Sentença de Julgado de Paz
Processo: 7/2018-JPCNT
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE-REIVINDICAÇÃO
Data da sentença: 06/11/2018
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
II- OBJECTO DO LITÍGIO
Os demandantes intentaram contra a demandada a presente ação pedindo a sua condenação no reconhecimento do direito de propriedade daqueles; a condenação na reposição dos marcos e extrema e ainda na condenação de uma indemnização a liquidar em execução de sentença.
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial (fls. 1 a 6), que se dá por reproduzido), juntando documentos.
Regularmente citada, a demandada apresentou contestação a fls. 20 a 24, que a qui se dá por integralmente reproduzida, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a ilegitimidade passiva da demandada, alegando não ser a proprietária do prédio.
No exercício do contraditório, pelos demandantes foi requerida a intervenção do filho da demandada, o que foi admitido por despacho de fls. 57 e 58, e o chamado/co - demandado citado, o qual apresentou a contestação de fls. 62 a 71, juntando documentos.
Valor da ação: € 5.000,00.

A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da instrução e discussão da causa resultaram os seguintes

A - Factos provados:

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Mira, sob o nº XXXX/XXXXXXXX, da freguesia de Mira, o prédio rústico, composto de terreno de cultura e pomar de pomoideas, com a área de 1490 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo XXXXX, a confrontar do norte com a estrada; sul, caminho; nascente, ECF; poente, MCD; cfr. doc. de fls. 11 e 7;
B) Sobre o prédio acima identificado incide a seguinte inscrição: AP. XX de 2000/09/14 – Aquisição a favor de A, casado com B, no regime da comunhão geral por compra a JEBV e mulher MDV, cfr. doc. de fls. 13;
C) O prédio identificado em A) veio à propriedade dos demandantes por escritura de Compra e Venda, outorgada no Cartório Notarial de Mira, em 11.09.2000, na qual consta como vendedor JEBV e mulher, cfr. doc. de fls. 9 a 10;
D) Encontra-se descrito na conservatória do Registo Predial de Mira, sob o nº XXXX/XXXXXXX, da freguesia de Mira, o prédio rústico composto de lameiro, com a área de 1230m2, inscrito na matriz predial sob o artigo XXXXX, a confrontar do norte , estrada; sul, caminho; nascente JVRS, MCT, cfr. doc. de fls. 73e 72;
E) Sobre o prédio identificado na alínea anterior incide a seguinte inscrição: AP. X de 2008/09/02– Aquisição a favor de D, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com ACC, por doação de C, cfr. doc. de fls. 73;
F) O prédio descrito em E), veio à propriedade do demandado D, por escritura de justificação e doação, outorgada em 9 de julho de 2008, no cartório notarial de Mira, na qual consta como justificante e doadora a sua mãe e demandada C, cfr. doc. de fls, 40 a 44;
G) O prédio descrito em A), confina em toda a extensão do seu lado poente com o prédio descrito em D), este que, por sua vez, confina em toda a extensão do seu lado nascente com descrito em A);
H) No ano de 2006, os demandantes construíram um muro em toda a extensão do limite norte do prédio descrito em A), na parte em que confina com a estrada;
I) No final do ano de 2017, os demandados mandaram lavrar o prédio descrito em D) para aí semear trigo;
J) Nessa ocasião mandaram lavrar também cerca de um metro para dentro do prédio descrito em A), desde a extrema poente do muro referido em H) para nascente;
K) Ocupando uma faixa de terreno com um metro de largura em toda a extensão poente do prédio dos descrito em A);
L) A realidade física objeto do litígio é uma parcela de terreno correspondente à parte lavrada referida em J), com um metro de largura ao longo de toda a extensão poente do prédio descrito em A).
M) Os demandantes, por si ante proprietários, têm fruído e utilizado o prédio descrito em A), com a parcela identificada em L), à vista de toda a gente, ininterruptamente, há mais de 15 anos, conservando-o, zelando-o, cultivando-o, em seu exclusivo interesse, colhendo os respetivos frutos, vantagens e dele retirando todas as utilidades, na convicção de usufruírem de coisa exclusivamente sua e de que não lesavam direitos de outrem;
N) O chamado/demandado, por si e por terceiros, vem usufruindo e utilizando do prédio descrito em D), excluída a parcela identificada em L) limpando-o e cultivando-o, colhendo os respetivos frutos, produtos e vantagens na convicção de usufruir coisa exclusivamente sua, à vista de toda a gente, sem oposição de pessoa alguma;
O) O prédio descrito em A), desde data anterior à aquisição do mesmo pelos demandantes, sempre apresentou a mesma configuração;
P) Os prédios descritos em A) e D) pertenceram, em tempos, aos mesmos proprietários, pais da demandada;

B - Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, ou da prova do seu contrário nomeadamente que: i) os prédios descritos em A) e D) dos factos provados, constituíam um único prédio, com dois artigos matriciais que vigorou até 30.10.95, com a composição e descrição indicada no artigo 8º da contestação, e que o mesmo tenha sido dividido em duas metades, e que a adjudicada a JVR, por inventário por óbito de MSR, em 1988, corresponde hoje ao prédio descrito em A) sendo a outra metade já da propriedade da demandada e que corresponde ao prédio descrito em D; ii) que área de cada um dos prédios constante da matriz e registo não se encontre correta; iii) que ambos o prédios possuam uma área total de 2.756, pertencendo em propriedade aos demandante e demandados igual área de 1.378 m2.

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada e não provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, do teor dos documentos juntos aos autos, da inspeção ao local, bem como de toda a prova testemunhal ouvida em audiência.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, em virtude da inspeção ao local e do declarado pelas testemunhas.
Na inspeção ao local foi possível verificar a existência do muro dos demandantes bem como a parcela de terreno em litígio descrita em L) dos factos provados, a qual se apresenta com uma largura 1 metro desde a extrema poente do muro para nascente do mesmo e se encontra lavrada. Refira-se que não está em causa a delimitação da parcela de terreno, mas apenas a quem a mesma pertence. Arrogando-se cada uma das partes seus proprietários, alegando os demandantes que essa parte do terreno sempre fez parte do seu prédio, já desde pelo menos a data em que o adquiriu. Por sua vez o chamado D alega que os demandados apenas ocupam área que pertence àquele, uma vez que o seu prédio terá de ter uma área corresponde a metade da área global dos dois prédios, pelo que a parcela em causa corresponde a área do prédio do chamado.
Apreciando globalmente a prova testemunhal
A testemunha MD, anterior proprietária do prédio dos demandantes disse, no essencial, que quando ela e o seu marido adquiriam o prédio, há cerca de 20 anos, o mesmo estava perfeitamente delimitado do prédio situado a poente (do chamado), com uma vala/regueira em toda a extensão a delimitar os prédios e pelo menos um marco de cimento junto ao caminho /estrada situada na extrema norte /poente, que agora já não existem. Mais referiu que o prédio dos demandantes o viu cultivado em toda as extensão com os mais diversos produtos agrícolas, como batatas e milho e ultimamente com pequenos pinheiros plantados até à regueira.
A testemunha JR foi quem construiu o muro do demandante e aí colocou a rede juntamente com o demandante marido em 2006, dizendo de forma convincente e sem hesitações ou inseguranças que o mesmo foi erguido de acordo com os marcos em cimento que lá existiam, traçando uma linha entre os mesmos, desconhecendo o que se passou posteriormente.
A testemunha IS disse conhecer o terreno dos demandantes por os ter ajudado muitas vezes a cultivá-lo, já depois do muro estar construído, assim como o demandante marido também o ajudava a cultivar terrenos seus. Ajudava o demandante essencialmente nas épocas das sementeiras e colheitas, em especial a semear batatas e a colhê-las. Esclareceu esta testemunha a configuração do prédio dos demandantes e que nunca houve quaisquer dúvidas quanto à sua delimitação, incluindo com o do chamado e que entre ambos existia uma vala com cerca de 25 cm de largura e de profundida e ainda três marcos de cimento com cerca de 30 cm acima da terra, junto à mesma, um situado junto à estrada, no limite poente do muro e outro sensivelmente a meio e um outro na ponta sul junto ao pinhal, que já lá não existem atualmente tal como a vala. Disse ainda que o terreno dos demandantes sempre esteve todo ele cultivado e tratado até aos marcos e vala, o que já não acontecia com o do chamado.
