Sentença de Julgado de Paz
Processo: 84/2017-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS MATERIAIS E IMATERIAIS EM CONSEQUÊNCIA DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 09/29/2017
Julgado de Paz de : MONTEMOR-O-VELHO
Decisão Texto Integral: Sentença
Processo nº 84/2017-JP MV
Relatório
A demandante ..............................., melhor identificada a fls. 1, intentou, em 5/4/2017, contra a demandada ..................., S.A. ou atualmente designada ..........................., S.A., melhor identificada a fls. 1 e 67, ação declarativa com vista a obter o ressarcimento de prejuízos materiais e imateriais em consequência de acidente de viação, formulando o seguinte pedido:
- Ser a demandada condenada no pagamento à demandante da quantia global de €10.535,00, sendo €6.365,00 de valor de reparação do veículo da demandante, além de prejuízos e danos, a quantia de €5,00 por cada dia de depósito do veículo provisoriamente calculado em €2.670,00, acrescida de quantia que equitativamente seja fixada por cada dia de imobilização do veículo, a titulo de privação de uso para liquidação em execução de sentença e €1.500,00 por danos imateriais.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 15 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 11 (onze) documentos.
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Não se procedeu a realização de sessão de pré-mediação a solicitação da demandada (fls. 66).
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Regularmente citada a demandada .................., S.A. (fls. 65), atualmente designada ..........................., S.A., apresentou a contestação, de folhas 67 a 70, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos constantes do requerimento inicial e peticionando a improcedência da ação e a absolvição da demandada. Juntou 9 (nove) documentos.
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Foi realizada audiência de julgamento, em três sessões, designadamente em 7/6/2017 (fls. 103 a 105), 19/7/2017 (fls. 109) e 30/8/2017 (fls. 110), como das respetivas Atas de audiência, juntas aos autos, se infere.
Cumpre apreciar e decidir
---- O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
--- Fixo à causa o valor de €10.535,00 (dez mil quinhentos e trinta e cinco euros).
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--- Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/07 estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.
Fundamentação da Matéria de Facto
Factos provados
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 - No dia 26.01.2016, pelas 13:20h, ao Km 23 da Estrada Nacional n.º 111, freguesia de Meãs do Campo, concelho de Montemor-o-Velho, distrito de Coimbra, ocorreu um acidente de viação.
2 - A via de trânsito onde ocorreu o acidente configura uma reta com perfil em patamar, com largura de 7,30m, com o piso todo pavimentado em asfalto e com boa visibilidade.
3 - No mencionado acidente foram intervenientes, dois veículos,
- o veículo automóvel, tipo agrícola, serviço particular, de matricula EV-............, propriedade da demandante e inscrito no registo automóvel em seu nome, por ela conduzido e segurado pela Companhia de Seguros ................, SA, através da apólice n.º ............;
- E o veículo automóvel, tipo passageiros, serviço particular, matricula ...............LC, propriedade de .................................... e conduzido por ............................, segurado pela demandada ....................Seguros S.A, com a apólice n.º .....................
4 - O mencionado sinistro ocorreu quando os veículos circulavam pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Montemor-o-Velho - Coimbra, da denominada via de trânsito, estrada municipal n.º 111, circulando na frente o veículo EV e imediatamente atrás o veículo LC;
5 - E a condutora do veículo EV, ora demandante, abriu sinal de mudança de direção esquerdo, para virar para esquerda, com o intuito de fazer a travessia da estrada na direção do entroncamento para se dirigir para outra via de trânsito, perpendicular aquela em que circulava.
6 - Acercando-se do eixo da via de trânsito e dando passagem a outros dois veículos que circulavam em sentido contrário antes de iniciar a travessia.
7 - Após iniciar a travessia da via de trânsito, a demandante apercebeu-se que o veículo LC lhe embateu na roda traseira esquerda, uma vez que circulava imediatamente atrás e estava a iniciar manobra de ultrapassagem.
8 - Não conseguindo todavia o veículo LC fazer a referida manobra porquanto embateu com a sua frente na roda traseira esquerda do veiculo EV, ocorrendo a colisão entre os veículos,
9 - Após a colisão, o veículo EV imobilizou-se um pouco mais à frente do local do embate e o veículo LC imobilizou-se sensivelmente no meio da faixa de rodagem contrária àquela onde circulavam, tendo este deixado no solo dois rastos de travagem.
