficiente para convencer quanto aos factos não provados e, em particular, que a Demandante antes do acidente comia maçãs e que depois do acidente deixou de as comer atento o facto de, como resulta do documento de fls. 96, esta padecer de periodontite crónica e generalizada, com perda de suporte ósseo o que, por si, acarreta mobilidade dentária ainda que após o acidente lhe tenha sido medida mobilidade dentária de grau III (isto é, avançada) do 5º sextante (dentes 33 a 43), e pela verosimilitude desse facto ter sido contrariada pelo depoimento da segunda testemunha inquirida. A testemunha J, que também se afigurou ter deposto de forma isenta e credível, foi o médico que avaliou a Demandante pela primeira vez em 12.02.2015. Referiu que nessa data a Demandante se encontrava a aguardar tratamento dentário e que não apresentou queixas torácicas ou lombares pois se assim tivesse acontecido teria mandado realizar exames ou fisioterapia e não teria feito constar a ausência de queixas que consta da ficha de consulta (referindo-se ao documento de fls. 18/20 de sua autoria).Referiu a este propósito que a Demandante lhe disse ter começado a trabalhar em 18.janeiro e que registou esse facto sem conseguir explicar a razão pela qual lhe foi atribuída ITA até 12.03. e ITP até 07.05.2015. Referiu que à data do exame que efetuou, estava em falta o tratamento dentário. A face da Demandante estava contundida e esta veio a receber alta definitiva após conclusão do tratamento dentário. Pronunciou-se sobre o mau estado geral da boca da Demandante antes do acidente, referindo-se ao teor da informação médica de fls. 96 dos autos e às fotografias dos autos com os quais foi confrontado, explicando o que é uma periodontite e os seus efeitos na mobilidade dos dentes. A testemunha observou a Demandante em fevereiro, abril e maio de 2015 e em novembro de 2016, altura em que teve alta (cf. doc. de fls. 37). Referiu não existirem danos estéticos.
Foi também relevante no percurso intelectual do tribunal a falta de oposição da Demandada aos factos não pessoais da Demandante atinentes a deslocações desta entre 18.05.2016 e 17.11.2016 para consultas e tratamentos médicos – que constarão dos seus próprios arquivos de pagamento de serviços médicos – os quais, assim, se dão por admitidos à luz do artigo 574º/2 do Código de Processo Civil.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova suficiente ou credível que permitisse formar convicção de veracidade, sendo certo que as declarações da Demandante são insuficientes para esse efeito.

III - ENQUADRAMENTO DE DIREITO
Perante a factualidade apurada, estamos perante uma situação de verificação de danos de natureza patrimonial e não patrimonial em consequência de um acidente de viação cuja produção foi imputada ao condutor do veículo seguro na Demandada que aceitou a responsabilidade de reparar tais danos.
Nos termos do disposto no artigo 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Os danos indemnizáveis dividem-se em dois grandes grupos: os de natureza patrimonial e os de natureza não patrimonial, também designados morais.
Como decorre do conteúdo do dever de indemnização constante do artigo 564º, estão incluídos nos danos de natureza patrimonial, os designados danos emergentes e que correspondem aos prejuízos que foram causados aos bens ou direitos existentes à data da lesão e as despesas provocadas diretamente pelo ato lesivo (v.g. valor da reparação do veículo, despesas com deslocações ao médico); os lucros cessantes, que correspondem à perda de benefícios ou proveitos que o lesado deixou de receber em consequência do ato lesivo (p. ex. em virtude da sua incapacidade temporária para o trabalho); e, também os danos futuros que se relacionam com a perda, para o futuro, da capacidade de auferir rendimentos em virtude de a produtividade do lesado, enquanto trabalhador, ter ficado afetada, causando-lhe perda de proveitos ou maior dificuldade na execução do trabalho.
No caso dos autos, ficou provado que a Demandante despendeu €55,08 em deslocações a consultas ou tratamentos médicos no período entre 18.05.2016 e 02.11.2016 e €15,80 na deslocação à consulta do dia 17.11.2016, o que perfaz €70,88. Deve a Demandada indemnizar a Demandante em tal quantia por se tratar de danos materiais emergentes do sinistro.
Pelo contrário, não é indemnizável a despesa de €64 com a obtenção da certidão da participação policial do acidente de viação já que não foi consequência do sinistro e, antes, decorre do exercício, pela Demandante, do direito de indemnização pela via jurisdicional. Falta, aqui, entre o custo e o ato lesivo, um nexo de causalidade adequada exigido pelos artigos 563º e 483º do Código Civil.
