Sentença de Julgado de Paz
Processo: 190/2018-JPSXL
Relator: HELENA ALÃO SOARES
Descritores: PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS
Data da sentença: 03/19/2019
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(artigo 60.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)).

Processo n.º 190/2018-JPSXL
Matéria: Responsabilidade civil extracontratual (Artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei de Organização, Funcionamento e Competência do Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP))
Objecto do litígio: Pagamento de indemnização por danos patrimoniais
Demandante: A, com morada na Rua XX Corroios
Mandatários: Dra. C, advogada, com escritório na Avenida XX Lisboa
Demandada: B, com residência na Praceta XX Corroios
Valor da acção: € 510,70 (quinhentos e dez euros e setenta cêntimos)
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I. Dos Articulados:
O Demandante A, intentou a presente acção declarativa de condenação, com fundamento na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), pedindo a condenação da Demandada B, no pagamento do valor de € 510,70 (quinhentos e dez euros e setenta cêntimos), correspondente aos custos veterinários e danos no veículo.
O Demandante alega em suma que, em 29/04/2018, pelas 19h00, conduzia a sua viatura na Rua XX, em Corroios, na direcção de Santa Marta do Pinhal, quando, de repente, saiu um cão de entre dois carros estacionados na berma, do lado direito da estrada, o qual se enfiou debaixo do carro e que parou para prestar auxílio ao animal, que não tinha identificação, tendo-o levado para o hospital veterinário da Charneca da Caparica, onde este ficou internado.
Mais alegou que o acidente foi testemunhado pela sua esposa e que ainda nesse dia se deslocou ao local do acidente para perguntar a moradores se conheciam os proprietários do cão.
Alegou também que o cão teve alta no dia 01/05/2018 e que antes de o entregar a uma instituição, levou o cão até ao local do acidente e que este o conduziu a uma casa, situada a cerca de 100m, que abordou a moradora da casa, que se identificou como B e como proprietária do animal, a quem pediu para se responsabilizar pelos danos que teve na sua viatura e com os gastos do veterinário, a qual se recusou a assumir o pagamento de qualquer quantia, e que a sua viatura sofreu danos na zona frontal inferior, resguardos e apoios do radiador.
Alegou ainda que as suas despesas com este acidente computam-se no valor de €211,79 (despesa veterinária) e €298,91 (despesa mecânica com o arranjo da viatura) e que apresentou queixa no posto da GNR da Charneca da Caparica, no dia 05/05/18 e que em 01/06/2018, foi informado do seu arquivamento, terminando pedindo a condenação da Demandada no pagamento do valor de € 510,70 (quinhentos e dez euros e setenta cêntimos), conforme requerimento inicial de fls 3 a 4, que aqui se dá como reproduzido.
A Demandada, regularmente citada, apresentou contestação, de fls. 15 a 17, que aqui se dá como reproduzida, alegando, em suma, que no dia 01/05/2018 o Sr. A se apresentou junto da sua residência, e que sem apresentar qualquer identificação, perguntou à Demandada se o animal em questão era seu e pediu a sua identificação, tendo a Demandada dado a sua identificação e informado que o animal em questão era abandonado e fora acolhido pela Demandada, tendo o Demandante referido que o tinha atropelado e que este havia sofrido danos corporais e que tinha estado internado. Alega também que o animal em questão apresentava apenas um ligeiro coxear e pesa menos de 5 kg., e que o Demandante exigiu que a Demandada pagasse as despesas médicas ao que respondeu que iria falar com o seu marido e a advogada e que ele se apresentasse no fim-de-semana seguinte a fim de obter uma resposta sobre a solução a dar à questão e que nesse dia o veículo não apresentava qualquer dano visível.
Alegou ainda que no fim-de-semana seguinte o Demandante voltou à sua residência e falou com o seu marido, voltando a exigir o pagamento das custas veterinárias, não apresentando nenhum valor ou documento e nunca mencionando as custas de um orçamento de nenhuma viatura, que o seu marido respondeu que a responsabilidade civil do acidente ocorria por culpa de quem cometeu o atropelamento e que nesse mesmo dia, o Demandante levava um Ford Focus, com matrícula 00-BJ-00, e que este não apresentava nenhum dano ou ruído anormal e que o Demandante se retirou referindo que ia apresentar queixa às entidades policiais devido ao pagamento das custas veterinárias. Também alegou que não é creditício que um animal tão pequeno, e que não sofrera nenhuma lesão grave pudesse provocar tamanhos danos no veículo e que a estrada onde foi atropelado o animal tem um historial de acidentes devido às altas velocidades que os transeuntes da mesma praticam, não sabendo se o Demandante não iria também em excesso de velocidade causando o atropelamento do animal e se cumpria as regras impostas pelo código da Estrada, terminando dizendo não aceitar o pedido interposto pelo Demandante.
II. Tramitação:
O Demandante propôs a presente acção no dia 02/08/2018.
A Demandada foi regularmente citada, em 09/08/2018 (cfr. fls. 13) e apresentou contestação.
Realizada a sessão de pré-mediação, agendada para dia 03/09/2018 e a sessão de mediação, não chegaram as partes a acordo (cfr. fls. 26 a 30).
Procedeu-se à marcação da audiência de discussão e julgamento.
No dia designado para a realização da audiência de julgamento (22/02/2019, pelas 14h30m), compareceram o Demandante e a sua Ilustre Mandatária e a Demandada, tendo-se realizado a audiência de julgamento, com produção da prova das partes.
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Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção o valor de € 510,70 (quinhentos e dez euros e setenta cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III. Fundamentação:
A) De Facto:
Com base nas declarações das partes, testemunhas e documentos, dão-se como provados, relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos:
1 – Em 29/04/2018, pelas 19h00, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de marca Ford e modelo Focus, com matrícula 00-BJ-00, conduzido pelo Demandante, A, na Rua XX, em Corroios, na direcção de Santa Marta do Pinhal e um canídeo fêmea, de pequeno porte, com aproximadamente 3 anos de idade, sem raça definida, com 8,4 Kg, junto de uma zona residencial, com estacionamentos do lado direito da via.
2 – O canídeo fêmea, sem trela, que andava na via pública, saiu de entre os carros estacionados na berma direita e invadiu a faixa de rodagem, do lado direito da via, no sentido da marcha que o demandante levava.
3 – O canídeo fêmea foi atropelado pelo carro do Demandante, tendo ficado imóvel na estrada.
4 – O canídeo fêmea foi levado pelo condutor do veículo, ora Demandante, para o Hospital XX, da Charneca da Caparica, onde ficou internada até 01/05/2018.
5 – O canídeo fêmea, no dia 1/05/2018 foi entregue na casa da Demandada, pelo Demandante.
6 – Os custos com o tratamento veterinário do animal, realizado pelo VECC ascenderam a € 211,80 e foram pagos pelo Demandante.
7 – A Demandada é “dona” do canídea fêmea envolvido no sinistro, que está à sua guarda e vive na sua casa.
8 – O Procedimento criminal instruído pelo Demandante (Proc. NUIPC n.º 000/18.3GCALM) foi arquivado.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Factos Não Provados:
- Que o veículo do Demandante tivesse sofrido danos em virtude do sinistro.
.Motivação da matéria de facto:
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se às declarações das partes e das testemunhas apresentadas pelo Demandante e pela Demandada, e pelos documentos juntos aos autos.
B) De Direito:
Dispõe o artigo 493.º, n.º1 do Código Civil, sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades” que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Neste caso, de culpa presumida, “ (…) o visado verá afastada a sua responsabilidade se o demandante não provar os factos que constituem a base da presunção legal ou se o visado ilidir a presunção de culpa, sendo que pode ilidi-la por um de dois meios: provando que nenhuma culpa houve da sua parte ou provando uma causa virtual do mesmo dano verificado.(…)” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/01/2012, Proc.1070/08.9TBGRD.C, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, provou-se que o canídeo fêmea envolvido no sinistro pertence à Demandada, e como tal, incumbe-lhe o dever de guarda do animal que provocou o acidente (artigo 493.º, do Código Civil), não tendo a Demandada conseguido ilidir a presunção de culpa.
O dono de um cão, por ser dono, está obrigado a vigiá-lo de modo a que não cause danos (cfr. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 1987, nota 2 ao art. 493.º).
A omissão ou a inobservância do dever de vigilância do animal que causou os danos, à face do preceito supra referenciado, consubstancia uma “presunção de ilicitude” (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, tomo III, pág. 584).
Mas não basta afirmar um dever de vigilância a cargo do responsável, sendo indispensável que o poder de controlo abranja a possibilidade de influir sobre as condições que estiveram na origem dos prejuízos causados pelo animal, de molde a que lhe fosse possível adoptar as medidas preventivas especificamente necessárias para os evitar.
Ora, um cão, com dono, quando anda na via pública, tem de andar com trela, de modo a evitar a ocorrência de sinistros e de prejuízos.
A responsabilidade por um dano que ocorre por acção de um cão, na via pública, que não esteja devidamente preso e controlado por trela, é da responsabilidade do seu dono, o que se verifica no caso dos autos.
É de notar que, não tendo resultado provado que o veículo do Demandante tivesse sofrido danos em virtude do sinistro, não pode proceder o pedido do Demandante nesta parte.
Tendo o Demandante prestado o auxílio ao animal, expectável de todo o cidadão, e tendo incorrido em despesas pelo tratamento deste, de acordo com os factos dados como provados e com o exposto, caberá à Demandada ressarci-lo de tal valor, procedendo, nesta parte, o pedido do Demandante.
IV. Decisão
Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 211,80 (duzentos e onze euros e oitenta cêntimos).
Custas
As custas serão suportadas pelo Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 58,53% e 41,47% (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001,de 28 de Dezembro).
Assim, atento o pagamento da taxa de justiça inicial no valor de €35,00 (trinta e cinco euros) aquando entrada do Requerimento Inicial, deverá o Demandante efectuar o pagamento das custas decorrentes da sua responsabilidade, no valor de € 5,97 (cinco euros e noventa e sete euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de, não o fazendo, incorrer no pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até ao limite máximo de €140,00, ao abrigo dos n.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, o n.º 10 na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02.
A Demandada, atento o pagamento da taxa de justiça inicial no valor de €35,00 (trinta e cinco euros) efetuado aquando da apresentação da contestação, deverá ser reembolsada na quantia de € 5,97, nos termos do n.º 9.º, da mesma Portaria.
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Esta sentença foi proferida nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz.
Registe.
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Seixal
19/03/2019

A Juiz de Paz Auxiliar
(Em substituição, após tomada de posse)


Helena Alão Soares