10 - A demandante participou o sinistro à sua seguradora ................... Seguros, SA, tendo esta respondido que a demandada devia contactar a Seguradora do outro veiculo para reclamar a indemnização pelos danos que sofreu, por ser responsável pelo acidente.
11 - A demandante participou então o sinistro à demandada, que após a aludida participação, procedeu à peritagem do veículo LC, na oficina mecânica ...................ca, Lda., para onde o mesmo foi removido, tendo constatado que a reparação do veículo importaria num valor de €1.843,77, conforme se alcança do relatório de peritagem,
12 – Comunicando ainda que a vistoria foi efetuada a título condicional.
13 – A final, a demandada comunicou à demandante, por carta datada de 01.03.2016 a sua posição quanto ao sinistro, nomeadamente que a responsabilidade pela produção do acidente deveria ser repartida em partes iguais, face a dúvida, disponibilizando a emissão do recibo de indemnização correspondente a 50% do montante da reparação.
14 – Missiva à qual a demandante respondeu discordando, por comunicação electrónica datada de 27.07.2016, por intermédio do seu Mandatário, na expetativa de resolução extrajudicial da questão.
15 - Vindo a demandada a responder ao Mandatário da demandante por comunicação electrónica de 20.12.2016, informando e reiterando a repartição de responsabilidades, expondo que, em caso de dúvida, se considera igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores e disponibilizando a emissão do recibo de Indemnização de metade do valor de reparação do veículo.
16 – Sucede que a demandante não se conformou com a posição assumida pela demandada.
17 – O veículo da demandante EV é um trator agrícola, marca Same, modelo Minitaurus, que sofreu, em consequência do acidente, estragos materiais que impossibilitaram a sua utilização.
18 – Por sua vez, a demandante é agricultora, possuindo uma exploração agrícola em lugar ................., freguesia de Meãs do Campo, concelho de Montemor-o-Velho.
19 – Sendo o veículo EV o seu único trator da exploração e meio de transporte com o qual fazia as suas deslocações pessoais e profissionais, ía às compras quer a nível pessoal, quer para a exploração.
20 - A exploração agrícola da demandante é composta por uma área de 8,08 ha, sendo 3,96 ha destinadas ao cultivo de milho grão, 1,06 ha de prados temporários e 0,14 ha de olival, 2,92 ha de floresta e 0,1000 ha de outros áreas.
21 - Para além disso a demandante tem 5,12 há de área de exploração submetidos a subsidio que a obrigam a cumprir com as respetivas sementeiras e colheita, pois caso não o faça pode vir a ser penalizada pelo IFAP (Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas) se não forem cumpridos os compromissos, com eventual perda do subsídio.
22 – Como referido, em consequência do sinistro o EV sofreu estragos que o impossibilitaram de circular, desde o dia em que ocorreu o sinistro, 26.01.2016 e durante o período de imobilização do EV, a demandante não recebeu nenhum veículo de substituição da demandada.
23 - O EV era utilizado normalmente pela demandante para o desenvolvimento e no exercício da sua actividade agrícola.
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--- A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, dos depoimentos das testemunhas de demandante e demandada, como a seguir se expõe, além dos demais elementos a seguir mencionados.
A testemunha da demandante, guarda principal da GNR, ......................, na qualidade de participante, corroborou o teor da participação de acidente de viação de fls. 18 a 21, reiterando o ponto de embate e a posição final do veículo LC, como consta de croquis anexo, onde não está mencionado o veículo EV por ter parado mais à frente, além de referir a existência no solo de duas derrapagens de 5,70 metros originadas pelo veículo LC, tendo ainda esta testemunha juntado aos autos 3 fotografias, constantes de “folha de suporte” da GNR, a fls. 101 e 102 do local do acidente e dos veículos acidentados.
A segunda testemunha da demandante, ...................., filho da demandante, foi quem acompanhou as burocracias do acidente, em auxílio da mãe, expondo que o trator da mãe ficou imobilizado em virtude do acidente, esclarecendo que a mãe é uma agricultora de pequena escala, tendo várias explorações de agro-pecuária, além de que tem o subsidio de área do IFAP e que sem o trator se viu obrigada a recorrer ao aluguer de outro trator, concluindo sobre o decréscimo da produção agrícola e que o trator era o único meio de transporte da demandante, usado também para afazeres domésticos, que deixou de usar por não ter tido veículo de substituição, alegando ainda as angústias sentidas pela mãe após o acidente.