Os danos de natureza não patrimonial são aqueles que têm natureza subjetiva por estarem ligados à própria pessoa e cuja avaliação pecuniária é mais difícil por não depender de simples cálculos aritméticos. Aferir a dor, o medo, a angústia, o desgosto e quantificá-los segundo a equidade como sucede no ordenamento jurídico português, exige, pelo menos, adequada ponderação das circunstâncias do caso concreto, pesquisa da orientação jurisprudencial dos tribunais superiores e, também, o recurso às pontuações que estão atribuídas por lei a este tipo de danos e às respetivas compensações ainda que fixadas a título meramente indicativo (cf. Portaria 377/2008, de 26.05., publicada nos termos do nº5 do Dec. Lei 291/2007, de 21.agosto).
No que se refere a esta “fixação legal”, o que queremos dizer é que, com vista a contribuir para a quantificação dos danos materiais, a lei criou pontuações, ou graduações, para o quantum doloris (valoração do sofrimento físico e intensidade da dor de 4 a 7 pontos) e para o dano estético (dano causado na aparência física da pessoa de 1 a 7 pontos). Para o designado prejuízo de afirmação pessoal (perturbações ou constrangimentos que afetam o lesado do ponto de vista da sua dinâmica social ou funcional) é normalmente usada uma escala até ao grau 5. As pontuações/graduações são fixadas pelo médico em função da sua avaliação quanto à gravidade do dano sendo que nessa avaliação intervêm factores psicológicos do próprio médico e do lesado que se queixa de dor, ansiedade, etc.
Está em discussão nos autos a quantificação da dor e dos constrangimentos, sociais e psíquicos, que a Demandante sofreu e continua a sofrer. Não foram alegados e não ficaram provados danos estéticos.
Como decorre do doc. de fls. 37, os serviços médicos da Demandada fixaram à Demandante um quantum doloris de grau 3, em consulta do dia 17.11.2016. Nos termos da referida Portaria 377/2008, de 26.maio., que estabelece critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, só a partir do grau 4 estes danos são de atender para efeitos indemnizatórios.
Não obstante, estamos perante apreciações subjetivas quer do lesado – que é quem se sente – quer do médico e, em face dos factos apurados nestes autos tem de concluir-se que a Demandante sofreu dores de elevada intensidade, incompatíveis com o grau 3, quer logo após o embate quer durante várias semanas e pelo menos até 07.05.2015, data em que a Demandada declarou cessada totalmente a sua incapacidade para o trabalho e sem prejuízo das dores na boca e dentes que se prolongaram como adiante se verá. Assim, a Demandante sofreu por longo tempo dores no corpo que a impossibilitavam de dormir deitada e na cama e lhe causavam grandes dificuldades em realizar as suas tarefas diárias o que não poderia deixar de ser já que segundo o relatório clínico emitido pelo Hospital G, teve traumatismos da face, dentário, torácico e lombar e luxação dos incisivos inferiores e central direito (cf. fls. 17). Também, e quanto à boca e dentes, inevitavelmente, sofreu dores durante oito meses, desde o acidente e até iniciar os tratamentos dentários e, depois, durante mais cerca de um ano sempre que era submetida a extração de dentes – que foram 6, no total, - perfuração de maxilares para colocação de implantes, suturas nas gengivas entre outros.
Para além das dores físicas a Demandante também padeceu de dores psicológicas significativas, quer durante o período em que esteve encarcerada no veículo acidentado quer, depois, por não poder ter autonomia para as tarefas básicas do quotidiano e exercer a sua profissão de cabeleireira, por não poder alimentar-se senão por refeições líquidas ou moles o que, naturalmente, condicionou toda a sua vida, a nível individual e social, desde a escolha das próprias refeições até à escolha dos locais e companhia para tomar refeições e, em especial, por ter os seus dentes desalinhados em consequência do acidente. Os dentes desalinhados conferiam à Demandante – como conferem à generalidade das pessoas - um aspeto pouco agradável ou mesmo mau aspeto, que a desgostava e envergonhava sobretudo quando se ria, produzindo-lhe, portanto, sofrimento psíquico. Para esse sofrimento contribuiu a demora da Demandada – cerca de 5 meses – na aprovação do orçamento de tratamentos dentários que lhe havia sido remetido em 31.março.2015. Depois de iniciados os tratamentos, a Demandante viu-se privada dos dentes da frente e confrontada com o uso de uma prótese móvel verificando-se que a definitiva só veio a ser colocada no início de novembro.2016. Destarte, desde o acidente até o termo dos tratamentos decorreram quase dois anos durante os quais a Demandante teve de efetuar deslocações, telefonemas, contratar advogada, sujeitar-se a atos médicos. Acresce que a Demandante passou a ter receio de circular em veículos automóveis.