A testemunha MF, disse conhecer bens o terreno dos demandantes por lá ter andado a trabalhar, desde há mais de 10 anos, ajudando na sementeira das batatas e milho, que mais recentemente os demandantes deixaram de o cultivar, tendo aí plantado pinheiros, incluindo junto à extrema poente, tendo depois disso também aí trabalhado na limpeza do terreno. Esta testemunha também se referiu à existência dos 3 marcos de cimento e à vala que delimitavam o terreno deste a poente, explicando que os trabalhos de cultivo, plantação e limpeza eram feitos até aos marcos e regueira.
A testemunha FL referiu conhecer bem o terreno dos demandantes por passar na estrada frequentemente, referindo-se à existência dos marcos e que lá sempre viu os demandantes a trabalhar, porém esta testemunha quando questionada sobre os terrenos confinantes aí nada soube dizer, mostrando-se hesitante e insegura.
A testemunha ML indicada pelos Demandados, de 77 anos de idade, e proprietária do terreno situado a poente do prédio do demandado/chamado, referiu ter trabalhado no terrenos aqui em causa quando os mesmos pertenceram aos pais da demandante, X e Y, desde os 17 anos de idade e até casar com 19 anos de idade. Referiu a testemunha que na altura em que lá trabalhou existia uma regueira ao meio, a todo o comprimento a dividir o terreno em duas partes. Acabou a testemunha por dizer que depois de casar, com cerca de 19 anos de idade, emigrou para França, desconhecendo o que se passou nos terrenos a partir dessa data.
A testemunha JE no essencial referiu que os terrenos terão pertencido há muito tempo aos seus avós, pais da demandada C, e que se recorda de no terreno agora dos demandantes lá ter visto a trabalhar o JV construtor, há mais de 15 anos, que terá sido, segundo ouviu dizer, quem comprou ao filho da demandada. Disse ainda que essa parte estava limpa e trabalhada, desconhecendo se existiam marcos ou qualquer regueira a dividir os prédios, nem se recorda de lá ter visto o muro.
A testemunha AM, de 51 anos de idade disse, no essencial, que os terrenos pertenceram aos pais da demandante, e que em jovem, não sabendo dizer até que idade, ia ao terreno apanhar erva referindo-se à existência de uma regueira a meio não existindo na altura quaisquer marcos e que de um lado era terra de semeadura e do outro lado apenas tinha árvores.
A testemunha A, companheiro da demandada, confirmou ter sido quem lavrou o terreno do chamado para semear trigo, em finais do ano de 2017, e que nessa altura entrou com uma máquina um metro para nascente do muro dos demandantes, a mando dos demandados que lhe disseram estarem aqueles a ocupar terreno que não lhes pertence numa largura de cerca de um metro em toda a extensão da propriedade e que o muro estava construído um metro em terreno do chamado. Disse ainda que quando passou a máquina arrasou a regueira e uns pequenos pinheiros com cerca de 0,50m de altura que aí estavam plantados, mas totalmente queimados pelo fogo de outubro passado, negando que a existência de quaisquer marcos de cimento. Esta testemunha, com a espontaneidade com que depôs chegou a dizer que a parcela ocupada corresponde à área do terreno de chamado, conclusão a que chegaram por na opinião dos demandados ser a área justa e assim reporem a verdade.
Esclareceu ainda que o terreno do chamado estava com um grande silvado e que só há cerca de 3 anos procedeu à sua limpeza.
A testemunha CJ, referiu que se limitou-se a fazer um levantamento topográfico de acordo com as indicações que lhe foram dadas pelos demandados que lhe pediram para medir a totalidade dos terrenos e fazer a divisão em áreas exatamente iguais para cada um dos prédios, diminuindo a largura do prédio dos demandantes na extrema norte e sul, em cerca de um metro, como se pode ver do confronto dos doc. de fls. 89 e 115. Dizendo ainda a testemunha que a configuração apresentada nesse levantamento é uma de entre muitas outras possíveis.
Apreciando agora, individualmente, cada um dos factos provados:
Os factos provados das alíneas de A) a F) resultam do teor dos documentos aí identificados.
O facto da alínea G) resulta da admissão do mesmo pelas partes no seu articulado o que também se constatou da inspeção ao local.
O facto da alínea H) resulta no essencial da inspeção ao local, do depoimento da testemunha JCR e documento de fls. 109 a 115.
Os factos das alíneas I), J) e K) resultaram, no essencial, do depoimento da testemunha A que disse ter entrado com uma máquina um metro para nascente do muro dos demandantes, a mando dos demandados, arrasando a regueira aí existente e uns pequenos pinheiros totalmente queimados pelo fogo, sem que se tenha produzido prova em contrário.
O facto da alínea L) resultou no essencial da inspeção ao local e aceite pelas partes.
O facto da alínea M) resulta da conjugação dos depoimentos da generalidade das testemunhas, em especial de MD, I e MF que se referiram aos atos praticados pelos demandantes no seu prédio até aos marcos juntos à vala/regueira situada na extrema poente, incluindo na parcela de terreno em causa. Estes depoimentos foram prestados de forma serena, sem contradições, hesitações ou exageros e com conhecimento direto dos factos sobre os quais depuseram, mostrando-se credíveis para o tribunal, sem que se tenha produzido qualquer prova em contrário.
Acresce que as testemunhas ML e AM também se referiram à existência de uma regueira quando os prédios pertenceram aos pais da demandada. Embora se desconheça como os prédios aqui em causa ingressaram na posse dos pais da demandada, se autonomizados ou não, formalmente ou de facto, dúvidas não há sobre a existência da regueira. Ainda que se admitisse que à data em que tais prédios estiveram na posse dos pais da demandada constituíssem um único prédio e que posteriormente tivesse dado origem a dois prédios física e materialmente distintos (o que não ficou demonstrado) considerando que dita regueira se encontrava a meio do prédio e em todo o comprimento e que de um lado era composto de árvores e do outro terra semeadura, como disseram as acima referidas testemunhas sempre seria possível presumir, de acordo com as regras da experiência e da normalidade das coisas, e em especial na zona geográfica onde se situam os prédios, que aquando das autonomizações, essa regueira tenha servido como linha divisória dos mesmos.
O facto da alínea N) resultou no essencial do depoimento da testemunha A. No que se reporta à exclusão da parcela objeto do litígio, não foi produzida qualquer prova que sobre a mesma o chamado, por si ou por intermédio da demandada sua mãe ou outros, nela tivesse praticado quaisquer atos de fruição ou posse.
O facto da alínea O) resultou igualmente do depoimento das testemunhas MD, I e MF, sem que se tenha produzido qualquer prova em contrário.
O facto da alínea P) resultou do depoimento das testemunhas ML, JE e AM.

Quanto aos factos não provados, resultaram da total ausência de prova ou de prova credível sobre os mesmos ou da prova do seu contrário. A generalidade das testemunhas apresentadas pelos demandados, no essencial, limitaram-se a dizer que os terrenos pertenceram em tempos aos pais da demandada, dizendo ainda as duas primeiras que a meio do prédio existia uma regueira em todo o comprimento. Quanto à data e circunstâncias em que se terá procedido à alegada separação ou autonomização dos mesmos nada disseram, desconhecendo – se como os mesmos e em que circunstâncias ingressaram na posse dos pais da demandada, o que se passou depois da morte daqueles, nem o documento de fls. 75 a 86, 87 a 89 e o de fls.101 ou quaisquer outros juntos aos autos permitem alicerçar uma resposta diversa da dada.


IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A presente ação tem os contornos de uma ação de reivindicação (artigo 1311.º, do Código Civil – doravante CC), como também é admitido pelo chamado, no artigo 2º da contestação.
A ação de reivindicação de propriedade pressupõe que a coisa se encontra, não na posse do seu proprietário, mas na de terceiro, sendo, pois, proposta pelo proprietário não possuidor, contra o detentor ou possuidor, não proprietário.
O pedido próprio desta ação é o do reconhecimento da propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e a consequente restituição do que lhe pertence. E a causa de pedir hão-de ser os factos concretos de que decorreu a aquisição pelo reivindicante do domínio sobre a coisa.
São requisitos de procedência deste tipo de ações, com fundamento no direito de propriedade, a prova da titularidade desse direito sobre a coisa reivindicada e a sua ocupação pelos demandados.
O artigo 1316º do CC, enumera os modos de aquisição da propriedade: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão.
Assim, para se reconhecer alguém como proprietário de um bem é necessário que esse interessado prove a aquisição desse direito por uma daquelas formas.
No entanto, ao reivindicante, para fazer a prova de que adquiriu a propriedade, não basta alegar e provar que a adquiriu por contrato realizado com o transmitente, insuficiência que decorre do facto de bem poder suceder que este não fosse o proprietário para lhe poder transmitir tal propriedade. E daí que se exija ao reivindicante que prove as aquisições dos sucessivos alienantes na cadeia ininterrupta que se mostre existir até que termine na aquisição originária de um deles, como sucede, para os imóveis com a acessão e com a usucapião.
Porém, uma vez que essa prova será muito ou extremamente difícil é entendimento comum doutrinário e jurisprudencial, o de que ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na ação de reivindicação.
Com efeito, o artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP) vem facilitar aquela prova a quem tenha o bem – imóvel – registado em seu nome, estabelecendo a presunção da respetiva propriedade.
Prescreve a citada norma que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Assim, a inscrição no registo da aquisição em nome do reivindicante faz presumir que o direito registado lhe pertence – artigo 7.º do CRP – e, quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz – artigo 350.º, n.º 1 do CC.
No caso que analisamos, os demandantes alegam ser proprietários do prédio descrito em A), invocando a aquisição derivada e a presunção do registo. Resultando provado que tal prédio se encontra inscrito a seu favor na conservatória do registo predial, beneficiam, pois, os demandantes da presunção (não ilidida) resultante do registo, pelo que é de considerar incontestada a sua qualidade de proprietários.
Cumpre esclarecer, porém, que é pacífico, quer na doutrina quer na jurisprudência, que esta presunção não abrange os elementos identificativos do prédio, tais como as confrontações, estremas ou áreas.
A presunção do registo não é, assim, a única presunção que cumpre referir.
Prescreve o artigo 1268º, nº1 do CC “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.
Acresce que, de acordo com o disposto no artigo 1287º do mesmo diploma “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”.
Com efeito, como ensina o Professor Oliveira Ascensão, a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião.
Assim, um dos efeitos da posse é a criação de direitos. Faz adquirir o direito, desde que se mantenha durante certo período de tempo (Cfr. Mota Pinto, Reais, pag. 213).Porém, a verificação da usucapião depende de dois elementos: da posse e do decurso de certo período de tempo. Para conduzir à usucapião a posse tem de revestir sempre duas características: pública e pacífica. Os restantes caracteres (boa ou má- fé, titulada, ou não titulada) influem apenas no prazo (Cfr. M.H. Mesquita, Reais, 1967, pág. 112)
“A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”- artigo 1251º do CC.
Na posse distinguem-se dois elementos: o “corpus” - que se identifica com os atos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa; e o “animus” - que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos atos praticados (Cfr. M. Pinto, Reais, p.181).
A lei exige a existência do “corpus” e do “animus” para que exista posse, o que implica que o possuidor tenha de provar a existência destes dois elementos para poder adquirir por usucapião.
Para facilitar ao possuidor a prova do “animus”, a lei estabelece uma presunção: em caso de dúvida, presume-se a posse daquele que exerce o poder de facto. O exercício do “corpus” faz presumir o “animus”.
Se a posse é titulada e de boa-fé, a usucapião de bens imóveis tem lugar decorridos 10 anos, se é titulada e de má-fé, decorridos 15 anos, se é não titulada e de boa-fé, decorridos 15 anos, se não titulada e de má-fé, decorridos 20 anos (artigos 1294º e 1296º, ambos do CC).
Ora, descendo ao caso dos autos, os demandantes invocam também a aquisição originária por usucapião. O que se compreende. De facto, inexistindo qualquer outra prova direta de onde inequivocamente resultasse demonstrada a delimitação ou a definição concreta do aludido prédio, e, por consequência, a incorporação nele da parcela de terreno objeto de litígio, e não abrangendo a presunção registral as características do prédio inscrito a seu favor, nomeadamente, as confrontações, a linha divisória entre este prédio e os que com ele confrontam, não estavam os demandantes dispensados de fazer a prova da aquisição originária da referida parcela, juntamente com a prova dos factos em que se traduz a alegada utilização abusiva, por parte dos demandados.
Do conjunto da prova produzida não ficou o tribunal com dúvidas quanto à propriedade da parcela em litígio com um metro de largura e em toda a sua extensão poente e ocupada pelos demandados e que a mesma faz parte integrante do prédio dos demandantes, e que por estes sempre foi cultivada e tratada até aos limites dos marcos e da regueira e que aquando da aquisição em 2000, já apresentava a mesma configuração.
Resulta, assim do exposto, terem os demandantes demonstrados ter adquirido por usucapião o prédio reivindicado do qual faz parte integrante a parcela em litígio ocupada pelos demandados por nele terem praticado os atos de posse com as características que conduzem à aquisição originária.
Provado pelo demandantes o seu direito de propriedade plena sobre o seu prédio, nele incluído a parcela de terreno em questão, terá de ser quem limita os poderes do proprietário que tem de provar a existência e conteúdo do seu direito. É o que resulta do disposto nos arts. 342.º a 344.º do CC.
Ora, no caso dos autos é patente a ocupação por parte dos demandados da parcela de terreno em causa e que estes não lograram fazer a prova de que beneficiam de título válido que legitime a sua utilização e ocupação.
Os demandados não provaram quaisquer atos de posse sobre a parcela. Na verdade justificam o ato de ocupação da parcela com o facto de o prédio do chamado dever ter a mesma área do dos demandantes, alegando que ambos os prédios foram no passado um só e que tendo sido divididos em duas metades deverão ter a mesma área.
Ora, tal factualidade não ficou demostrada, porém, ainda que assim fosse, considerando tudo quanto acima se expôs acerca das presunções derivadas do registo e da posse a favor dos demandantes, o efeito pretendido pelos demandados nunca poderia proceder, não podendo constituir tal factualidade (ainda que provada –e não foi) título valido que legitime a ocupação .
Pelo que a detenção daquela parte do imóvel onde mandaram lavrar e semear trigo, arrasando a regueira/vala não pode deixar de considerar abusiva, pelo que, em consequência deverá proceder o pedido de reposição da extrema como peticionando.
Quanto à reposição dos marcos, embora tivesse ficado demonstrado a existência de 3 marcos na extrema não foi possível concluir com segurança até quando lá existiram que os mesmos tenham sido retirados ou mandados retirar pelos demandados.
No que respeita à pretensão indemnizatória, os demandantes peticionam a condenação em indeminização pelos prejuízos causados e a causar, a liquidar em execução de sentença.
Tal pedido é possível nos termos do da alínea b) do artigo 556º do C. P. Civil.
Estamos assim no âmbito de uma pretensão fundada na responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito traduzida na violação do direito de propriedade dos demandantes sobre a parcela de terreno em causa, equacionável nos termos dos artigos 483º, nº 1, do C.P. Civil, cujos pressupostos são: a) facto voluntário do lesante, b) ilicitude do mesmo, c) imputação do facto ao lesante, d) dano, e) nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 1999, pp. 516).
Da matéria provada resulta claramente o preenchimento do facto ilícito, traduzido na ocupação por parte dos demandados da parcela em questão.
Quanto aos danos, é ao demandante que incumbe o ónus de alegar e provar a espécie de danos que pretende ver ressarcidos, embora relegando a fixação do seu montante para liquidação ulterior, não se podendo assim limitar a afirmar que determinada conduta lhe causa prejuízos. No caso dos autos os demandantes não alegaram qualquer dano de natureza patrimonial ou não patrimonial, Pelo que tal pedido terá de improceder.

DECISÃO

Face a quanto antecede, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, por consequência, decido:
1.Condenar os demandados a reconhecerem os demandantes donos e legítimos proprietários do prédio descrito em A) do qual faz parte a parcela identificada em L) dos factos provados;
2.Condenar os demandados a procederem à reposição da extrema;
3.Absolvendo os demandados do demais peticionados.

Custas: Na proporção do decaimento que se fixa em 10% para os demandantes, e 90% para os demandados, devendo os demandados proceder ao pagamento da quantia de € 28,00, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, devolvendo-se aos demandantes o valor de €28,00.



Cantanhede, 11 de junho de 2018
A Juíza de Paz Coordenadora,


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(Isabel Belém)