A terceira testemunha da demandante, ......................, conduzia um camião no mesmo sentido dos veículos acidentados, circulando atrás do veículo acidentado com um veículo de permeio, tendo-se apercebido da derrapagem do veículo entretanto acidentado antes do embate no trator, e que este tinha parado no eixo da via para virar à esquerda junto ao entroncamento aguardando a passagem de 2 carros e que foi embatido pelo veículo traseiro já dentro da faixa contrária, tendo o trator parado mais à frente, apercebendo-se de que conhecia o filho da condutora do trator, mas como entendeu que estava bem e não precisava de ajuda, continuou o seu caminho e não foi apresentado na altura como testemunha, mas mais tarde quando contou o sucedido ao filho da demandante. Mais referiu que antes do referido entroncamento, existe duplo traço contínuo, que passa a descontínuo só na zona do entroncamento.
A testemunha da demandante, ................., foi ter com a demandante ao local do sinistro e constatou que a demandante estava fisicamente bem, mas atormentada com o acidente, referindo ainda que o seu pai tem tratores e prestou, nessa medida, alguma colaboração à demandante.
Todas as testemunhas da demandante tiveram um depoimento credível, pelo que os seus depoimentos foram valorados.
Relativamente à prova testemunhal da demandada, o perito averiguador da demandada, ...................., fez a averiguação do sinistro dos autos, tendo questionado os intervenientes no acidente sobre se havia testemunhas, que não lhe foram apresentadas, tendo falado com os dois condutores e observou alguns vestígios no local, além de ter visto fotografias com traços de derrapagens de cerca de 5 metros, começando na via do condutor do veículo seguro na demandada e desviando-se para a via contrária. Por sua vez, o perito avaliador da demandada, ..........................., testemunhou relativamente ao relatório de peritagem de fls. 24 e 25 que elaborou, expondo que toda a roda esquerda do trator e acessórios ficou danificada com o embate, perfazendo materiais e mão-de-obra o valor de €1.843,77 com IVA, necessitando de 1 dia de reparação, uma vez que o trator circulava mas com dificuldade, pelo que do seu ponto de vista não podia circular, pois ficaria mais danificado. De igual modo, as testemunhas da demandada tiveram um depoimento fiável, que foi considerado em termos probatórios.
À prova mencionada acrescem os documentos de fls. 18 a 32, 44 a 57, 71 a 79 (exceto, as setas apostas nas fotografias), 101 e 102, juntos aos autos, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum usadas pelo tribunal para apreciar a força probatória dos meios de prova e critérios de normalidade foi determinante para alicerçar a convicção do Tribunal.
--- Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente não resultou provado o valor de prejuízos nas explorações agrícolas da demandante, bem como os custos ou prejuízos de parqueamento do trator e danos imateriais sofridos pela demandante em consequência do sinistro.
Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada no pagamento da quantia global de €10.535,00, sendo €6.365,00 de valor de reparação do veículo da demandante, bem como de prejuízos e danos, a quantia de €5,00 por cada dia de depósito do veículo provisoriamente calculado em €2.670,00, quantia que equitativamente seja fixada por cada dia de imobilização do veículo, a titulo de privação de uso e €1.500,00 por danos imateriais, alegando em sustentação desse pedido a ocorrência de um acidente de viação, cuja responsabilidade pertenceria à demandada, para a qual o veículo LC havia transferido a sua responsabilidade civil
Determina o artigo 483º do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento voluntário do agente; a ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; a imputação do facto ao agente ou um nexo causal que una o facto ao lesante, com a apreciação da culpa como regra em abstrato, segundo a diligência de “um bom pai de família”; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da Responsabilidade
Da prova produzida resulta que o sinistro dos autos ocorreu quando o trator agrícola da demandante, doravante designado EV, e o veículo seguro na demandada, doravante designado LC, circulavam pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Montemor-o-Velho - Coimbra, da denominada via de trânsito, estrada municipal n.º 111, circulando na frente o veículo EV e imediatamente atrás o veículo LC, quando a condutora do veículo EV, abriu sinal de mudança de direção esquerdo, para virar para a esquerda, com o intuito de fazer a travessia da estrada na direção do entroncamento para se dirigir para outra via de trânsito, perpendicular àquela em que circulava, acercando-se do eixo da via de trânsito e dando passagem a outros dois veículos que circulavam em sentido contrário antes de iniciar a travessia.
Sendo que, após iniciar a travessia da via de trânsito, a demandante apercebeu-se que o veículo LC lhe embateu na roda traseira esquerda, uma vez que circulava imediatamente atrás e a iniciar manobra de ultrapassagem, não conseguindo todavia o veículo LC fazer a referida manobra porquanto embateu com a sua frente na roda traseira esquerda do veículo EV, ocorrendo a colisão entre os veículos.
Donde se conclui que o condutor do veículo seguro pela demandada, LC, adotou uma atitude imprevidente, realizando uma manobra de ultrapassagem em local proibido, uma vez que deu início à mesma imediatamente antes do entroncamento, como se constata pelas marcas de derrapagem do LC no solo, bem verificando o local de embate, situado na faixa de rodagem contrária (vide croquis de fls. 21), o que traduz falta de cuidado e diligência, além de violação das mais elementares regras estradais, designadamente o preceituado no artigo 41º, nº 1, alínea c) do Código da Estrada, pelo que é de concluir que o condutor do veículo LC foi o único culpado na produção do acidente.
Daí que se entenda que os elementos constantes do processo, nomeadamente as duas marcas de derrapagens no solo do veículo LC, visíveis no croquis (fls. 21) e nas fotografias juntas a fls. 101 da GNR, onde igualmente se constata a posição final do veículo LC, na faixa de rodagem de sentido contrário junto ao entroncamento, bem como o local de incidência de danos nos dois veículos, são indiciadores da imperícia e falta de diligência do condutor do veículo LC, seguro na demandada, não se revelando verosímil a versão do condutor do LC, que referiu, em declarações na participação do acidente (fls. 20), que o EV estaria parado na berma e terá interrompido a marcha do LC, obrigando-o a desviar-se, o que não é compatível com o facto de um trator circular mais lentamente que outro veiculo e estar já no eixo da via quando pretende mudar de direção, dando-se o embate na faixa contrária ao sentido de trânsito por onde circulavam os veículos acidentados nos moldes já referenciados.
Donde, a responsabilidade pelo acidente deve ser unicamente imputada ao condutor do veículo LC, uma vez que incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, a demandante fez prova bastante dessa culpa por parte do veículo LC. Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, ou seja, do homem médio. A culpa traduz-se num juízo de censura ao agente por não ter adotado um comportamento conforme a um dever, que podia e devia ter tido, de modo a evitar o acidente, quer porque não o previu, quer porque confiou em que ele se não verificaria. A culpa deve ser aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio - medianamente prudente, diligente e capaz - colocado na posição do agente. A culpa pode resultar não só da indevida violação de uma norma estradal, como ainda de simples, mas censurável, falta de atenção, de prudência e de cuidado. No caso dos autos, resultou provado que é o condutor do veículo LC que dá causa ao embate dos autos, uma vez que iniciou uma ultrapassagem, em local proibido, imediatamente antes de um entroncamento, embatendo com a parte da frente na roda traseira esquerda do trator EV, desconsiderando que este havia assinalado a mudança de direção para a esquerda pretendendo circular em estrada perpendicular àquele em que circulavam, demonstrando, com tal atuação, falta de cuidado e diligência.
Considerando o que dispõem os artigos 562º e seguintes do Código Civil, a obrigação de indemnizar, exigindo um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, obriga o lesante a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; além de que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Neste caso, conclui-se que existem os requisitos de responsabilidade civil que geram a obrigação de indemnizar, na medida em que resultou provado que o condutor do veículo LC contribuiu para a produção do sinistro, por desrespeito pelas regras estradais, bem como por desatenção e imperícia, dando causa ao acidente dos autos.
Dos Danos
A demandante alegou e provou que em consequência do acidente tem danos patrimoniais com a reparação do veículo, trator EV, constantes do relatório de peritagem, de fls. 24 e 25, emitido pela demandada, no valor de €1.843,77, com IVA incluído, pelo que deve o pedido de €1.843,77 relativo ao valor de reparação do veículo EV proceder.
A demandante peticionou ainda perdas de produção, em virtude do trator acidentado ser o único meio de transporte agrícola e pessoal da demandante, pelo que a produção agrícola ressentiu-se, apresentando um documento denominado “Avaliação”, a fls. 33 a 37, em que relata alegadas perdas e assinado por “perito”, sem apresentação de carteira profissional, que a demandante escolheu, para determinar o valor de prejuízos finais de €6.365,00, onde inclui o valor de reparação do veículo EV de €1.843,77, isto é, sem o valor de reparação soma o alegado valor de prejuízos por perdas de produção €4.521,23.
Vejamos, a “Avaliação” em causa considera resultados obtidos no ano transato relativamente à cultura do milho grão (refere que recorre a dados publicados por uma Associação, sem qualquer demonstração), após considerar vários fatores, além do valor de subsídio do IFAP. E continua a “Avaliação” com o resultado da produção de milho e prados temporários, recorrendo a aluguer de trator e máquinas, que, após considerar determinadas premissas, além do subsídio do IFAP, considera uma perda de produção de €50%. Ainda considerou o documento de avaliação o risco de penalização do IFAP, além do agravamento dos prejuízos, por pagamento acrescido de transportes de factores de produção, além de falta de manutenção da floresta e eventual risco de incêndio.
Ora, da análise da “Avaliação” em causa, conclui-se que os cálculos de prejuízos apresentados relativamente a diferentes áreas de cultivo resultaram impercetíveis, além do mais as premissas para avaliação dos alegados prejuízos não se apresentaram baseadas e demonstradas em dados oficiais, ou pelo menos não foram assim apresentados, nem em colheitas dos anos anteriores ou em apuramento de eventuais rendimentos anteriormente obtidos com as diferentes culturas. Também se desconhecem os valores de subsídios do IPAF, ou eventuais perdas ou indeferimentos por falta de produção pela demandante, sabendo-se unicamente que a demandante se candidatou a subsídios, nos ano de 2016 e que é proprietária de explorações agrícolas com diferentes áreas de cultivo e de pecuária, como se infere de fls. 44 a 55, resultando, por isso, a prova dos alegados prejuízos a nível agrícola, manifestamente insuficiente, uma vez desacompanhada de outros meios de prova.
Quanto aos valores de alugueres de trator, entende-se que a partir da decisão da demandada acerca da responsabilidade do sinistro, não lhe podem ser assacados outros prejuízos ou despesas acrescidas que o decurso do tempo vai agudizando, dado que a demandante poderia ter tomado outras medidas de modo a evitar os alegados prejuízos e despesas, pelo que, não pode igualmente proceder o pedido a esse titulo, atendendo a que as faturas dos alugueres em causa datam de maio de 2016 (cfr. fls. 58 e 59), presumindo-se respeitarem a esse período e a resposta da tomada de posição relativa a responsabilidades da demandada à demandante ocorre no inicio do mês de março de 2016 (vide fls. 28), pelo que não podem ser aquelas faturas atendíveis para efeitos de ressarcimento.
Assim sendo e atendendo a que os prejuízos originados pelas alegadas perdas de produção agrícola, bem como outras despesas, foram impugnados e não resultaram provados, não se pode atender aos mesmos, improcedendo o peticionado no valor de €4.521,23 (isto é, €6365,00 deduzido do valor de reparação de €1.843,77), no que respeita a alegadas perdas de produção e prejuízos derivados do sinistro.
Além disso, cabendo o impulso para ressarcimento do sinistro à demandante, na qualidade de lesada, por estar alegadamente prejudicada, não pode a eventual delonga nas conversações entre as partes ser imputável à demandada.
No que concerne ao requerido a título de parqueamento, nomeadamente o valor dia de €5,00 por cada dia de depósito do veículo da demandante nas suas instalações, tal pedido terá de improceder, na medida em que não resultou provado que a demandante tivesse que suportar o alegado custo diário com o parqueamento do trator, nem tal foi demonstrado, pelo que terá de improceder o pedido provisoriamente calculado de €2.670,00, a título de parqueamento.
No que respeita a privação de uso do veículo, trator EV, igualmente peticionado, em quantia que se venha equitativamente a fixar para posterior liquidação em execução de sentença, entende-se que há elementos nos autos suficientes para o seu apuramento, pelo que não se relegará para execução de sentença.
Assim sendo, aceite que é na nossa jurisprudência, que o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, uma vez que o lesado
durante o período de imobilização de uma viatura, fica privado das utilidades que esta poderia proporcionar-lhe, o que constitui um prejuízo, por si só, independentemente do aumento das despesas em razão da privação desse uso, entende-se que a simples possibilidade de utilização ou não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afetada, deve ser ressarcida.
No caso em apreço, foi feita prova da necessidade do trator para as deslocações diárias pessoais e profissionais da demandante, pelo que não se tendo provado prejuízos efetivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação.
Ora, da prova produzida, resulta que o acidente ocorreu em 26/1/2016 e que houve resposta definitiva da demandada no que concerne a apuramento de responsabilidades em carta datada de 1/3/2016 (fls. 28), certamente recepcionada em 2/3/2016, pelo menos nada existe nos autos em contrário, pelo que entende-se que, para efeitos de privação de uso, uma vez que o trator EV não deveria circular considerando os danos na roda esquerda, deve atender-se a esse período, que contabilizado se cifra em 37 dias e que somando 1 dia de reparação constante do relatório de peritagem (fls. 24) perfaz 38 dias de imobilização, julgando-se razoável e adequado o valor diário de €25,00 pela paralisação do trator, o que perfaz o valor de €950,00, a titulo de privação de uso.
Razão pelo que, se fixa equitativamente, o valor de €950,00 nos termos dos artigos 4º e 566º nº3, ambos do Código Civil, pelo dano indemnizável pela imobilização do trator EV e subsequente privação do seu uso desde a data do acidente até à data da decisão da demandada quanto a assunção de responsabilidades pelo sinistro.
A demandante peticiona, por último, a quantia de €1.500,00 a título de indemnização por todos os danos imateriais sofridos com o sinistro.
São, pois, indemnizáveis os danos de carácter não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artigo 496º, nº1 do Código Civil.
Há, então, que indagar se a angústia, o nervosismo e os transtornos ocorridos em consequência do acidente e que a demandante sentiu são, pela sua gravidade, merecedores da tutela do direito.
Ora, considera-se que tais sentimentos são tidos como adequados e normais a quem conduz um trator diariamente e tem a seu cargo afazeres domésticos e agrícolas e tem um embate com outro veículo, revelando-se uma situação quotidiana, pelo que não se considera constituírem determinados incómodos, certamente sentidos pela demandante, um dano indemnizável, improcedendo o valor de €1.500,00 peticionado a título de danos imateriais.
Face ao exposto, deve a demandada ressarcir a demandante no valor total de €2.793,77, que inclui o valor de reparação do veículo de €1.843,77, bem como no valor equitativo de €950,00 a titulo de privação de uso, indo no mais peticionado a demandada seguradora absolvida.
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a demandada ..................... SEGUROS, S.A. ou ............................., S.A. a pagar à demandante o valor de €2.793,77 (dois mil setecentos e noventa e três euros e setenta e sete cêntimos), indo no mais absolvida.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e demandados no pagamento das custas totais do processo, no valor de €70,00 (setenta euros), considerando o decaimento, na proporção aproximada de responsabilidade para a demandante de 80%, na quantia de €56,00 (cinquenta e seis euros) e na proporção aproximada de responsabilidade para a demandada de 20%, na quantia de €14,00 (catorze euros).
Pelo que tendo a demandante pago de taxa de justiça o valor de €35,00, deve ainda a demandante pagar o valor de €21,00 (vinte e um euros) em falta, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, comprovando o pagamento no Julgado de Paz.
Devolva-se à demandada o valor de €21,00 (vinte e um euros), uma vez que pagou a taxa inicial de €35,00.
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013.
No dia e hora da leitura de sentença – 29/9/2017, pelas 11h00 – não estiveram presentes partes e/ou mandatários.
Notifique e Registe.
Montemor-o-Velho, em 29 de setembro de 2017
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)