Os danos descritos merecem, sem dúvida, a tutela do direito impondo-se definir um quantum.
Nessa quantificação, porém, há também que atender ao teor da informação médica de fls. 96 nos termos da qual a Demandante padecia de “periodontite crónica generalizada com perda de suporte ósseo e inflamação gengival”, o que significa que os seus dentes tinham deficiência de implantação no maxilar, logo, apresentariam alguma mobilidade. Para além disso, a Demandante apresentava cáries dentárias em 17 dentes, incluindo os dentes 42 e 44 que foram objeto do tratamento dentário em causa. Extrai-se que a saúde dentária da Demandante não era, antes do acidente, boa e que, assim, os dentes extraídos, ou alguns deles, não equivaliam a dentes sãos em boca sã.
Neste quadro e tudo ponderado, incluindo os cerca de dois anos decorridos até à conclusão do tratamento dentário e a inércia da Demandada ao longo do processo, afigura-se-nos adequado atribuir à Demandante, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente dos autos, uma indemnização de €7.300.
Quanto à falta de colaboração da Demandada
A Demandada faltou à audiência de julgamento marcada para dia 24.abril.2018 depois de ter sido pessoalmente notificada do despacho que designou dia para audiência de julgamento no qual expressamente consta a menção de que é obrigatória a sua comparência pessoal, bem como, da alteração da data inicial (cf. fls. 50 a 76).
A Demandada não compareceu pessoalmente no dia 24.abril.2018, sem qualquer justificação atendível, sob alegação de que “não poderia vir ninguém hoje à audiência de julgamento”.
Nos Julgados de Paz é obrigatória a comparência das partes (cf. artigos 26, nº1, 38º, nº1, e 57º, nº1, entre outros da Lei 78/2001, de 13.07, na redação da Lei 54/2013 de 31.07 - LOFJP).
Constituiria tratamento desigual, exigir a comparência da Demandante, aqui pessoa singular e dispensar a comparência de representante legal da Demandada ou de trabalhador desta por aquele designado.
Acresce que sede de exercício do dever de colaboração (v. nº2 e 3 do artigo 7º do Código de Processo Civil), o juiz pode em qualquer altura do processo ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais e tais pessoas estão obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhe forem pedidos.
A violação do dever de cooperação consubstancia violação do dever de boa-fé (artigo 8º do Código de Processo Civil).
In casu, a Demandada faltou sem razão atendível e, não podendo ignorar o entendimento do tribunal e a sua convocatória para comparecer, menosprezou de forma grosseira as deslocações e o tempo de todos os demais intervenientes processuais - partes, advogados, testemunhas e tribunal.
Entendemos que, no caso concreto e porque não é a primeira vez que a ora Demandada litiga neste Julgado de Paz sendo conhecedora, atém do entendimento do tribunal, a sua omissão voluntária constitui litigância de má fé na forma de violação grave do dever de cooperação (artigo 542º, nº1 e nº2, alínea c) do Código de Processo Civil).
Assim e em face do que antecede, decidimos condenar a Demandada no pagamento de uma multa no valor de €140, bem como, nas custas do processo, considerando a dimensão social e financeira da Demandada e atendendo também ao valor máximo da penalidade prevista (ainda que para o incumprimento da obrigação de pagamento de custas) na Portaria 1456/2001, de 28.12 na redação da Portaria 209/2005, de 24.02.

III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante:
a) a quantia de €70,88 (setenta euros e oitenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais;
b) a quantia de €7.300 (sete mil e trezentos euros) a título de danos morais;
c) juros de mora sobre €7.370,88 a contar da presente data e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser fixada.
Mais condeno a Demandada a:
- pagar ao tribunal, a título de multa, a quantia de €140 (cento e quarenta euros) e nas custas do processo, a efetivar no prazo de três dias úteis a contar da data da notificação da presente decisão.
Custas do processo: €70.
Devolva €35 à Demandante.
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A Demandada deverá efetuar o pagamento da multa e da parcela de custas em falta e de sua responsabilidade, no valor de €35, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso, e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02). Decorridos quinze dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída certidão da presente sentença e da conta de custas e penalidades vencidas, no valor de €175 (€35+€140), acrescida da multa no valor de €140, e remetida ao Ministério Público da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais para eventual execução pelo valor em dívida.
Registe, dê cópia aos presentes e remeta cópias à Demandante e à Demandada que, nesta data, se consideram notificadas ( cf. nº3 do artigo 638º do Código de Processo Civil).
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes.
Cascais, Julgado de Paz, 14 de maio de 2018


A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz